Pelé

1940 - 2022
Montagem sobre fotos de Carlos Rodrigues e Diego Vara, BD/ Agência RBS

O mundo do futebol perdeu seu rei. Registrado como Edson Arantes do Nascimento, o mineiro de Três Corações se tornou eterno como Pelé, o melhor jogador de todos os tempos. A trajetória, dentro e fora de campo, da majestade brasileira é contada neste especial.

A trajetória de um Rei

Luís Henrique Benfica
Jones Lopes da Silva

Técnico do Bauru Atlético Clube, o Baquinho, sabia o que fazia. Waldemar de Britto tinha visão, no passado havia jogado na Seleção e levou o garoto de Bauru para o Santos. Pelé chegou à Vila Belmiro aos 15 anos, em 1956. Andava sob os cuidados de Dorval e tremia ao treinar com monstros sagrados do futebol brasileiro, como Del Vecchio, Zito e Pepe. O ex-ponteiro-esquerdo do Santos, Pepe, cortava o cabelo no Salão do seu Antônio, o Espanhol, anexo à Vila. Foi ali que ele encontrou Pelé pela primeira vez. O menino miúdo entrou sem jeito na barbearia, conduzido pelo técnico do Baquinho. — Na apresentação, ele quase quebrou minha mão. Pensei: esse veio com vontade! — recorda Pepe, com um sorriso. Havia muitos treinos coletivos à época. No primeiro, Pelé deu tanto trabalho ao volante Urubatão que este profetizou a Pepe: — Pepito, ele vai dar o que falar. Será o melhor jogador do Brasil. Estava a caminho. Arrasava a cada treinamento, e foi escolhido pelo técnico Lula para o lugar de Vasconcelos, ídolo da torcida, que havia quebrado a perna. Quando se apresentou em março de 1957 com o Santos em Porto Alegre e interior gaúcho, o rapaz ainda nem era titular. No retorno a Santos, Pelé marcou 18 gols em 15 jogos entre abril, maio e junho e unificou a admiração de paulistas e cariocas ao endiabrar em três amistosos de um combinado do Santos-Vasco contra o Belenenses, Flamengo e São Paulo. Ao final de primeira temporada completa, em 1957, havia disputado 75 jogos na curta carreira. Quantos gols? 68. Quando o menino de 17 anos retornou campeão do mundo da Suécia, trouxe à reboque os olhos do mundo. E as propostas dos gigantes Milan, Juventus e Real Madrid. É claro que o Santos não iria se desfazer do seu pote de ouro. Com ele, multiplicou as excursões ao Exterior em meio ao Campeonato Paulista e aos torneios Taça Brasil e Robertão e passou a ganhar os dólares de todos os recantos do mundo. As cotas pularam de US$ 3 mil para US$ 30 mil. Mas tinha de ser com Pelé em campo. "No Pelé, no money". O Santos chegou a jogar 22 vezes em um único mês. Dormia nos deslocamentos de trens de uma cidade a outra da Europa. Mesmo com o joelho inchado feito bola, sempre causado por algum zagueiro facínora, ainda assim Pelé tinha de entrar em campo. Foram absurdos 124 jogos do Santos em 1959. Ainda assim, Pelé marcou 103 gols, embora já demonstrasse esgotamento. Tempos depois, o presidente da República Jânio Quadros quis saber do Conselho Nacional dos Desportos (CND), entidade acima da CBD da época, afinal o que havia com Pelé. — Ele tem a clavícula fora do lugar, o tornozelo inchado e dedo do pé quebrado. — Então prepare uma lei para eu assinar. Nasceu assim a Lei das 72 horas de intervalo entre um jogo e outro. Era fácil burlar a regra. O Santos jogava com camisa de treino e manteve a romaria. Mas o Santos exibia o maior ataque do mundo. A escalação de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe soava como música. Até porque pegou os grandes tempos dos anos 1960. Os cinco disputaram 3.281 jogos pelo Santos e cometeram 2.078 gols. Imaginem o peso deste ataque.

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Boa parte desta obra teve a assinatura

Pelé-Coutinho. Centroavante técnico e forte ao mesmo tempo, Coutinho marcou 370 gols na carreira. Começou aos 15 anos no Santos. Contam que, para jogar à noite, o clube tinha de pedir autorização aos pais do garoto. Pelé pintou outra obra emoldurável ao driblar meio time do Fluminense, o Gol de Placa, em março de 1961.
A placa no Maracanã está lá, para sempre. Pelé ganharia em 1962 a primeira Libertadores ao se encarregar de dois gols sobre o Peñarol em campo neutro no Monumental de Nuñez, lotado de argentinos incrédulos. Apesar de tudo, ainda havia a necessidade de algo extraordinário aos olhos europeus, algo que o elevasse acima de Di Stéfano e Puskas, as sumidades do Real Madrid, cinco vezes seguidas campeão da Europa. E não era nem porque o brasileiro, lesionado, mal havia jogado no bi da Copa do Mundo, no Chile, em junho de 1962.
Se os europeus queriam mais, então Pelé exagerou. Marcou três dos 5 a 2 do Santos no Benfica e conquistou o título do Mundial de Clubes dentro do lotado Estádio da Luz, em Lisboa. Em um dos gols, o árbitro o cumprimentou. A multidão invadiu o campo, queria tomar a força o uniforme de Pelé. Esse atrevimento dos três gols derrubou qualquer dúvida sobre quem era o verdadeiro Rei do futebol.
Haveria mais. Na Libertadores do ano seguinte, Pelé destruiu o Boca Juniors na Bombonera, mesmo caçado, mesmo provocado e chamado de macaquito pela torcida e pelos adversários em campo. Levantou o bi da América e depois o bi do Mundial de Clubes sobre o poderoso Milan.

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Pelé se hospedava em suíte para receber autoridades

A camisa branca, com o 10 às costas, virou ícone. Qualquer criança a identificava. Convertido no brasileiro mais conhecido do mundo, a partir dos anos 1960, Pelé se hospedava nas viagens em suíte presidencial. Não que fosse exigência sua. Era a única forma dele receber presidentes e autoridades interessados em conhecê-lo. E não havia ressentimento dos outros jogadores, felizes por receber os "bichos" pelas vitórias que saíam dos pés do Rei. A História estava em movimento e, para fazer parte dela, qualquer desconforto era válido.
— A gente ficava entre três ou quatro no mesmo apartamento, e ele lá, na suíte. Mas não tinha bronca — garantia Pepe.
Não era fácil jogar ao lado de um gênio.
— Jogar com ele? Só com inteligência. A gente tinha de se ligar o tempo todo. Ele olhava para um lado e tocava para outro. Corria com a bola e passava de calcanhar. Se você não estivesse atento, ainda levava bronca dele — conta o ex-ponteiro do Santos.
O historiador Guilherme Guarche contava que, nas excursões, frequentemente Pelé precisava jogar meio tempo com a camisa do time local. Por isso, ele marcou pelo menos três gols contra o próprio Santos, que não entraram na estatística oficial por se tratarem de amistosos. A história registra um único gol frente ao time do coração. Foi em 1977, na segunda despedida do futebol, já como jogador do Cosmos. Pelé jogou um tempo pelos americanos e outro pelo Santos. No primeiro, pelo Cosmos, fez um gol de falta.
— Ele é o artilheiro máximo do campeonato paulista. Entre 1957 e 1974, foi goleador 11 vezes. Ninguém nunca irá quebrar este recorde — aposta Guilherme Guarche.

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Ídolo jogava e emprestava dinheiro para o Santos

O historiador tinha seis anos de idade quando sentou-se pela primeira vez nas arquibancadas da Vila Belmiro. Viu Pelé em ação. Até 1974, quando o Rei se despediu, não perderia um jogo sequer.
Dezenas de jogos memoráveis se seguiram, como o dia em que Pelé marcou três gols nos 6 a 4 do Santos contra a seleção da Tchecoslováquia em um torneio em Santiago do Chile. Foi chamado de "Jogo do Século". Ou o evento do milésimo gol no 2 a 1 sobre o Vasco, diante de 65 mil pessoas no Maracanã ávidas pelo acontecimento, esse sim, o Gol do Século.
Por ironia, seria em um pênalti. Depois de esculpir os gols mais sensacionais, às 23h19min do dia 19 de novembro de 1969, Pelé deparou à frente do Vasco. Deu uma paradinha e escolheu o canto direito de Andrada, que quase defendeu. Aí o Rei beijou a bola e foi cercado dentro do gramado por jornalistas do mundo inteiro. Foi quando ele dedicou o feito às crianças do Brasil.
A lenda já existia. Mas assumiu vulto planetário depois do Tri no México com a Seleção, em 1970. A TV, pela primeira vez, espalhava sua fama ao mundo. Pelé se tornou uma instituição nacional. Dono do time e avalista do Santos. Fonte de renda do clube, ao mesmo tempo jogava e emprestava dinheiro ao clube. Também cobrava duro os companheiros. Brigou com Carlos Alberto Torres e Rildo. E bancou contratações do Santos, como a do centroavante Alcindo, do Grêmio.
Ainda assim, ele não queria se despedir do Santos e do futebol, como pensava. Na ida para o estádio no dia do jogo final, contou sua indecisão ao jornalista José Maria de Aquino. Em 2 de outubro de 1974, aos 21 minutos do primeiro tempo de Santos e Ponte Preta, na Vila Belmiro, Pelé parou o mundo. Ele se ajoelhou no centro do gramado, abriu os braços, agradeceu à torcida e se despediu de 18 anos, seis meses e 26 dias do Santos.

