Os argentinos transformam suas tragédias pessoais em tangos. Mas a segunda-feira futebolística deles renderia uma coletânea. Daria para chorar um Rio da Prata inteiro. Parece mentira, mas a fila de 23 anos sem conquistas da seleção e a renúncia de Messi foram apenas alguns dos problemas. Graves, é verdade, mas integrantes de uma lista que parece sem fim: intervenção da Fifa, ameaça de bomba na sede da AFA, risco de banimento da seleção e dos clubes de competições internacionais por suspeita de intromissão do governo na entidade e discussão feroz dos clubes sobre a criação de uma Superliga, nos moldes das principais ligas europeias.
Talvez esteja no caldo resultante de todos esses problemas a bombástica renúncia de Messi à seleção. É claro que doeu perder sua quarta decisão seguida e outra vez fracassar pela seleção. Mas o craque já dava sinais de que estava enfastiado com a situação.
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Na quinta-feira, depois de larga espera para embarcar com a delegação para Nova York, onde iniciaria a concentração para a final da Copa América, ele registrou seu descontentamento no Instagram. Sob uma foto em que aparecia com cara de poucos amigos e ao lado do amigo Kun Agüero, escreveu: "Uma vez mais esperando um avião para tentar sair ao destino... Que desastre são os da AFA, por Deus". Antes da decisão, Messi havia prometido uma entrevista coletiva em que se posicionaria sobre tudo o que acontece no futebol do país.
Não deu tempo. As lágrimas depois de perder o pênalti na decisão com o Chile precederam a renúncia ao vivo, em entrevista concedida ainda na zona mista do Estádio MetLife, em Nova Jersey. A madrugada já avançava quando os argentinos receberam esse soco no estômago. Por alguns instantes, Messi exibia um leve sorriso enquanto falava. Parecia aliviado. Os repórteres, incrédulos, ainda insistiram:
– Então você está se retirando da Seleção?
– Sim, a seleção terminou para mim.
O mais esquisito dessa decisão de Messi é que ela chega justo quando ele virou unanimidade no país. Em 2010, houve questionamentos sobre sua origem europeia. Os argentinos reclamavam que, por ter se mudado aos 13 anos para Barcelona, havia se tornado um "pecho frío", como os vizinhos consideram os sujeitos sem brios. Mas depois das suas atuações na Copa de 2014 e agora, na Copa América, essa imagem havia desaparecido. Para completar, ele havia se tornado o maior goleador da seleção em todos os tempos, batendo o recorde de Batistuta.
A renúncia de Messi abre um questionamento: jogar pela seleção virou um estorvo para jogadores sul-americanos com contas abarrotadas de euros? Correspondente da Globo News em Buenos Aires, o jornalista Ariel Palacios acompanhou de perto a segunda-feira argentina e a comoção causa pela renúncia de Messi. Há 21 anos no país, Ariel acredita que esta geração saiu cedo demais do país e perdeu parte da vinculação.
– De certa forma, atrapalha jogar pela seleção. É um desgaste emocional forte, pela pressão nacionalista. As famílias desses jogadores seguem morando no país e, quando há derrotas, escutam muito. Há ainda o desgaste físico, de viagens, de jogar ao final da temporada. Em matéria de lucro, imagino que esses jogadores, com uma série de vitórias no clubes, ganhem mais do que ficando em segundo lugar na Copa América – diz Ariel.
O jornalista e escritor Andrés Burgo acredita que a desistência de Messi esteja ligada ao excesso de jogos da seleção. A Argentina gira o mundo em amistosos que exigem a presença do seu craque. O calendário é muito mais apertado do que nos tempos de Kempes, nos anos 1970, e até Maradona, nos anos 1980. Burgo aposta, no entanto, que o caos na organização da AFA e a sucessão de técnicos insuficientes também colaboram.
– Hoje, a seleção virou um segundo clube para os jogadores com tantos compromissos. Acredito que, mais adiante, Messi vá rever sua decisão – observa o escritor, que acaba de lançar o livro El Partido, no qual reconta o 2 a 0 na Inglaterra na Copa de 1986.
*ZHESPORTES