Uma das figuras mais polêmicas e poderosas da história do esporte saiu de cena nesta terça-feira. Aos 100 anos, 24 deles como presidente da Fifa, João Havelange não resistiu a problemas de saúde e morreu no Rio de Janeiro. A informação foi confirmada em nota pelo Hospital Samaritano.
Filho do belga Faustin Havelange, um comerciante de armas radicado no Brasil, Havelange nasceu no Rio, com o nome de Jean-Marie Faustin Goedefroid de Havelange. Foi nadador e jogador de polo aquático na juventude – como nadador, participou da Olimpíada de Berlim, em 1936, e jogou polo aquático nos Jogos de Helsinque, em 1952 – chegou a ser medalhista de bronze nos Jogos Pan-Americanos de 1955.
Graduado em Direito, começou a trajetória de dirigente comandando a Federação Paulista de Natação em 1948, pois já residia em São Paulo à época. Mais tarde, tornou-se vice-presidente da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), entidade que congregava 24 modalidades, não somente o futebol, mas foi a antecessora da CBF.
Entre 1956 a 1974, Havelange comandou a CBD, período em que a Seleção Brasileira conquistou os três primeiros dos seus cinco títulos mundiais (1958, 1962 e 1970). Ao sair da entidade, assumiu a presidência da Fifa.
Foi lá que se iniciou uma gestão que pode ser vista sob dois pontos: por um lado, transformou o futebol em um grande negócio, altamente rentável, que enriqueceu a entidade que o comanda. Por outro, estabeleceu o sistema de troca de favores que incentivou a corrupção e, décadas depois, derrubaria seu sucessor, Joseph Blatter.
Durante os 24 anos na Fifa, Havelange não deixou de ter influência sobre o cenário nacional. Foi decisivo, por exemplo, para a eleição de Ricardo Teixeira – então seu genro – à presidência da CBF, em 1989. Teixeira permaneceria no cargo até 2012.
À frente da Fifa, Havelange ampliou o número de filiados a ponto de a entidade ter mais membros do que a Organização das Nações Unidas (ONU). Gozava de status de chefe de estado, e o Comitê Olímpico Internacional (COI) chegou a apontá-lo como um dos três principais dirigentes do Século 20, ao lado de Pierre de Coubertin, idealizador da Olimpíada da Era Moderna, e Juan Antonio Samaranch, ex-presidente do COI. A trajetória no poder se encerrou em 1998, e assumiu o cargo de presidente de honra ao passar o bastão para o suíço que era seu braço-direito. Blatter virou o representante da continuidade do projeto Havelange.
Quando deixou o poder, Havelange já era objeto de rumores de envolvimento em escândalos de corrupção. Ao longo dos anos, os indícios tornaram-se mais fortes.
Após a divulgação de documentos da Justiça suíça que o apontavam, ao lado de Teixeira, como receptor de propinas pagas pela empresa ISL, renunciou à presidência de honra em 2013 e deixou a entidade que comandou por mais de duas décadas. Dois anos antes, já havia deixado o Comitê Olímpico Internacional (COI), do qual era membro, alegando problemas de saúde. O COI o investigava por conta do envolvimento com a ISL.
Imagem arranhada nos últimos anos
O trabalho de Havelange à frente da Fifa o tornou mundialmente famoso e lhe rendeu a imagem de um gestor brilhante e visionário. Nos últimos anos de vida, porém, o carioca viu o status destroçado pelos escândalos de corrupção.
Segundo os documentos divulgados pela Justiça suíça, um total de US$ 122,5 milhões em propinas foram distribuídos a cartolas ao redor do mundo sob a mirada de Havelange. Em um dos episódios descritos pela investigação, o departamento financeiro da Fifa aciona Blatter, então secretário-geral, quando percebe a entrada inexplicável de US$ 1,5 milhão oriundos da ISL em uma conta da entidade. Era, de acordo com os investigadores, um suborno pago a Havelange. Blatter teria ordenado que o dinheiro fosse repassado a seu chefe.
As revelações destruíram a aura de dirigente acima de qualquer suspeita. E as consequências vieram a galope. O estádio construído para os Jogos Pan-Americanos de 2007, no Rio de Janeiro, que levava seu nome, foi rebatizado. Agora chama-se Nilton Santos.
Apesar de não ter sido preso nem processado pelo envolvimento nos escândalos – pagou apenas uma multa –, Havelange viveu os últimos anos isolado, com os novos donos do poder fazendo questão de descolar seu nome do velho cacique.
FRASES
"A Copa da Argentina (em 1978) faturou US$ 78 milhões. Na África do Sul (2010), o giro financeiro chegou a US$ 6 bilhões. Isso é que eu chamo de saber administrar."
"Para o futebol não acabar, é preciso ter um erro de arbitragem. Então tem que haver um gol em impedimento, um gol com a mão, um gol de pênalti que não existiu."
"Quando eu era presidente da Fifa choviam telegramas e presentes. Agora todos sumiram."
"Quanto à saída de jogadores de meu país para outras regiões, a fim de cumprir contratos valiosos, acho que devemos aplaudir."