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Olívio Lamas/ BD/ 1/9/1971

A família real

Por Leandro Behs

Em 1940, o presidente Getúlio Vargas ainda não havia colocado o Brasil junto aos aliados na Segunda Guerra Mundial e até demonstrava alguma aproximação com a Itália fascista de Mussolini, quando Pelé nasceu em Três Corações, interior de Minas Gerais, no dia 23 de outubro. Filho de Celeste (a quem mais tarde Pelé homenageou colocando seu nome na filha do segundo casamento, com Assíria Lemos) e de João Ramos do Nascimento, o Dondinho, o menino foi batizado de Edson por causa do empresário norte-americano Thomas Edison, o inventor da lâmpada elétrica. A ideia do nome foi em razão da recente chegada da eletricidade à pequena Três Corações. Dondinho vivia de bicos e era jogador de futebol — chegou a atuar pelo Atlético-MG e pelo Fluminense. Ao ver o filho pela primeira vez, sentenciou: — Olha só os gambitos dele. Vai ser bom de bola e alguém na vida. Edson ainda era chamado de Dico quando passou a acompanhar o pai nos jogos do Vasco de São Lourenço (MG). Gostava de assistir ao goleiro José Lino da Conceição Faustino, o Bilé. Ainda guri, ele pronunciava "Pilé" em vez de Bilé. Foi um passo para que a garotada o chamasse de Pelé. Não gostou e, como manda a regra mundial dos apelidos, aí sim, a alcunha pegou.

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Chegou à vila Belmiro com apenas 15 anos

Dondinho, Celeste e os filhos Edson, Jair (o Zoca, que tentou a carreira no Santos, na esteira do sucesso do irmão) e Maria Lúcia se mudaram para a cidade de Bauru, no interior de São Paulo. Lá começou a surgir o Pelé jogador. Com os novos amigos, fundou o Sete de Setembro. O time de garotos ganhou fama e virou atração da cidade com as frequentes goleadas que aplicava. Jogou ainda pelo América, um time que disputava torneios infantis no município. Mas foi no Bauru Atlético Clube, conhecido como BAC, que Pelé despontou e chamou a atenção de olheiros. Em 1955, foi campeão da cidade na categoria infantil, e o treinador Waldemar de Brito entendeu que era chegada a hora de levar o habilidoso meia-atacante para um teste na cidade de Santos, a 400 quilômetros.
Pelé foi, encarou a turma de Zito, Pepe e Pagão, ficou na Vila Belmiro e fez história. Dondinho pôde ver a consagração do filho. Morreu aos 79 anos, em 1996, no mesmo ano em que os gêmeos de Pelé nasceram. Celeste e Dondinho já foram imortalizados em Três Corações, com estátuas em praça pública.
Pelé colecionou gols, títulos, fama, namoradas e filhos. São sete. Reconhecidos. Do primeiro casamento, com Rosimery Cholbi, ele teve três filhos: Kelly Cristina, o mais famoso deles, o ex-goleiro do Santos, Edinho, e Jennifer. O relacionamento com Rosimeri durou entre 1966 a 1978.
Após a separação, Pelé emendou uma série de namoros. O mais famoso deles, com a apresentadora gaúcha Xuxa, na época, uma modelo em ascensão no Brasil.
Em 1994, Pelé se casou novamente. Desta vez, com a psicóloga Assíria Lemos. Dois anos depois, nasceram os gêmeos Celeste e Joshua — Joshua chegou a atuar no time sub-20 do Santos, como atacante. O curioso é que depois do primeiro casamento, Pelé se submeteu a uma vasectomia, no início dos anos 80. O nascimento dos gêmeos foi possível através de uma fertilização in vitro, feita pelo "médico das estrelas" Roger Abdelmassih, que chegou a ser preso por abuso sexual, ao ter sido denunciado por dezenas de suas pacientes. Pelé e Assíria se divorciaram em 2008. A pivô da separação teria sido Magna Alves. Curiosamente, eles teriam se conhecido quando a jovem entregava panfletos em uma sinaleira da capital paulista.

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Pelé casou pela terceira vez com Cibele Aoki

Pelé reconheceu duas filhas, de relações extraconjugais. A primeira e mais famosa, Sandra Regina, foi gerada em um namoro em 1963, do então jogador do Santos com a dona de casa Anísia Machado. Sandra ingressou com o processo judicial para ser reconhecida por Pelé em 1991. Cinco anos depois, a Justiça reconheceu Sandra como filha de Pelé. O ex-jogador, porém, chegou a recorrer da decisão, mas perdeu. Pelé jamais aceitou Sandra, que passou a usar o sobrenome Arantes do Nascimentos depois da vitória nos tribunais. Sandra, que escreveu um livro "A filha que o Rei não quis", voltou à Justiça exigindo indenização por danos morais (alegava não ter tido o mesmo suporte psicológico, de carinho e financeiro que seus irmãos tiveram na infância). Teve o pedido indeferido. Em 2000, devido à notoriedade adquirida na cidade de Santos, elegeu-se vereadora pelo Partido Social Cristão (PSC). Reelegeu-se em 2004, mas não concluiu o mandato. Adoeceu e, em meados de 2006, morreu devido a um câncer de mama. Pelé não compareceu ao enterro e enviou duas coroas de flores ao velório.
Anos atrás, os filhos de Sandra Regina, Octávio e Gabriel, ingressaram na Justiça contra o avô, alegando abandono.
Pelé perdeu de novo e foi condenado a pagar sete salários mínimos mensais aos meninos. Os dois jogavam nas categorias de base do Grêmio Osasco (SP). Antes, chegaram a assinar contratos com o São Paulo, mas foram dispensados em 2012. Em 2015, Octávio teria a sua primeira experiência como profissional, no Guarani de Divinópolis, de Minas Gerais.
Pelé reconheceu uma segunda filha: a gaúcha Flávia Cristina Kurtz, que nasceu em Porto Alegre, após um relacionamento de Pelé com uma estudante de Jornalismo. A gaúcha soube aos 20 anos de idade que era filha de Pelé. Não tornou o fato público, tampouco ingressou na Justiça, como fez Sandra Regina, o que abriu as portas para uma boa relação com o pai. Pelé bancou os estudos de Flávia, que se formou fisioterapeuta, pagando US$ 1 mil dólares por mês — até para evitar que ela buscasse a Justiça no futuro.
Antes de adoecer, Pelé viu Edinho ser preso. Ex-goleiro e atual preparador de goleiro do Santos, ele foi condenado a 33 anos e quatro meses de reclusão em regime fechado, por lavagem de dinheiro e associação com o tráfico de drogas. Edinho havia recorrido da sentença em liberdade, mas, por não atender à determinação da Justiça e entregar o passaporte à Justiça, acabou preso novamente. Em uma espécie de mea culpa, Pelé admitiu não ter sido o pai presente que os seus filhos mais velhos precisavam.
Por último, desde 2010 Pelé namorava a empresária paulista Márcia Cibele Aoki, de 47 anos. Aos amigos, dizia que era a sua "paixão definitiva". Acabou se casando com Cibele em 9 de julho de 2016 em cerimônia reservada para cem convidados no Guarujá.

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Os sete filhos do Rei

  • Kelly Cristina

    Edson Cholbi Nascimento (Edinho)

    Jennifer

    Joshua

    Celeste

    Sandra Regina (morreu em 2006)

    Flávia Cristina Kurtz

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Memória

Pelé contra os gaúchos

Por Jones Lopes da Silva

Um garoto magérrimo, de pernas finas e meio assustado chegou a Porto Alegre em março de 1957 com a delegação do Santos, que já ostentava o garboso título de campeão paulista. Tinha apenas 16 anos e quatro meses. A equipe se alojou no antigo Hotel São Luiz, número 45 da Avenida Farrapos, quase na esquina da Conceição, que ainda era rua, não viaduto. O Santos desfilava estrelas. Zito, Pepe, Gilmar, Jair da Rosa, Pagão, Del Vechio, Dorval. E o garoto, que chegara aos 15 anos e meio à Vila Belmiro, ainda não galgava lugar no time do técnico Lula, apesar de infernizar nos treinos.

Lemyr Martins/ BD/ 25/4/1966

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As exibições no Rio Grande do Sul

Victor La Regina

Uma carreira não se constrói apenas no Maracanã. A trajetória mais impecável do futebol passou pelo solo gaúcho, de estádios acanhados até grandes palcos. Em 2020, GZH refez os passos de Pelé pelo RS. Há história antes e depois de virar Rei. Em 1957, um ano antes da Copa da Suécia, aos 16 anos, desbravava o Estado em uma excursão do Santos. Nos 10 jogos, em cinco cidades, o garoto fez dois gols.

Bagé foi agraciada com o primeiro deles. Em Pelotas, motivou os dirigentes do Brasil-Pel a tentarem uma troca com o Santos. Teve ainda Porto Alegre, Rio Grande e Caxias no roteiro. Mas o menino não ficou por aqui. E ganhou o mundo após ser campeão mundial com 17 anos. Já como celebridade, em setembro de 1970, chegou a Erechim, onde ganhou placa na inauguração do Colosso da Lagoa.

