Não sou um apaixonado pelo rúgbi. Sei que o passe só pode ser dado para trás com as mãos, como fazem muitos volantes brasileiros com os pés. E que a Nova Zelândia desfruta de uma imagem semelhante à da Seleção Brasileira antes do 7 a 1: entre boas e más fases, é a referência de talento nesse esporte. É bem provável, enfim, que você entenda muito mais de rúgbi do que eu. Nem o Haka eu conhecia. Só fui ver a dança dos All Black agora, durante a Copa do Mundo recentemente vencida, é claro, por eles, os All Blacks.
Diogo Olivier: o fair play brasileiro é a cara do 7 a 1
Pois no rúgbi, na aparência um jogo disputado por gigantes facínoras cegos tomados pelo ódio, reina o respeito e a ética. Ali, naquele ambiente violento de força bruta, há mais jogo limpo, o chamado Fair Play, do que no futebol. O Gonzalo Rodríguez, ilustrador da coluna aos domingos, jogava rúgbi na Argentina antes de se apaixonar por uma gaúcha e vir de mala, cuia uma camisa do Boca para a Província de São Pedro.
Foi o Gonza quem me mostrou o vídeo no qual o árbitro Nigel Owens, espécie de Pierluigi Colina do rúgbi, tira dois jogadores que mais pareciam monstros de tão grandes daquele emaranhado de braços e pernas. Eles tinham feito algo ilegal. Apertaram o companheiro onde não devia, tentaram burlar a regra. Não importa. O que é importa é a cena. Os brutamontes baixam a cabeça o escutam respeitosamente, como se ouvissem um xingão da mãe em casa por acordar e não arrumar a cama. Emudecem. Só se ouve o Owens dizendo:
- Acredito que não nos conhecem. Eu sou o árbitro aqui, e não você. Se voltar a reclamar por qualquer coisa de novo, terei de expulsá-lo. Isso não é futebol. Está claro? Voltem ao jogo.
Alguém já disse que o rúgbi é um esporte de bestas jogado por cavalheiros, enquanto o futebol é um esporte de cavalheiros exercido por bestas. Não chego a tanto. O mundo não se divide em santos e demônios. Nada é tão raso. Mas o exemplo dos brutamontes gentis nos faz pensar acerca do Fair Play do futebol brasileiro. Deu rolo com Diego Souza, naquele Sport e Flamengo.
Diogo Olivier: o gol do Inter não nasceu do polêmico fair play
Sobre o mesmo lance de Inter e Ponte Preta, já opinei. Era obrigação do Inter devolver a bola chutada para fora por Alecsandro, mesmo sob desconfiança das reais intenções de Biro-Biro, que depois só faltou dar um mortal na beira do campo. A lógica do Fair Play é acreditar na honestidade do companheiro do time adversário, mesmo desconfiando da malandragem. Sem essa premissa, a ideia perde o sentido. O gol do Inter não aconteceu em razão da cobrança de lateral, já que 15 passes são trocados e a defesa da Ponte está toda postada quando Vitinho arremata. Mas não se trata disso.
Trata-se de perguntar: o exercício do Fair Play tal qual a corrupta Fifa criou e alardeou, essa mesma Fifa atolada em escândalos de corrupção sob o comando do ex-presidente Joseph Blatter, praticar esses gestos de elegância é o suficiente? Quem o pratica é ético? O futebol é um reino de falsidades. Faz o gol, se ajoelha e agradece a Deus, como se Deus beneficiasse uns em detrimento dos outros. E aquela história do santo nome em vão, onde fica? No lance seguinte simula falta para tirar vantagem indevida. Pula com o cotovelo erguida para acertar o adversário e parece sem querer. Comete a falta e imediatamente olha para o árbitro esbravejando que nada fez. Tenta colocar a torcida contra o árbitro. No ano passado, jogadores do Figueirense perseguiram o juiz para linchá-lo. Dudu, do Palmeiras, empurrou pelas costas. É como criança agredindo a autoridade do professor em aula: nada é mais emblemático sobre a decadência de valores.
O Fair Play brasileiro virou pura hipocrisia. Um retrato do país submerso em corrupção. Cumpri-lo não significa jogo limpo, a menos que valha ser ético só por alguns segundos. Descumpri-lo, menos ainda. Talvez o melhor seja revogá-lo e, antes, trabalhar a ideia sob um universo mais amplo. Por que ficar com inveja do rúgbi, para o Brasil, namora com a tristeza do 7 a 1.
*ZH ESPORTES