Não é de hoje que a pernambucana Joanna Maranhão levanta a voz contra o que considera como desmandos na gestão da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). Por isso, quando surgiu a notícia de que o ex-presidente da entidade, Coaracy Nunes, e outros três dirigentes foram presos pela Polícia Federal (Ricardo Moura, que era considerado foragido, se entregou), suspeitos de desvios no valor de R$ 40 milhões, a nadadora não se surpreendeu.
Passadas as primeiras repercussões da notícia, que incluíram o rompimento do contrato de patrocínio dos Correios com a confederação, Joanna e um grupo de atletas históricos da natação se juntaram para propor saídas para a modalidade. A união deixou a veterana de 29 anos animada.
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Nesta entrevista a ZH, ela detona a falta de transparência na CBDA e reconhece que, ao serem coniventes com os métodos da entidade, os atletas também contribuíram para a crise.
Quais você imagina que serão as repercussões das prisões dos dirigentes da CBDA?
Eu realmente não me surpreendi com as prisões. Fiquei um pouco chocada somente com o valor (dos supostos desvios). A gente imaginava que tinha uma coisa muito errada, mas não tinha ideia de que poderia chegar a R$ 40 milhões. Fico feliz que, a partir disso, ficou evidente a necessidade de mudança. Da noite de ontem (quinta-feira) para hoje (sexta), conseguimos criar um grupo de nadadores e alguns atletas de outras modalidades aquáticas. Estamos começando a discutir o que pode ser feito. É algo que eu já tinha tentado fazer outras vezes, sem sucesso. Parece que agora estamos começando a compreender que, se não formos juntos, não vamos de jeito nenhum.
É hora dos atletas finalmente fazerem valer sua voz para que casos como este não se repitam?
Exatamente. Soltamos uma carta aberta, para o presidente da república, para o ministro do esporte. Encaminhamos também para o presidente do COB. Tivemos uma adesão boa. Depois, vamos colocar pontos cruciais de ações que têm de ser feitas. Nosso pedido de socorro hoje é em relação à manutenção do calendário deste ano, apesar de tudo o que está acontecendo. A natação precisa existir de alguma maneira, ainda que com verbas menores. Temos de estar competindo. Vamos criar um grupo, uma comissão, para discutir critérios claros e buscar patrocinadores. Fiquei bastante animada de ver atletas verbalizando uma coisa que eu já vinha alertando há muito tempo.
Mobilizações de atletas costumam encontrar dificuldades para prosperar por conta do ambiente fechado que se forma no ambiente político das confederações. Você acredita que este pode ser um empecilho?
Nós temos que aprender. Dentro da comissão, temos de ter pessoas mais combativas, mais ativas, mas também pessoas mais políticas. Temos de falar com presidente de COB, ministro dos esportes, patrocinador. Temos de nos engajar. Tem de ter homem, mulher, representantes da base. O grupo é novo, mas estou vendo todos muito dispostos. Daqui para frente, tem de mudar. Não tem mais como a gente pensar que as coisas podem ficar como estão. Do jeito que está, a natação e os outros esportes aquáticos vão acabar. Você imagina como vai ser para limpar a imagem e convencer um patrocinador que vale a pena apoiar essas modalidades. Isso é culpa inteiramente desses caras que estão presos. Eles sujaram o nosso nome. Vai demorar quatro, oito, 12 anos para reconstruir.
Você vê alguma liderança, seja atleta ou dirigente, que representa uma renovação?
Eu apoio 100% a chapa do Miguel Cagnoni, que hoje é a chapa de oposição. Ele era presidente da Federação Paulista, que era a única financeiramente independente. Tem propostas. Ele colocou um site com o que ele planeja fazer a cada ano para melhorar a CBDA.
Você sempre deixou evidente seu posicionamento a respeito das questões da CBDA. Cogita no futuro entrar na área política, seja como dirigente ou em um cargo dentro da confederação?
Eu ainda sou atleta. Sempre me perguntam se eu estou fazendo algo para vislumbrar algum cargo. De forma alguma. Faço isso porque acredito ser a coisa certa. O que a vida vai me reservar mais para frente eu não tenho a menor ideia. Não fiz um plano de transição. Tem gente que fala que vou me candidatar a deputada federal, que vou disputar a presidência da CBDA, mas eu realmente não sei o que vou fazer. Se me perguntarem o que eu vou fazer no próximo ano, eu diria que, se eu parar de nadar, quero engravidar (risos). Seja na área que for, para onde a vida me levar, vou continuar dando 100%, da forma mais honesta. Se a vida me encaminhar para a gestão esportiva, ótimo. Ou se o projeto social que eu montei para ajudar crianças carentes funcionar, vou me doar a isso. Não tenho uma intenção por trás disso. Faço porque acho certo e vejo o que o Miguel (Cagnoni) propõe para a CBDA.
Qual o peso para os atletas do rompimento dos Correios com a CBDA?
Acho que você tem de perguntar isso aos atletas que recebiam, que não era o meu caso (risos). Com certeza, o rompimento fez com que o pessoal abrisse o olho e percebesse que a fonte secou. Quando mexe no bolso, dói mais. Tem o seu lado bom, mas é óbvio que vai ser péssimo para a gente. Os Correios estão com a CBDA praticamente desde que o Coaracy entrou. Mas o que a gente estava discutindo era que, seja com a volta dos Correios, ou outro patrocinador, acabou isso de receber em segredo. Vai ser um critério claro para todo mundo. Todos vão saber o quanto todo mundo ganha. E se por acaso a futura gestão quiser comprar os que vendem mais, ou os que têm melhores resultados, não vai ter mais isso. A gente está disposto a finalmente se unir. Isso é uma vitória imensa. Fico realmente emocionada de ver que nós, atletas, estamos reconhecendo que erramos.
Havia uma pressão sobre os atletas de maior destaque para que não se manifestassem?
Funcionava assim: o Coaracy me ligava e dizia "Joanna, aqui quem está falando é o Coaracy. Você vai receber seis meses de Correios, R$ 3 mil por mês. Mas eu quero que você não comente isso com nenhum outro atleta, com ninguém. Tá bom? Beijo, tchau". Era desse jeito com todo mundo. No primeiro e no segundo momento eu aceitei. Depois, você questiona. Por que estou recebendo seis meses e não 12, se eu nado 12 meses no ano? Por que eu não posso falar para outras pessoas quanto estou ganhando? Por que não tem critério? No ano passado, eu recebi só dois meses.
* ZH Esportes