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Em Pelotas, negociação no hotel

Em 1957, o Santos fez dois jogos na Boca do Lobo: vitória por 3 a 2 sobre o Pelotas e empate em 2 a 2 com o Brasil-Pel. No entanto, a grande história daquela viagem se deu no saguão do Grande Hotel de Pelotas. Em missão diplomática, o presidente xavante, Clóvis Russomano, visitou a delegação paulista. Lula, treinador santista, logo procurou Clóvis e fez uma proposta: levar o meio-campo Joaquinzinho para a Vila Belmiro. Era o grande nome do time à época e depois defendeu Inter, Corinthians e Fluminense. Mas aquela transação emperrou por causa das condições impostas por Russomano. Em 2020, aos 94 anos, ele lembrou do diálogo: — Eu falei: "Vocês me dão aquele guri que entrou no segundo tempo?" O presidente se referia a Pelé. Lula retrucou que o garoto era inegociável por ser muito novo. Passadas quase quatro décadas, em depoimento ao programa Fantástico, da TV Globo, Pelé confirmou a possibilidade de negociação e disse que chegou a ser consultado se gostaria de fazer um estágio no Sul. O Rei diz ainda que, se a negociação se concretizasse, o Brasil-Pel seria o Santos.

— Perdi a chance de ser campeão do mundo — lamentou Russomano, sorridente ao lado de filhos e netos.

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Em Erechim, copo de leite no jantar

Pelé desembarcou na região do Alto Uruguai um dia antes da inauguração do Colosso da Lagoa, em 1º de setembro de 1970. Dois meses antes, o Rei havia sido o comandante do Tri no México. O fervor futebolístico se instalou de norte a sul do país. No norte do Estado, o Ypiranga ergueu um estádio que, reza a lenda, abrigava a população inteira de Erechim, aproximadamente 30 mil habitantes na época.

O jogo de inauguração colocou frente a frente Santos e Grêmio, um duelo com três tricampeões do mundo no México: Everaldo (lateral-esquerdo tricolor) e Carlos Alberto Torres e Pelé (lateral-direito e meia do Peixe). No primeiro tempo, após saída errada de Beto, Pelé pegou a bola e inaugurou as redes. É o gol 1.040 da carreira do Rei. A Rádio Tupi, de São Paulo, no dial 1040 kHz, deixou uma placa no estádio em função da marca. O jogo terminou 2 a 0 para o Santos.

O Rei passou dois dias em Erechim.

— Ele ficou, vamos dizer, preso no hotel. Uma multidão cercou o local querendo ver ou conversar com o Pelé — recordou em 2020 o repórter Francisco Dias, da Rádio Difusão, que conseguiu um espaço na agenda do Rei para uma entrevista exclusiva no Erechim Hotel.

— Ele elogiou muito a cidade, a população, a forma como as pessoas recebem quem vem de fora.

Depois do jogo, os atletas participaram de um jantar festivo na sede social do Ypiranga. O fisioterapeuta Everton Barbieri, que tinha oito anos na época, foi gandula no jogo e garçom no jantar. Ficou a noite inteira aguardando, no balcão, para atender Pelé. Enquanto todos os jogadores optaram por whisky ou campari, o craque fez um pedido inusitado:

— Ele falou: "Garoto, tu tem um copo de leite?" Tivemos que procurar na cozinha. Eu fiquei feliz de ver Pelé bebendo um copo de leite, porque era o que eu bebia na época — recordou Barbieri.

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Em Bagé, menino "Pilê" encantou

O primeiro gol de Pelé em gramados gaúchos foi marcado no Estádio da Pedra Moura, na tarde de 24 de março de 1957. Para trazer o Santos à Rainha da Fronteira, o clube de estudantes secundaristas da cidade procurou um patrocinador e, após o "sim" do time paulista, recorreu a jogadores dos times da cidade. Um misto de Guarany e Bagé encarou o Peixe e arrancou um empate em 1 a 1. O gol santista foi de Pelé, que começou no banco e entrou no lugar de Del Vecchio ainda nos minutos iniciais.

— Deu uma tristeza não ver o Del Vecchio, o pessoal ficou aborrecido. Era o maior craque do time — relembrou em 2020 um dos organizadores daquele jogo, o professor aposentado Luiz Carlos Deibler.

A frustração se transformou em euforia com as jogadas do então garoto Pelé.

Nas arquibancadas, ninguém sabia o nome do jogador que saiu do banco para virar a sensação do dia.

— Em questão de 10 minutos, ele virou ídolo aqui. Todo mundo ficou com a sensação de "bah, olha lá, esse vai ser craque" — relembra Deibler.

— Pelé foi totalmente uma surpresa. Quem torcia pro time bajeense pensou: "Era melhor ter deixado o Del Vecchio em campo" — relembrou o médico José Emílio Alcalde, jovem torcedor na época.

O jornal Cruzeiro do Sul, do dia seguinte, não acertou o nome da revelação santista. No texto, diz: "Pilê é um jogador muito impetuoso e, sobretudo, muito técnico".

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Nasce uma lenda no futebol

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Eu joguei com Pelé

Edu, ponta-esquerda*
Atleta do Santos entre 1966 e 1976. Atuou no Inter em 1977

"Pelé, simplesmente, foi meu padrinho no futebol. O início no Santos foi graças a ele. Nossas famílias eram amigas, porque sou de Jaú e ele se criou em Bauru, cidades vizinhas no interior de São Paulo.

Um dia, a irmã dele estava na minha casa, conversando com a minha irmã, e avisou que Pelé queria saber se eu também jogava bola, porque meus irmãos eram jogadores. Depois da resposta afirmativa, ele disse para a minha família:

— Falem com o Santos que eu apresento o Edu por lá para fazer um teste.

Olha o tamanho da responsabilidade: foi o Pelé em pessoa que me levou ao clube. Era o ano de 1965, ele já era o Rei. Eu tinha 15 anos. Fiz um ano com os jovens e logo subi para o time profissional. No ano seguinte, comecei a jogar, fui entrando aos poucos, conquistando meu espaço. Pelé me apresentou e, depois, seguiu fazendo de tudo por mim.

Apesar dessa proximidade, demorei para finalmente jogar com Pelé. Primeiro porque, como ele tinha muitos compromissos, nem sempre podia treinar conosco, chegava depois. E muitas vezes treinou sozinho. Mas nunca deixava de trabalhar, ele e o futebol foram feitos um para o outro.

Depois, quando jogaríamos juntos, ele se machucou. Então só fomos jogar mesmo na preparação para a Copa do Mundo de 1966. Fui o jogador mais jovem a ser convocado para uma Copa do Mundo, tinha apenas 16 anos. Enfrentamos o AIK, na Suécia, na preparação. Formei ataque com Garrincha e Pelé, é mole?

Balãozinho

Tive a sorte de jogar mais 10 anos com ele. Em 1974, ele deixou o Santos. Em 1977, também saí da Vila Belmiro, joguei no Inter. Criei um vínculo com o Rio Grande do Sul, a família da minha esposa é daí. Visito várias vezes o Estado.

Mas voltando ao Pelé: era impressionante a sua humildade. Tratava a todos de maneira igual. E nos protegia. Quando jogavam limpo, ele jogava limpo. Agora, se batiam nele em campo, sabia se defender. Como eu era ponteiro e gostava de driblar, os laterais me pegavam. Pelé vinha lá de trás e avisava que era para parar.

Tomava as dores mesmo. Teve um jogo marcante depois daquela Copa, que me consolidou no Santos. Fomos para Nova York participar de um torneio com Inter de Milão, AEK, da Grécia, e Benfica. Tinha aquela marca de perdermos a Copa para Portugal, e bateram no Pelé. Nosso ataque: Mengálvio, Dorval, Pelé, Toninho e Edu. Estávamos muito bem. Fiz um gol. Depois, o Pelé me deixou na cara do gol, fiz o segundo. Era o jogo para me consagrar. Então, ele recebeu a bola, dominou, deu um balãozinho no zagueiro, fez que ia chutar e tirou o goleiro.

Um golaço! O jogo acabou, porque a torcida invadiu o campo para comemorar com ele.

Por isso que, quando alguém me pergunta se o Pelé era bom mesmo, sempre respondo:

— Ele era tudo o que você imagina e mais um pouco."

*Depoimento com base em entrevista concedida ao repórter Rafael Diverio
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Eu vi Pelé jogar

Cláudio Brito
Jornalista

"Um dos meus melhores momentos na profissão tem Pelé como protagonista. Era 2 de outubro de 1974, Vila Belmiro. A Rádio Gaúcha tinha me enviado a Santos para acompanhar a despedida do Rei, em jogo contra a Ponte Preta pelo Paulistão. Estava atrás do gol, ao lado do meu amigo Fausto Silva, à época repórter da Jovem Pan. Um gaúcho, Marbe Ramondini, era o empresário do Rei, e tínhamos uma boa relação.

No intervalo do jogo, ele me chamou, Faustão veio junto, e me avisou: 'Fica atento que, quando a bola chegar aqui, Pelé vai se ajoelhar e se despedir. Depois, vai dar a volta olímpica e sair correndo. Já tem um camburão atrás do gol esperando por ele para tirá-lo da Vila Belmiro'. Como podíamos ir para o vestiário, decidimos arriscar.

Fausto e eu ficamos por lá. Só que começou a demorar, Pelé ficou mais 20 minutos em campo. A cada ataque, eu, como repórter, me restava basicamente repetir o que dizia o Haroldo de Souza, narrador daquela partida. Não estava vendo nada.

