A identidade, os costumes e os anseios de quem vive no RS, hoje e no futuro, são traçados neste grande levantamento encomendado pelo Grupo RBS à empresa Consumoteca. Com 1,8 mil entrevistados em todas as regiões do Estado, a pesquisa mostrou que o apego ao universo do Pampa não significa que o gaúcho tenha opiniões padronizadas. O estudo, detalhado em reportagens publicadas ao longo de três semanas neste especial digital, mostra cinco tipos de gaúcho, derruba mitos e aponta tendências.
QUEM SOMOS?
Entre as muitas figuras regionais que habitam o imaginário brasileiro, poucas são tão icônicas quanto a do gaúcho. A imagem mítica do homem de pilcha, laço e espora, pronto a desbravar o Pampa e a proteger fronteiras, tornou-se tão representativa que chegou a ganhar versão em bronze, no fim da década de 1950, na célebre Estátua do Laçador.
Passados quase 60 anos, o retrato imortalizado em metal ainda traduz a devoção da maioria da população às tradições, mas já não consegue mais resumir a diversidade cultural do Rio Grande do Sul do século 21.
Um dos mais completos levantamentos já realizados sobre a identidade rio-grandense, a pesquisa “Persona – quem são e o que pensam os gaúchos?” mostra que a população se divide em cinco perfis básicos – batizados como “Fiel”, “Raiz”, “Não Praticante”, “Exportação” e “Desapegado”. Eles se diferenciam pelo grau de simpatia ao nativismo e variam desde quem vive o dia a dia dos CTGs até os que rejeitam a idealização da terra natal e não se identificam com a bombacha e o vestido de prenda.
Clique nos números e conheça os 5 tipos de gaúcho
4
3
5
2
1
35%
GAÚCHO FIEL
Fortemente influenciado pelas tradições regionais e religiosas associadas ao gaúcho. Mais do que as tradições, prega o tradicionalismo e o nativismo como princípios gaúchos.
14%
GAÚCHO RAIZ
Ligado às tradições, mas dissociado da religião: vivência no cotidiano como o chimarrão, o churrasco, as músicas e os trajes típicos, o orgulho e o linguajar gaúcho, as festas ligadas ao território e fatos históricos da região.
24%
GAÚCHO NÃO PRATICANTE
Reconhece as tradições e sua importância, mas não as pratica no dia a dia. É o perfil que já vivenciou muito destas tradições, mas hoje não dedica mais tempo a esses costumes.
14%
GAÚCHO EXPORTAÇÃO
O perfil que se orgulha por ser gaúcho, mas não por conta das tradições ou da religião. Seu orgulho vem dos costumes, do que se diferencia entre outras regiões do país, o jeito de falar, os valores éticos.
13%
GAÚCHO DESAPEGADO
Rejeita as tradições ou não as vê como elementos importantes na identidade do gaúcho atual.
Realizado entre agosto e setembro de 2017, o estudo contou ainda com a colaboração de seis especialistas em cultura e comportamento e de 28 pessoas de diferentes cidades, faixas etárias e profissões que concederam entrevistas mais aprofundadas para contextualizar as descobertas. Todas essas vozes expressam o que 11 milhões de rio-grandenses pensam a respeito de temas fundamentais como família, trabalho, consumo, valores e expectativa de futuro.
Uma das constatações é de que o nível de intimidade com as tradições condiciona uma série de opiniões e atitudes. Enquanto os mais tradicionalistas não cogitam viver fora do Estado e aceitam em menor grau o casamento de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, o grupo menos regionalista não teria problemas em morar em outras paragens e admite a união gay com naturalidade.
O habitante do Pampa já serviu tantas vezes de mote para causos e caricaturas Brasil afora que é fácil acreditar na imagem cristalizada do homem de atitudes rudes, mas bonachão, ou na mulher de saia prendada e hábitos recatados. Mas, na vida real do campo ou da cidade, não existe um só tipo de gaúcho.
A tradição é um pilar importante da identidade no Estado, mas não há um tipo só de gaúcho. Por isso, procuramos analisar como a relação com as tradições influencia o comportamento e a visão de mundo das pessoas
diz Bruno Maletta, sócio-diretor da Consumoteca, empresa de Inovação e Pesquisa
Entre os gaúchos mais tradicionais...
Entre os gaúchos menos tradicionais...
...a renda média familiar é de R$ 5.051
...a renda média familiar é de R$ 6.712
70%
têm filhos
32%
têm Ensino Superior
48%
estão na Classe C
53%
têm filhos
61%
têm Ensino Superior
37%
estão na Classe C
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VÍDEO: o que é ser gaúcho?
Quando quisemos deixar o gaúcho de lado
Por que a identidade regional tem tanto peso no Rio Grande do Sul? Nem sempre foi assim. Nos anos 1940, quando nomes como Paixão Côrtes e Barbosa Lessa lançaram as bases do movimento tradicionalista, o Estado começava a assumir um perfil urbano, e Porto Alegre sonhava em ganhar ares de metrópole em vez de reverenciar hábitos rurais.
