Aos 10 anos, dividia o mundo em dois esportes: futebol e todos os outros.
Sem a participação da seleção brasileira de futebol nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004, os outros me saltaram aos olhos pela primeira vez. Ainda embalado pelo patriotismo infantil que me invadiu o peito com a conquista do pentacampeonato, torcia para ver meu país acumulando medalhas e, sempre que possível, os hermanos no chão.
Se havia brasileiro ou argentino na disputa, lá estava eu em frente à televisão. Vibrando, gritando, sofrendo.
Em 15 de agosto daquele ano, tudo o que sabia sobre basquete era que, se o arremesso fosse feito de fora do garrafão, a cesta valia três pontos. Mas me preparei para assistir à estreia argentina no torneio como se fosse o fã mais antigo da modalidade.
Durante 40 minutos, sequei como manda o manual. Cobrei faltas não marcadas, reclamei da qualidade técnica do adversário e até debochei da torcida, que cantava como se estivesse em um estádio. Deus, que torcida irritante.
Não entendi nada do jogo, é verdade. E nem me interessava entender. Se a Argentina estivesse atrás no placar, as regras e o contexto pouco me importavam. E assim foi, por 39 minutos e 57 segundos.
A três segundos do final, a Sérvia abriu um ponto de vantagem. Sem tempo para pedir, a Argentina precisava repor a bola no fundo da sua quadra de defesa, longe demais da cesta adversária. Nem um milagre resolveria.
E então, Manu.
Restavam alguns décimos no cronômetro quando Manu recebeu o passe. Desequilibrado e bem marcado, era jogar a bola para o alto e... Cesta! No último suspiro, com o relógio já zerado, Manu roubou a vitória para os sul-americanos.
Meu patriotismo morreu naquele lance. Por duas semanas, eu era Argentina. Era Manu. Vibrei junto na vitória sobre os Estados Unidos, na semifinal, e na conquista da improvável medalha de ouro – a única a não ficar com os americanos desde 1992, quando passaram a levar atletas profissionais aos Jogos.
Na última segunda-feira, Emanuel Ginobili anunciou sua aposentadoria do basquete. Além da seleção argentina, foram 16 anos defendendo o San Antonio Spurs, por onde foi tetracampeão da NBA.
Muito mais do que títulos e dribles desconcertantes em direção à cesta, guardarei na memória a imagem de um homem que nunca desistiu. Como naquele 15 de agosto de 2004, o dia em que conheci Manu.