Aos 21 minutos, Pelé se ajoelhou, agradeceu a todos, deu a volta olímpica e saiu do campo. Isso todos viram. O que só eu e Faustão vimos foi sua entrada no vestiário. Tirou a camisa e deu de presente ao roupeiro do Santos. Passou por nós e parou para nos atender, rapidamente.

Sim, eu ouvi Pelé, o entrevistei na última vez de Pelé como jogador de time brasileiro. O áudio está nos arquivos da Rádio Gaúcha e no da Jovem Pan.

Passados muitos anos, quando Faustão se transferiu para a Rede Globo, foi escalado para cobrir o Carnaval. Era a nova estrela da casa, queriam badalar. Ele me convidou para visitar o camarote, ir lá bater um papo. Quando cheguei, lá estava Pelé. Conversamos um bom tempo, e o Guaracy Andrade fez essa foto, que teve também a Sandra de Sá. Tudo começou naquele vestiário da Vila Belmiro.

Sonho

Mas aquela não tinha sido a primeira vez que vi Pelé. Quando criança, meu pai me levou aos Eucaliptos porque o grande Santos ia jogar, em 1958. Contra o Inter, já no Beira-Rio, teve um aniversário dele, com direito a bolo e tudo, mas nessa eu estava no estúdio da rádio. Vi da arquibancada, mas do Olímpico, um dos lances mais lindos da história do estádio. Sabe aquela tabelinha famosa que fizeram Falcão e Escurinho? Pois Pelé e Coutinho fizeram a mesma, mas de ainda mais longe.

Na minha memória, eles começaram a trocar passes de cabeça desde o meio do campo. No último, a bola encobriu Airton Pavilhão. Quando Pelé se preparava para concluir, o zagueiro deu um giro sobre si mesmo, esticou a perna e, de costas, deu um balãozinho em Pelé e saiu jogando. A arquibancada quase veio abaixo.

Pelé era diferenciado, tinha uma aura especial, um carisma. O cara assombrou o mundo aos 17 anos. Era atleta, profissional. A única coisa que eu gostaria é que se engajasse mais no combate ao racismo. Fico triste. É a única coisa que o impede de ter comportamento perfeito. Tipo essa cena que vi no Olímpico. Era 1971. O Grêmio entrava em campo pelo vestiário embaixo do pavilhão, e o visitante, pelas gerais. Esse senhor é um cadeirante, que estava na pista. Ele veio falar comigo: 'Tenho um sonho, queria ver o Pelé de perto'. O Santos entrou em campo, estava aquecendo, pedi para o Pelé olhar para o senhor. Nem precisei terminar a frase, e o Rei já saiu na direção dele. E isso é absolutamente verdadeiro. Não falei mais nada, ele foi lá, abraçou o senhor, falou com ele. Vi tudo de perto. Meu troféu: vi Pelé jogar."

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Eu joguei contra Pelé

Ancheta, zagueiro*
Grêmio (1971 e 1979) e seleção do Uruguai (Copa de 1970)

"Tinha 19 anos quando enfrentei Pelé pela primeira vez. Foi no Pentagonal Cidade de Buenos Aires, em 1968. Jogava no Nacional, de Montevidéu. Na estreia, perdemos para o Boca Juniors por 4 a 0, fiquei no banco. Então, Zezé Moreira, treinador da época, me colocou no jogo seguinte, contra o Benfica. Ganhamos por 1 a 0, e muitos disseram que fui o melhor em campo.

Na sequência, vinha o Santos. Empatamos em 2 a 2, acho que joguei bem. Imagina, eu tinha 19 anos, e em dois dias enfrentei só Eusébio e Pelé. Quer mais? (risos)

A verdade é que aqueles jogos moldaram meu jeito de atuar. Aprendi que futebol é futebol, não violência ou grito. Respeitava os adversários, e eles me respeitavam. Jogava tecnicamente, não batia em ninguém. Claro, fazia faltas, mas isso é do esporte.

O futebol sempre teve e ainda tem grandes jogadores. Mas Pelé era completo. Chutava de esquerda, de direita, cabeceava, saltava, driblava. Era rápido, mas sabia dosar o ritmo. Pelé é a imagem do futebol.

No meu primeiro contato com Pelé, tive a impressão de ser um homem respeitador. Só ouvi-lo em campo já era um aprendizado.

O Emilio Alvarez, zagueiro do Nacional, me disse que isso tudo seria bom para a adaptação ao Brasil.

Realmente, quando cheguei aqui, mantive contato com Pelé. Posamos para fotos. Nos enfrentamos algumas vezes e aprendi uma coisa: não deveríamos bater nele. Porque era esperto, quando percebia que só o paravam assim, ia para perto da área e ficava esperando para levar falta.

Histórico

Uma das faltas que fiz nele até ficou famosa. Foi na Copa do Mundo de 1970. Caímos os dois e levantei antes. Estiquei a mão para ajudá-lo a se erguer. Quando ele estava agradecendo, chegou a falar "Obriga…", veio o Fontes e pisou na mão dele. Pelé ficou louco, começou a xingar. Pedi calma, falei para deixar assim… mas Pelé deu aquela cotovelada nele, fazer o quê?

Claro, vocês querem saber daquele outro lance (o famoso quase gol). Foi assim: Tostão pegou a bola e tinha espaço. Tive de sair da nossa linha de defesa. Com o espaço que se abriu, ele jogou entre mim e o Matosas, onde entrava o Pelé. Era uma jogada ensaiada. O Mazurkiewicz foi na direção dele e senti que ia dar aquele drible. Corri desesperado para fechar o gol. Como era veloz, sabia que conseguia chegar na linha, só não tinha certeza de como ia fazer para frear. Nessa hora, vi que Pelé levantou a cabeça e hesitou por um instante. Mais tarde, ele mesmo me confirmou isso. Achou que o gol estaria vazio, e quando me viu por lá, tentou chutar por trás de mim. Passei correndo. Dizem que se a bola fosse no gol, pegaria no meu calcanhar. Melhor assim, não precisamos saber.

Se eu queria que tivesse sido gol? Mesmo passados 50 anos, digo: que bom que não foi gol! Se tivesse sido, não apareceria tanto. E, principalmente, não ia me render, até financeiramente. Veja como é curioso. Pelo quarto lugar na Copa do Mundo, ganhei uma medalha e US$ 2 mil. Aí, em 2006, a Volkswagen resolveu editar o lance. Eles tinham um slogan: "O gol que todo mundo sempre quis ver". Repetiam tudo, mas dessa vez a bola entrava. Por esse comercial de 30 segundos, Mazurkiewicz e eu ganhamos R$ 20 mil."

*Depoimento com base em entrevista concedida ao repórter Rafael Diverio
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Os quase gols que entraram para história

Valter Junior
valter.santos@zerohora.com.br

Carlos Drummond de Andrade sentenciou que fazer mil gols como Pelé não é difícil, difícil é fazer um gol como Pelé. Há outras proezas com semelhante grau de complexidade. A produção de jogadas desconcertantes era tão elevada que até os lances desperdiçados foram magistrais.

Fred, Roger Flores, Rafael Sóbis e Rivaldo são alguns dos exemplares que marcaram um golaço do meio de campo. A façanha vem sempre acompanhada da solenidade de ser o gol que Pelé não fez. Dos quatro jogadores citados, quantos têm o seu lance na memória dos amantes do futebol? O "erro" do Atleta do Século está gravado na mente de qualquer um que tenha visto a sua "falta de precisão". A Copa do Mundo de 1970 ainda despertava para os brasileiros e dava indícios de que seria marcante. A jogada foi vista e revista à exaustão, mas, em geral, fora de contexto. É aquilo, após uma dividida na intermediária, a bola se ofereceu livre para o camisa 10 canarinho. Um jogador burocrático teria passado para o lado, onde estava Rivelino, e se livrado do problema. Alguém mais proativo, conduziria em velocidade para se aproximar de Tostão. Pelé fez mágica. Durante o início da pandemia, quando jogos do passado foram retransmitidos na íntegra, o chute foi colocado dentro do enredo daquela partida. Era um lance tão prosaico que, mesmo mais de 50 anos depois, quem nunca tinha assistido ao jogo foi surpreendido pela tentativa. A bola está mansa em uma zona aparentemente morta do campo. Em um movimento rápido, Pelé levanta levemente a cabeça e, do nada, enquadra o corpo e arrisca. Tostão e mais quatro tchecos erguem o pescoço para acompanhar a parábola. Ivo Viktor, o desesperado goleiro adversário, aparece em angustiada corrida em direção ao próprio gol. Se tivesse feito como Tostão e seus quatro companheiros tchecos que também estavam na mesma metade do campo, teria apreciado o momento com maior tranquilidade e visto a bola passar rente à trave. Mas se há o gol que Pelé não fez, também existe a defesa à la Banks, e ela só existe por causa de Pelé. Na mesma Copa de 1970, quatro dias depois, Pelé saltou mais que o defensor inglês e desferiu uma cabeçada de manual. De olho aberto, como sempre ensinou, fez o movimento para que a bola quicasse pouco antes de transpor a linha. Era um gol certo não fosse o salto improvável do keeper da Inglaterra. Ainda teve a pintura na semifinal contra o Uruguai, em que Pelé elevou o drible ao status de arte. Tostão tocou uma bola em sincronia com a velocidade de Pelé, um trem bala em direção à área. O passe deixou o camisa 10 frente a frente com o gol. Entres eles só Marzurkiewicz, o goleiro charrua. Em uma mistura de controle de tempo e espaço dentro de campo, o brasileiro deixou a bola passar, mas antes fingiu que iria tocá-la. O uruguaio mordeu a isca. Pelé contornou o adversário pela esquerda, a bola passou pelo outro lado, e Marzurkiewicz ficou desnorteado no meio do caminho. O Rei ainda foi buscá-la e tocou para o gol vazio. Um esbaforido Ancheta rolou pelo chão para tentar evitar que a bola entrasse. Quando as cambalhotas cessaram, o ex-zagueiro do Grêmio viu que ela tinha tirado fino da trave e escorrido pela linha de fundo. Se é difícil fazer um gol como Pelé, também é difícil perder um gol como Pelé. Porque ninguém perdeu gols tão belos quanto ele.