– Naquele período, a população da Capital cresceu 45% em 10 anos, queria ir ao cinema, tomar Coca-Cola, ser uma cidade grande. Não queria lembrar o gaúcho – afirma o professor de Antropologia da UFRGS Ruben Oliven.
No cenário nacional, o então presidente Getúlio Vargas combatia os regionalismos com o objetivo estratégico de acelerar a integração de um país multifacetado. Chegou a promover a queima simbólica das bandeiras estaduais em uma cerimônia no Rio de Janeiro, no final dos anos 1930. Com o fim do Estado Novo (1937-1945), os devotos da tradição encontraram campo livre para resgatar a identidade local. Contaram, para isso, com um protagonista irresistível: a figura do gaúcho aventureiro e implacável na guerra.
Esse gaúcho tem um papel fundamental na formação da identidade cultural rio-grandense. A imagem desse personagem foi ressignificada
sustenta o historiador José Augusto Fiorin, autor do livro Do Gaúcho ao Tradicionalista: Imagem, Identidade e Representação.
COMO PENSAMOS?
Gaúcho fiel
Gaúcho raiz
Legenda
Gaúcho não-praticante
Gaúcho exportação
Gaúcho desapegado
Qual seu orgulho em ser gaúcho?
9,7
9,5
8,6
8,5
3,6
Qual a importância das tradições?
9,1
8
6,1
4,3
2,6
59%
52%
51%
54%
20%
O gaúcho é diferente de quem nasce em outras regiões
O antigo habitante do Pampa, citado por viajantes europeus algumas vezes até como pilhador ou contrabandista, passou a ter sua reputação reconstruída a ponto de virar herói e servir de modelo a toda Terra. A Guerra dos Farrapos (1835-1845), interpretada pelos regionalistas como uma epopeia vitoriosa, é a narrativa fundamental desse ícone.
– O mito fundador do gaúcho vem do conflito farroupilha – reforça Fiorin.
Outra circunstância fortaleceu o gaúcho da Campanha como símbolo de todo o Estado. Durante a 2ª Guerra Mundial, as culturas alemã e italiana, com forte presença no Rio Grande do Sul, foram duramente reprimidas pelo governo Vargas – era proibido até mesmo falar essas línguas. Abraçar os costumes gauchescos foi uma maneira de evitar perseguições e de se integrar ao país vestindo chiripá ou saia rodada. Além disso, entre os europeus, o cavalo sempre foi sinônimo de nobreza. Assemelhar-se à silhueta do Centauro dos Pampas era uma distinção social.
O primeiro CTG foi criado em Porto Alegre. O segundo não surgiu lá na Fronteira Oeste, mas em Taquara, que é uma região de colonização alemã. Caxias, de origem italiana, é outra cidade onde foram fundados muitos CTGs
observa a professora da UFRGS e antropóloga Maria Eunice de Souza Maciel.
Fronteiras do nativismo
Enquanto a herança cultural negra foi relegada a um segundo plano e submetida, conforme Oliven, a um processo de “invisibilidade” social, a valorização do nativismo se tornou um fenômeno galopante a partir dos anos 1980. Proliferaram festivais artísticos, CTGs e lojas de apetrechos gauchescos. Uma das hipóteses é de que o avanço da globalização tenha estimulado, como efeito colateral, a reação ao “american way of life” e a revalorização dessa identidade local.
Temos um processo de mundialização da cultura. Mas o que está acontecendo? Parece que quanto mais se tenta romper as fronteiras culturais, mais as identidades regionais se fortalecem
analisa Fiorin.
Hoje, segundo a pesquisa, é na Campanha que está a maior proporção de seguidores do tradicionalismo. Na Fronteira Oeste, 50% dos entrevistados se enquadram no perfil dos Gaúchos Fiéis, enquanto esse índice cai para 27% na região de Porto Alegre. Isso não significa que os Desapegados estejam concentrados na Capital, onde somam 16% da população. As áreas de Passo Fundo e Santa Maria apresentam percentuais semelhantes.
Os pesquisadores também descobriram que a idade não é determinante na paixão pelos costumes. Tanto o grupo com DNA campeiro quanto o cosmopolita têm proporção semelhante de jovens na faixa dos 18 aos 34 anos: 32% no primeiro grupo e 36% no segundo.
Renda e escolaridade variam mais entre os dois extremos. Apenas 32% dos Gaúchos Fiéis têm Ensino Superior, mas esse número praticamente dobra entre os Desapegados, com 61%. A renda média desses últimos também é superior: R$ 6.712 contra R$ 5.051. Bruno Maletta afirma não ser possível apontar com certeza a razão dessa disparidade. O resultado pode refletir uma maior concentração de tradicionalistas no Interior, onde a renda e o nível educacional tendem a ser, em média, inferiores aos da Capital.
COMO ESTAMOS
DISTRIBUÍDOS?