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Lemyr Martins/ BD/ 25/4/1966

Pelé e Garrincha, uma parceria imbatível

Valter Junior
valter.santos@zerohora.com.br

Existem temas que a ciência ainda não explica, como o destino do Universo, o Triângulo das Bermudas, por que as vacas só se alimentam voltadas para o Norte ou para o Sul e Garrincha e Pelé juntos. É inexplicável encontrar razão para que um jogador considerado infantil e sem garra desse certo ao lado de um ponteiro com as pernas tortas. O fato é que nem antes nem depois o futebol viu uma dupla como a formada pelos dois. O primeiro a contrariar a sapiência de estudiosos foi Vicente Feola. O treinador desconsiderou o perfil psicológico traçado por Jorge Carvalhaes e convocou Pelé para a Copa do Mundo de 1958, mesmo que a avaliação do psicólogo da Seleção Brasileira tenha sido que o camisa 10 não tinha maturidade para jogar, além de lhe faltar espírito de luta. Caso a ciência conseguisse explicar o fenômeno da relação em campo entre o menino de 17 anos e Mané, então com 24, eles não teriam ajudado o Brasil a protagonizar o que ficou conhecido como os três minutos mais incríveis da história das Copas do Mundo. Em um Mundial disputado em meio à Guerra Fria e à corrida espacial, os soviéticos implementaram estudos minuciosos para formar o time que representava o país nos campos de futebol a ponto de a União Soviética apresentar o chamado "futebol científico". Na época, bradava-se que os jogadores tinham fôlego para jogar 180 minutos e ainda dançar um pouco de troika. Nos dias de jogos, eram submetidos a exercícios de ginástica pela manhã. Ainda se especulava que KGB tinha agentes que acompanhavam os treinamentos dos adversários e enviavam relatórios para a comissão técnica. O modelo brasileiro era bem menos metódico. — O senhor já combinou com os russos? — questionou Garrincha ao receber as instruções de Feola antes da partida entre os dois países. Certamente, os espiões devem ter sido punidos pelos primeiros 180 segundos de jogo. O zagueiro Kuznetsov provavelmente se questionou se não era melhor tentar entrar no Bolshoi do que marcar Garrincha. Ainda com a camisa 11 nas costas, ele deixou o defensor do avesso com tantos dribles em tão pouco tempo. Foram duas bolas na trave, uma de Mané, e outra de Pelé. Além do gol de Vavá, que marcaria outro no segundo tempo para fechar a partida em 2 a 0. Seria perfeito se a sintonia entre os parceiros tivesse sido imediata e começado de maneira tão arrasadora, mas a história tem suas imperfeições e não avisa quando abre sua porta para se apresentar. A espionagem soviética tinha suas justificativas para ter sido pega desprevenida. A estreia da dupla tinha sido apenas 28 dias antes daquele terceiro jogo do Mundial da Suécia — antes o Brasil vencera a Áustria por 3 a 0 e empatara com a Inglaterra em 0 a 0, no primeiro jogo sem gol na história das Copas. Não teve alerde para aquele Brasil 3 a 1 sobre a Bulgária, com dois gols de Pelé. A junção ocorreu porque oito titulares foram poupados daquele amistoso no Pacaembu. Mais de seis décadas depois, ainda está por ser formada uma parceria tão profícua no futebol. Entre 1958 e 1966, a Seleção Brasileira teve o privilégio de ter os dois juntos em 40 partidas sem nunca ter sido derrotada. Foram 36 vitórias e quatro empates. Só entre si marcaram 55 gols, 44 de Pelé. — Nos entendíamos bem durante os jogos, isso é tudo. Quando morreu, me censuraram porque não fui ao enterro. Não fui porque não gosto de enterros e porque não estava ligado ao Garrincha — declarou Pelé, em entrevista à revista Época em 2000. A sintonia não se repetia quando a comunicação não era feita através da bola. As personalidades e o modo como se relacionavam com o futebol eram diferentes. Garrincha era um jogador de bola, era a alegria do povo. Pelé era um atleta dedicado. Ao fim das carreiras, um foi seguir a vida de Rei, o outro perdeu a luta contra a bebida. Assim como a porta da história se abre sem avisar, ela também se fecha. Para os dois, ela apresentou sua última fresta na estreia do Brasil na Copa do Mundo de 1966. Tudo acabou contra quem tinha começado. Diante da Bulgária, cada um deles marcou um golaço de falta no 2 a 0, em Liverpool. Lesionado, o camisa 10 ficou de fora da derrota para Hungria. Na despedida contra Portugal, Pelé retornou, mas Garrincha esteve ausente. Desde então, o futebol nunca mais viu nada igual.

A glória na Seleção

Por Jones Lopes da Silva
Lemyr Martins/ BD/ 25/4/1966

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SUÉCIA

1958

Foi durante uma folga de descanso na casa da família em Bauru que o garoto ouviu ao lado do rádio a notícia da sua primeira convocação. Recém havia aparecido aos olhos dos cronistas esportivos, sempre ávidos em sugerir ao dito escrete nacional um destaque de dois dribles de efeito da última rodada de Rio e São Paulo. Então o speacker anunciou a lista dos convocados em junho de 1957.

"Gilmar, Castilho, Bellini, Djalma Santos, Zito, Mauro..." e os nomes se seguiram até chegar ao mais surpreendente deles.

— Mamãe, estou na Seleção — gritou o menino chorando de alegria junto ao pai, Dondinho.

Seleção era ambição celestial naqueles tempos. E Pelé vivia desse encantamento desde criança. Aos 10 anos incompletos, ouvira no rádio a fatídica derrota do Brasil para o Uruguai na Copa de 1950. Impactado pela desolação do pai diante daquela derrocada no Maracanazo, o filho prometera ali mesmo dar um título ao Brasil. Promessa de criança, mas cumpriu.

Começou então a saga do campeão de três Copas em quatro, ainda hoje o maior goleador da Seleção Brasileira, 77 deles em 92 jogos, somente os oficiais. A estreia de Pelé na Seleção foi em 7 de julho de 1957 contra a Argentina, pela antiga Copa Roca. O palco, o Maracanã. A Seleção perdeu por 2 a 1. Quem fez o gol brasileiro? Pelé. Três dias depois, no Pacaembu, o Brasil deu o troco à Argentina. Venceu por 2 a 0, gols de Mazola e quem mais? Pelé. Tinha 16 anos, oito meses e 17 dias e dois gols pela Canarinho.

Onze meses depois da estreia na Seleção, Pelé estava na Copa da Suécia. Mas aí já contava com 86 gols em 94 jogos na carreira. E era apenas um guri de 17 anos e oito meses.

Os gols nasciam em profusão em 1958, o ano Copa na Suécia. Os pontapés, também. Não havia outro jeito de parar aquele fedelho movediço e infernal, que driblava curto em velocidade, chutava forte ou colocado, cabeceava com força e exatidão e exalava a suprema ambição do gol tal qual uma fera. Pois o joelho direito do nosso herói pagou por isso. Inchou de tanta pancada. Os médicos não queriam levá-lo à Suécia. Foi o técnico Vicente Feola quem bancou a ida do menino. Valia a pena apostar. Mas Pelé ficou fora dos dois primeiros jogos, contra Áustria e Inglaterra. Aí Nilton Santos, Bellini e Didi foram conversar com Feola. Devia colocar Garrincha e Pelé no time com urgência. O próximo adversário era a União Soviética, era preciso vencer. Pelé ainda sentia o joelho, e Nilton o convenceu a jogar. Vavá marcou os dois gols da vitória contra os soviéticos e Garrincha driblou tudo o que via pela frente. A Seleção Brasileira emoldurou ali o rosto definitivo de uma linha de frente dos sonhos, formada por Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo. O gol de Pelé, seu primeiro em Copas, aconteceu no 1 a 0 sobre o País de Gales.

Você já viu na TV: Pelé está de costas para a goleira, puxa a bola com um toquezinho sobre o zagueiro, gira para frente do gol e conclui a gol. Pelé também brilhou ao fazer três diante da França de Fontaine e Kopa. Você já viu na TV: no mais vistoso deles, o garoto recebe cruzamento de Garrincha e finaliza a gol entre os zagueiros.

Na consagração final do título, Pelé fez dois dos 5 a 2 sobre a Suécia. Você já viu na TV: o gol mais festejado é o que Pelé dá um balãozinho sobre o sueco e conclui de bate-pronto no canto.

A primeira Copa da Seleção foi uma conquista sob inspiração de Didi, Nilton Santos, Vavá, Garrincha e, acima de tudo, de Pelé. Em 29 de junho de 1958, com 17 anos, sete meses e seis dias, ele chorou um choro impulsivo dentro de campo, no ombro do goleiro Gilmar. Depois, apertou a mão do rei sueco Gustav VI. Os franceses da revista Paris Match criaram em 1958 a manchete que se tornou a eterna reverência: "Le roi Pelé".

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CHILE e INGLATERRA

1962/1966

Na estreia do Brasil na ensolarada Viña del Mar, em 1962, o mundo aguardava uma goleada do Brasil e um show de Pelé sobre o México. A goleada não aconteceu, ficou em 2 a 0. Mas Pelé fez o seu, mesmo sem show. Quando se iniciou a Copa, o Rei já havia feito 425 jogos na carreira e 485 gols. A história era a mesma de 1958. Sofria com um carnaval de pancadas e com a maratona de jogos e viagens. Mesmo com 21 anos incompletos, era difícil suportar.

Aos 25 minutos do primeiro tempo contra a Tchecoslováquia, ele aparou um lançamento de Zito e acertou a trave. Logo levou a mão ao músculo adutor da virilha esquerda. Tinha distendido. Como não havia substituição à época, Pelé ficou caminhando pela ponta esquerda. Os tchecos, percebendo a situação difícil do Rei, evitaram desarmá-lo. Aquele gesto foi sinal de máxima reverência ao gênio do futebol, que passou o restante da Copa recuperando-se da lesão e torcendo pela Seleção nas arquibancadas dos estádios de Viña del Mar e de Santiago com uma bandeirinha verde-amarela.

Tentaram de tudo para recuperar Pelé. Partiu de Garrincha a sugestão mais prosaica. Ele queria levar ao Chile a benzedeira de sua cidade, Pau Grande, no Rio. Ela trataria o Rei. Tiro e queda. Claro que não foi ouvido. Sem o companheiro, a responsabilidade da Copa caiu sobre as pernas tortas de Garrincha. Que ganhou o bi Mundial com os dribles mais malucos já visto até então.

Quatro anos depois, a Copa de 1966 chegou como um repeteco de 1962 a Pelé, agora com 25 anos, 803 gols em 671 jogos na carreira. A Seleção, porém, vivia uma confusão técnica. Pelé estreou contra a Bulgária em Liverpool, marcou um gol, na última vez em que jogou ao lado de Garrincha. Os búlgaros perderam, mas bateram. E o Rei ficou fora do jogo com a Hungria, que fez 3 a 1 no Brasil. Na terceira e última partida de grupo, para passar à próxima fase, a Seleção tinha de vencer Portugal. Pelé foi a campo. Apanhou demais. Pancada sobre pancada. Aos 31 do segundo tempo, Morais acertou o joelho direito de Pelé e o deixou caído no gramado.

Como no Chile, o Rei passou o restante do tempo em um canto. Enquanto isto, Eusébio brilhava. Os portugueses se vingavam dos 5 a 2 que o Santos havia aplicado no Benfica na decisão do Mundial de Clubes de 1962, em pleno Estádio da Luz, em Lisboa. O Brasil não passou da fase de grupos, e Pelé prometeu largar a Seleção, de tão decepcionado.

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MÉXICO

1970

Bem que o radialista e escritor e agora técnico João Saldanha tinha razão em reunir antes da Copa de 1970 as Feras da Seleção, gente com a craqueza de Pelé, Gerson, Tostão, Rivelino, Jairzinho, Carlos Alberto, Clodoaldo e Paulo César Caju. Queria poupar Pelé nos amistosos de antes da Copa. Armou um caso. João acusou os médicos de dar bomba a Pelé. Criou outro caso. Um dia o técnico relatou o que os médicos haviam lhe comentado: Pelé sofria problema de visão. Mais um caso. João, o explosivo, foi demitido.

Mário Zagallo assumiu. Não queria usar Pelé e Tostão no time. Aí Pelé, Carlos Alberto, Gerson e Rivellino se reuniram e decidiram a escalação. Como Zagallo não havia definido nada, eles decidiram. Claro, com Pelé e Tostão juntos, enquanto o país cantava 90 milhões em ação. Na estreia, contra a Tchecoslováquia, Pelé marcou a sua primeira obra de arte da Copa.

Você já viu na TV: no terceiro gol dos 4 a 1, o meia Gerson faz lançamento de 40 metros, a bola desceu dentro da área tcheca, Pelé salta, mata no peito, deixa ela quicar e desfere o petardo do gol. Neste jogo, o Rei executou o primeiro dos vários quase-gols geniais da Copa do México: Você já viu na TV: Pelé flagra o goleiro Victor adiantado e, do seu campo, tenta encobri-lo. A bola desce a um metro ao lado da goleira.

No jogo seguinte, contra a Inglaterra de Moore e Charlton, o melhor team britânico de todos os tempos, campeão de 1966, Pelé revelou toda a exuberância de Rei. Logo no início, ele aparou cruzamento de Jairzinho e cabeceou a dois passos da pequena área. A bola quicou no gramado, subiu, mas o goleiro Gordon Banks salvou o gol a escanteio em voo espetacular. O lance se tornou ícone da história do futebol. O Brasil venceu por 1 a 0. Não foi gol de Pelé. Nem precisava.

Pelé fez mais dois na vitória de 3 a 2 sobre a Romênia e nem marcou nos 4 a 2 diante do Peru do técnico brasileiro Didi. Contra o Uruguai, já na semifinal, em Gauadalajara, Pelé transbordou genialidade. Talvez porque se visse 20 anos antes chorando ao lado do pai após a tragédia da derrota para o mesmo Uruguai na Copa de 1950, o Maracanazo.

Então o goleiro Mazurkiewicz bateu um tiro de meta que chegou à meia altura ao meio de campo. Pelé interceptou e rebateu de primeira a gol. Mazurka teve de se desdobrar. Depois, Pelé consolidou o 3 a 1 ao arrancar e parar de súbito dentro da área uruguaia. Ele deu um curto passe lateral e Rivellino fulminou.

A final contra a Itália foi palco da maior consagração de um jogador. Os 4 a 1 começaram pelo gol real.

Você já viu na TV: após um prosaico balão de Rivellino para a área, Pelé subiu e subiu e desferiu um golpe de cabeça no canto do goleiro Albertosi. Difícil imaginar gol com tamanha força de cabe

A outra obra de arte, espécie de gran finale da carreira do Rei em Copas, de novo foi um lance de gênio, simples e majestoso. Fez explodir 107 mil torcedores no 21 de junho no Estádio Azteca. A final está 3 a 1 para o Brasil, e Jairzinho e serve Pelé, a cinco passos da meia-lua italiana. O rei para, o tempo para. O zagueiro Cera estaca à sua frente. Pelé estacionado, com a bola aos pés, é a senha. Carlos Alberto parte na corrida e recebe do Rei o velho passe lateral, quase uma displicência. Carlos Alberto chuta na pintura do quarto gol. Pelé ainda jogou pela Seleção até julho de 1971. Na despedida, ouviu no Maracanã "fica, fica, fica".

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Gols por clubes (e seleção)

  • Santos
    1.091gols
  • Seleção Brasileira
    95gols
  • Cosmos
    64gols
  • Outros clubes*
    31gols

*seleção do exército, outras equipes e seleção paulista

Títulos conquistados

  • Taça Brasil

    1961, 1962, 1963, 1964, 1965, 1968

  • Supercopa Sul-Americana

    1968

  • Libertadores

    1962, 1963

  • Mundial de Clubes

    1962, 1963

  • Campeonato Paulista

    1958, 1960, 1961, 1962, 1964, 1965, 1967, 1968, 1969, 1973

  • Torneio Rio-São Paulo

    1959, 1963, 1964

  • North American Soccer League

    1977

  • Copa do Mundo

    1958, 1962, 1970[6]