Legenda
Gaúcho fiel
Gaúcho raiz
Gaúcho não praticante
Gaúcho exportação
Gaúcho desapegado
Região Metropolitana
Região de Santa Maria
Região de Lajeado
39%
13%
34%
12%
3%
Região de Caxias
32%
16%
40%
4%
8%
Região de Passo Fundo
Região de Pelotas
Fronteira Oeste
50%
14%
14%
14%
8%
De progressista a conservador
Por vezes, as diferenças entre os cultuadores da simbologia gaudéria e quem defende a modernização também resultam em tensões sociais. Muitos sem-bombacha avaliam que a rigidez cultural é retrógrada e machista, enquanto os pilchados sustentam que a flexibilização excessiva acaba por ameaçar a identidade local. Esse contraste que marca o Estado, segundo Maria Eunice, é fruto de um paradoxo:
– Para a cultura se tornar objeto de devoção, é preciso engessá-la. Mas os costumes não são engessados, mudam com o tempo.
Entre os Gaúchos Fiéis, 54% acreditam que uma das características de quem vive no Estado é ser conservador. Essa peculiaridade, na avaliação do sociólogo Gustavo Grohmann, da UFRGS, ajudaria a explicar, em parte, por que mudanças em áreas variadas como política e economia geram tanto embate hoje – e, por vezes, acabam levando ao imobilismo.
– Uma versão da tradição pode ter um viés conservador, mas é bom lembrar que, no passado, o Rio Grande do Sul já foi ponta de lança no cenário nacional – pondera Grohmann.
Mesmo no universo de quem valoriza as tradições, há divergências sobre como tratá-las. Até os anos 1990, os chamados nativistas travaram um debate público intenso com os tradicionalistas defendendo uma relação menos regrada entre os rio-grandenses e seu folclore, suas histórias, músicas e danças. Essa discussão perdeu visibilidade nos últimos anos, mas segue viva. Fiorin acredita que o debate sobre o que é ser gaúcho deverá se prolongar a perder de vista pelo Pampa afora:
O que deve ficar claro é que nenhuma sociedade moderna hoje consegue ser pura, todas são híbridas culturalmente. Não há como definir o que é certo e o que é errado, o que é e o que não é tradição.
A PESQUISA
• O levantamento realizado pela empresa Consumoteca sob encomenda do Grupo RBS ouviu 1,8 mil pessoas no mês de agosto.
• O estudo identificou a existência de cinco perfis básicos entre a população, agrupados conforme a identificação de cada um com a cultura regional.
• Os pesquisadores avaliaram ainda como a relação com a cultura local influencia opiniões e atitudes a respeito de valores, carreira e educação, dinheiro e crise, consumo, relação com marcas e a expectativa de futuro.
• Além da aplicação dos questionários, foram realizadas 28 entrevistas em profundidade com representantes dos cinco perfis, e consultados seis especialistas em história, cultura e comunicação.
EXPEDIENTE
Reportagem: Juliana Bublitz e Marcelo Gonzatto
Imagens: Fernando Gomes e Omar Freitas
Design e infografia: Thais Longaray e Thais Muller
Edição de vídeos: Luan Ott
Edição digital: Rodrigo Müzell
A identidade, os costumes e os anseios de quem vive no RS, hoje e no futuro, são traçados neste grande levantamento encomendado pelo Grupo RBS à empresa Consumoteca. Com 1,8 mil entrevistados em todas as regiões do Estado, a pesquisa mostrou que o apego ao universo do Pampa não significa que o gaúcho tenha opiniões padronizadas. O estudo, detalhado em reportagens publicadas ao longo de três semanas neste especial digital, mostra cinco tipos de gaúcho, derruba mitos e aponta tendências.
A identidade, os costumes e os anseios de quem vive no RS, hoje e no futuro, são traçados neste grande levantamento encomendado pelo Grupo RBS à empresa Consumoteca. Com 1,8 mil entrevistados em todas as regiões do Estado, a pesquisa mostrou que o apego ao universo do Pampa não significa que o gaúcho tenha opiniões padronizadas. O estudo, detalhado em reportagens publicadas ao longo de três semanas neste especial digital, mostra cinco tipos de gaúcho, derruba mitos e aponta tendências.
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35%
GAÚCHO FIEL
Fortemente influenciado pelas tradições regionais e religiosas associadas ao gaúcho. Mais do que as tradições, prega o tradicionalismo e o nativismo como princípios gaúchos.
14%
GAÚCHO RAIZ
Ligado às tradições, mas dissociado da religião: vivência no cotidiano como o chimarrão, o churrasco, as músicas e os trajes típicos, o orgulho e o linguajar gaúcho, as festas ligadas ao território e fatos históricos da região.
24%
GAÚCHO NÃO PRATICANTE
Reconhece as tradições e sua importância, mas não as pratica no dia a dia. É o perfil que já vivenciou muito destas tradições, mas hoje não dedica mais tempo a esses costumes.
14%
GAÚCHO EXPORTAÇÃO
O perfil que se orgulha por ser gaúcho, mas não por conta das tradições ou da religião. Seu orgulho vem dos costumes, do que se diferencia entre outras regiões do país, o jeito de falar, os valores éticos.
13%
GAÚCHO DESAPEGADO
Rejeita as tradições ou não as vê como elementos importantes na identidade do gaúcho atual.
VÍDEO:
o que é ser gaúcho?