  • Copa Roca

    1957, 1963

Gerson Schirmer/ BD/ 27/1/1974

Pelé norte-americano

Luiz Zini Pires

Pelé não queria voltar. Aos 34 anos, achava-se velho, cansado, esgotado no começo de 1975, depois de deixar o futebol em outubro do ano anterior, 18 anos entre Santos e Seleção Brasileira. Abominava concentrações, apesar das regalias, longos voos, sem negar assento na primeira classe nos últimos tempos, trocas de hotéis, mesmo cada vez melhores, os fusos horários diferentes, a distância da família, a rotina dos estádios e, claro, as sequelas das lesões. Pelé tinha dores terríveis nos joelhos e nos tornozelos depois de quase duas décadas sofrendo pancadas cada vez mais fortes de zagueiros. Pelé considerava-se jogador de um time só, do Santos do seu coração, casa, lar, fortaleza. Não se via com outra camisa e não sonhava com o Exterior, o Brasil era a sua terra. Tinha conquistado tudo de chuteiras, todos os títulos possíveis, e arregimentado fãs em todos os idiomas, mas algo o incomodava, roubava o sono. Suas contas bancárias não batiam bem. Os investimentos comiam parte grossa da renda. Os negócios fugiram do controle. Faltava dinheiro. Escolhia mal sócios, assessores e advogados. No dia seguinte ao jogo com a Ponte Preta, na Vila Belmiro, na noite de 2 de outubro de 1974, a quarta-feira do adeus, os contatos se intensificaram. Segundo o Dicionário Santista, de José Roberto Torero, no dia 1º de abril de 1962, 53 jornais da Europa publicaram que clubes das suas cidades haviam contratado Pelé. Desde então, o movimento atravessou duas décadas e as sondagens nunca pararam. Trintão, recebeu propostas da Espanha e da Itália. Desdenhou. Imaginava que não jogaria mais em alto nível. Mas, ao contrário dos europeus, decididos dirigentes americanos ligados ao The New York Cosmos não aceitavam um "não" como resposta. Sopravam no ouvido do jogador: — Você parou cedo demais. Atrás do NY Cosmos, quase desconhecido, erguia-se o império da Warner Communications, comandado por Steve Ross, que via na incipiente North American Soccer League (NASL) o instrumento para popularizar o futebol nos EUA, faturar milhões de dólares e alegrar os acionistas. O Cosmos, de verde e amarelo em homenagem à Seleção Brasileira, depois trocado por verde e branco, era da liga nacional desde 1970. Com Pelé, mudaria de patamar. Passaria a ser grife planetária. Os executivos não só o alcançavam por telefone como mandavam emissários ao Brasil. Marcavam café da manhã, almoço e jantar com o brasileiro na Inglaterra, em Paris, em Tóquio. Envolveram empresários, políticos, a então CBD, a Fifa e até o governo dos EUA no projeto. O poderoso secretário de Estado Henry Kissinger, um alemão naturalizado norte-americano e fã de futebol, abraçou a ideia. Aproximou-se de Pelé — os dois ficariam amigos depois — e ajudou a convencê-lo. O Rei não só receberia um cheque de US$ 7,5 milhões por um contrato de três anos, o maior de um atleta na época, como seria celebrado como "embaixador do futebol mundial" e ainda ganharia assessoria especial para controlar e turbinar as suas finanças. As propostas tentaram o brasileiro. Oito meses após deixar o Santos, Pelé, ainda um pouco relutante, aceitou o convite, não sem antes sentir uma forte pressão do novo e poderoso presidente da Fifa, João Havelange. Decidiu adotar a 10 do Cosmos e entrar no mundo dos milionários. Pelé estreou pelo Cosmos contra o Dallas Tornado, no empate de 2 a 2, no dia 15 de junho de 1975. O jogo foi tratado como o "Retorno do Rei" pela imprensa. Ganhou transmissão de TV ao vivo, jornalistas de todo o mundo. Mas não empolgou. O futebol era um jogo marginal na região na época — como mostra o documentário O Mundo ao Seus Pés, A Extraordinária História do The New York Cosmos. O craque máximo foi anunciado no Downing Stadium, em Randall's Island, uma ilha ao lado de Manhattan, um espaço dedicado ao beisebol, com suas marcas bem visíveis, gramado ralo, buracos e pontos com areia, um legítimo campo de pelada com lixo e garrafas quebradas. Na TV e nas rádios era chamado ora de Pelé ora de Edson Arantes do Nascimento. Em um gramado pintado com tinta verde para esconder imperfeições, Pelé inaugurava o futebol nos EUA. Ao lado de jogadores experientes, semiprofissionais, alunos de universidades, que nem amarrariam a sua chuteira. Entrou todo de branco, com o 10 às costas e no calção e abriu uma enorme bandeira americana diante de 21.278 pessoas. Bem maior que a média de 3 mil dos jogos de até então no país. A torcida de barulhentos imigrantes sul-americanos, fãs de esporte e curiosos, o aplaudiu de pé. Pelé não fez um grande jogo, só algumas jogadas geniais. Em Nova York, apesar de conviver com famosos e lugares da moda, Pelé não estreitou relações com astros e estrelas. Saiu algumas vezes com Frank Sinatra, também da Warner, mas a amizade não prosperou. Pelé circulava pela cidade com um Cadilac azul, sempre em companhia de um motorista do Brasil. Foi recebido na Casa Branca, bateu bola com presidentes, estrelou campanhas publicitárias e viajou o mundo. Na sala do seu apartamento, localizado em um bairro chique, exibia uma imagem sua assinada pelo mestre pop-art Andy Warhol. O presente vale uma pequena fortuna. Entre 1975 e 1977, Pelé disputou 107 partidas pelo Cosmos. Marcou 64 gols. Ganhou um título no último ano. Mas só venceu porque a equipe sacou os semiamadores e foi reforçada pelo alemão Franz Beckenbauer, os brasileiros Marinho Chagas, Rildo e Carlos Alberto Torres, o italiano Georgio Chinaglia, o peruano Ramon Mifflin, o inglês Stephen Hunt, entre outros. Em determinados momentos, o time abrigou jogadores de 16 nacionalidades. Na sequência, o campo de beisebol maquiado foi substituído pelo imponente Giants Stadium, em East Rutheford, New Jersey, que receberia sete jogos da Copa do Mundo de 1994. Na grama, maltratada, transplantada ou sintética, Pelé fez jogadas de Pelé com sua nova camisa. Fez até gols que deixou de marcar nos quatro Mundiais que disputou, como aquele em que quase venceu Viktor, da antiga Checoslováquia, em 1970. De quase 70 metros de distância, viu o goleiro adiantado e arriscou o chute. A bola passou zunindo pelo travessão. Sete anos depois, no Giants Stadium, Pelé repetiu a jogada de Copa numa partida contra o Tampa Bay. Desde o meio-campo, ele marcou mais um gol espetacular. O sucesso do maior jogador de futebol de todos os tempos em um país em que os esportes mais populares são praticados com as mãos foi tamanho que o seu amigo Kissinger usou a famosa revista Time para fazer uma ode ao craque. Anunciou a chegada e a celebração de um mito. E foi além: — Pelé se tornou uma instituição. A maioria dos seus fãs nunca o viu jogar e, ainda assim, eles se sentem como parte de suas vidas. Pelé despediu-se do futebol, desta vez para sempre, no dia 1ª de outubro de 1977. Jogaram Cosmos e Santos, em Nova York, na frente de 75 mil pessoas. O camisa 10 atuou 45 minutos em cada lado. Marcou um gol de falta no primeiro tempo. Tentou descontar de todas as formas depois com a mítica camisa 10 do Santos. Não conseguiu. Os brasileiros sofreram 2 a 1. Ele queria muito marcar seu último gol atuando pelo Santos. No final, usando uma camisa verde, pegou o microfone e pediu paz. Com o grande Muhammad Ali ao lado, amparado pelo conterrâneo Carlos Alberto Torres, ergueu os braços. Com os dedos em V, pediu "Love, Love (amor)". No ano seguinte, Caetano Veloso gravou Love, Love, Love, música do disco Muito, em homenagem ao jogador. Pelé vestiria camisa, calção, meias e chuteiras mais oito vezes. A última foi na festa dos seus 50 anos, no dia 31 de outubro de 1990, em Milão, na Itália. Nesta época, a breve popularidade do futebol nos EUA se desmanchava aos poucos. Os grandes jogadores saíram, e o público nos estádios murchou. A NASL encerrou as atividades em 1984. O Cosmos, que havia vencido sete títulos entre 1971 e 1984, fechou e voltou. Dos 20 maiores públicos da extinta NASL, 18 são seus. A Copa do Mundo dos Estados Unidos de 1994 deu um alento. O sucesso de Pelé foi comprovado pelo ator Robert Redford. Os dois tinham escritório no mesmo prédio, mimo da Warner Bros, em Nova York. Um dia o astro encontrou Pelé rodeado por admiradores na saída do edifício. A cena se repetiu outras vezes. Ninguém pedia autógrafo a Redford. Pelé sofria o assédio de uma pequena multidão.

O camisa 10 em 5 filmes

Ticiano Osório
ticiano.osorio@zerohora.com.br

Isto É Pelé (1974)

Disponível no Looke
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  1. Lançado no ano em que Pelé se despediu dos gramados brasileiros — foi jogar no Cosmos, de Nova York —, o documentário atraiu mais de um milhão de espectadores aos cinemas. O filme foi dirigido por nomes históricos da cinematografia nacional: Luiz Carlos Barreto, produtor de títulos como Vidas Secas (1963), Bye Bye Brasil (1980) e O que é Isso, Companheiro? (1997), e Eduardo Escorel, montador de Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969) e Cabra Marcado para Morrer (1984). Isto É Pelé mistura cenas de arquivo das Copas do Mundo e do Canal 100, fotos das revistas Manchete, O Cruzeiro e Jornal do Brasil e imagens do jogador correndo na praia, orientando os infantis do Santos e fazendo exames médicos no clube, entre outros momentos.

Fuga para a Vitória (1981)

Disponível na HBO Max
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  1. Nem só de documentário é feita a trajetória cinematográfica de Pelé — vide a comédia Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986), indisponível no streaming. Sob a direção do estadunidense John Huston, vencedor do Oscar por O Tesouro de Sierra Madre (1948) e, no total, dono de 14 indicações à estatueta dourada, o jogador brasileiro aventurou-se como ator nesta refilmagem de uma produção húngara de 1961. A trama se passa durante a Segunda Guerra Mundial. Em um campo alemão de prisioneiros, o major Karl von Steiner (Max Von Sydow), que no passado havia sido atleta da seleção alemã, resolve marcar um duelo futebolístico entre nazistas e representantes dos Aliados. Cabe ao capitão John Colby (Michael Caine) recrutar o time para a partida, que pode significar a chance para escapar do jugo. O elenco inclui Sylvester Stallone — então no auge da fama por causa de Rocky, um Lutador (1976) e Rocky II (1979) — e craques do porte do argentino Ardiles, do inglês Bobby Moore e do polonês Deyna.

Pelé Eterno (2004)

Disponível para alugar em Apple TV
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  1. Com o subtítulo de Edson Arantes do Nascimento à Eternidade, o documentário tem roteiro de José Roberto Torero (autor de dois livros sobre o clube em que Pelé fez história, o Santos), narração de Fúlvio Stefanini, textos de Armando Nogueira e direção e produção de Aníbal Massaini Neto — produtor de uma penca de comédias eróticas da década de 1970 e de diversas obras do cineasta Walter Hugo Khouri. Massaini trabalhou durante mais de cinco anos na pesquisa e na recuperação de imagens, se debruçando em 70 acervos no Brasil e no Exterior. Foram coletadas 25 horas de material, entre cenas em 35mm, 16mm e vídeo, incluindo 150 depoimentos de amigos, jogadores, ex-companheiros e celebridades. Em 120 minutos, o longa-metragem refaz a trajetória de Pelé desde a infância em Três Corações, no interior de Minas Gerais, onde nasceu, no dia 23 de outubro de 1940. Estão na tela cerca de 300 dos 1.281 gols que o mito marcou em 21 anos de carreira. As principais conquistas do jogador também ganham destaque: as três Copas do Mundo pela Seleção Brasileira, o bicampeonato do Mundial Interclubes pelo Santos. O camisa 10 não se esquivou de uma polêmica familiar: aparecem as filhas Sandra Regina e Flávia Christina, reconhecidas por ele apenas quando adultas. — Não seria justo deixar de fora — contou Pelé na entrevista de apresentação do documentário. — Não sabíamos como mostrar isso. Com uma eu tenho um bom relacionamento, mas com a outra não. A equipe e o diretor conseguiram dar um jeito. Pelé Eterno traz uma série de cenas raras — para não dizer lendárias. Por exemplo: Massaini obteve imagens do amistoso do Santos contra a seleção universitária da Colômbia, em 1968, quando Pelé foi expulso, mas voltou a campo a pedido da torcida. Quem levou o cartão vermelho foi o árbitro. De dois dos mais belos gols de Pelé, porém, não havia registro. A solução foi reproduzir as antológicas jogadas — com jogadores no caso do célebre Gol de Placa, marcado contra o Fluminense, no Maracanã, em 1961, e com a ajuda da tecnologia no caso daquele que é considerado pelo próprio Pelé como o mais bonito de sua carreira: o Gol da Rua Javari, contra o Juventus, de São Paulo, em 1959. A partir dos relatos de 30 testemunhas e utilizando a técnica chamada Motion Capture, Pelé repetiu os movimentos em estúdio, com sensores ligados a seu corpo e diante de 14 câmeras. Após um ano de trabalho em computação gráfica, foi recriado o lance em que Pelé deu três balõezinhos em três adversários antes de fazer o gol, que não dura mais do que 30 segundos no filme. O suficiente para reafirmar a eternidade de Pelé.

O Nascimento de uma Lenda (2016)

Disponível em Globoplay
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  1. Como disse o crítico Sérgio Rizzo à época da estreia, na Folha de S.Paulo, aqui Pelé ganhou um tributo para gringo ver. São estadunidenses os produtores Brian Grazer (de Rush: No Limite da Emoção, sobre a rivalidade entre os pilotos de Fórmula-1 James Hunt e Nikki Lauda) e Colin Wilson, e também os diretores e roteiristas Jeffrey Zimbalist e Michael Zimbalist, que já tinham experiência tanto com o Brasil (Favela Rising) quanto com o universo do futebol — assinaram Os Dois Escobares, sobre as conexões entre o chefão do tráfico Pablo Escobar e o jogador Andrés Escobar. Originalmente, o filme é falado em inglês, às vezes com uma palavra em português solta na frase para dar um "tempero local". A sensação de inautenticidade é reforçada pelo diretor de fotografia Matthew Libatique (indicado ao Oscar por Cisne Negro e Nasce uma Estrela), que, com seu trabalho de luz e câmera, cria uma atmosfera de sonho tropical. Da infância em Bauru ao triunfo na Copa do Mundo de 1958, acompanhamos os cerca de 10 anos em que o menino Edson Arantes do Nascimento se transformou em Pelé. O personagem é vivido na infância por Leonardo Lima Carvalho, e na juventude, por Kevin de Paula. Vincent D'Onofrio interpreta o treinador Vicente Feola, e Felipe Simas faz Garrincha.

Pelé (2021)

Disponível na Netflix
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  1. O documentário dirigido pelos britânicos David Tryhorn e Ben Nicholas trata de como a ascensão de Pelé no mundo do futebol passou a interessar ao meio político, a ponto de o jogador ser obrigado a rever a decisão de não mais disputar uma Copa do Mundo após o fracasso brasileiro no Mundial de 1966 — uma imagem rara, encontrada nos arquivos do canal RTP, de Portugal, mostra o craque manifestando esse desejo. "O regime militar, no entanto, precisava de uma conquista mundial para consolidar a imagem de um país bem-sucedido, ainda que à base de mortes, torturas e cassação dos direitos civis", escreveu o jornalista Ubiratan Brasil no Estadão. "A pressão se instala na preparação para a Copa do México: comunista confesso, o técnico João Saldanha, que chegou a confrontar o presidente Emílio Garrastazu Médici ('Eu não escolho os ministros dele, e ele não escala a minha Seleção'), logo é destituído, e Zagallo assume, junto de uma comissão técnica formada por militares". — A gente sabia de muitas coisas que aconteciam no país. Outras, não — comenta Pelé, no documentário, sobre os abusos da ditadura. — Nunca fui forçado a nada — completa ele, dizendo que decidiu voltar à Seleção também para uma realização pessoal: mostrar que, aos 30 anos, ainda podia ser campeão do mundo. A volta ao Brasil e o encontro com Médici, em Brasília, são momentos delicados do documentário. O ex- jogador Paulo César Caju analisa a cena do abraço com o presidente como um rebaixamento social: — Pelé retoma a posição do "Sim, senhor". O filme traz ainda outros momentos preciosos. Como a chegada de Pelé à sala onde concedeu as entrevistas: apoiando-se em um andador, ele empurra o aparelho para fora do foco da câmera tão logo se senta. — Não planejamos isso — diz Tryhorn. — Sentimos que era importante mostrar que um dos maiores atletas da história tinha problemas para caminhar, mas não aceita essa condição.

Diego Vara/ BD/ 21/11/2013

Atuações como garoto-propaganda

Por Marta Sfredo
marta.sfredo@zerohora.com.br

Muito antes dos influenciadores digitais, um prodígio nos campos virou o que, na sua época, chamava-se de "garoto-propaganda". A boa imagem de Pelé permitiu que o jogador colasse sua imagem em produtos tão variados como café, vitaminas, sapatos, celulares e cartão de crédito. Quando começou, contratos publicitários estavam longe das cifras que movimentam hoje, assim como salários e contratos de cessão de direitos de imagem. Mesmo assim, essa atuação rendeu frutos suficientes para que Edson Arantes do Nascimento testasse sua estratégia também nos negócios. Nesse campo, fez gols e perdeu pênaltis. Transformar fama em dinheiro — monetizar o ativo, no jargão corporativo — fez com que Pelé testasse chutes em duas empresas de marketing esportivo, uma rede de academias e até participasse de projetos como a transformação de fios de seus cabelos em diamantes, vendidos por cerca de R$ 16 mil a unidade. Para abrir uma franquia da academia que levava seu nome, investidores são convidados a investir entre R$ 3 milhões e R$ 4 milhões. A Copa do Mundo no Brasil, em 2014, foi o apogeu. De shampoo anticaspa a banco e fast food, Pelé deu prestígio e visibilidade a muitas marcas. A estimativa é de que tenha chegado a movimentar R$ 70 milhões por ano com patrocínios e publicidade. Um dos momentos de inflexão dessa trajetória veio com o tricampeonato mundial de 1970, que elevou o passe publicitário de seu jogador mais destacado. A Companhia Cacique, que produzia café, propôs que o jogador assinasse uma marca. Ele, claro, topou. Surgiu o Café Pelé, gerando a lenda de que o cidadão Edson tivesse virado empresário e fosse dono do negócio. Não era, só emprestava — ou melhor, alugava — seu nome para o produto. Uma das mais recentes iniciativas de Pelé na área econômica, em 2021, foi um IPO. Mas não foi uma abertura de capital, como sugere a sigla em inglês. O Rei aderiu ao Human IPO, uma plataforma que negocia tempo de profissionais. A ideia foi arrecadar capital para sua fundação social, a Pelé Foundation. Talvez ele tenha conseguido vender, mas tempo é algo difícil de comprar.

A última batalha do Rei

Valter Junior
valter.santos@zerohora.com.br

A batalha de Pelé contra o câncer durou pouco menos de um ano e meio. A doença foi diagnosticada no fim de agosto de 2021. Dias depois, ele passou por cirurgia para retirada de tumor no cólon direito. Desde então, o Rei do Futebol passou por tratamento quimioterápico. A última passagem pelo Hospital Albert Einstein teve início em 29 de novembro e não estava programada. Assim como diversos defensores que cruzaram o caminho de Pelé, ele foi pego de surpresa pela doença. Em 31 de agosto de 2021, o tricampeão mundial ingressou na instituição de saúde para a realização de exames de rotina, que vinham sendo adiados desde o ano anterior devido à pandemia de covid-19. Os resultados do check-up apontaram a existência do tumor maligno. Dias depois, passou por cirurgia para retirada.

Instagram @iamkelynascimento/ Reprodução