a aventura de todos nós por Alexandre Elmi

Imagine um mundo sem celular. Isso mesmo. Tente conceber uma situação hipotética em que, depois de uma longa jornada de uso e esgotamento, esse aparelho móvel e esperto que se transformou em ímã de atenção entrasse em colapso e fosse superado por um dispositivo qualquer. Seduzidos por um novo aparelho – um relógio de pulso com projeções holográficas ou óculos com lentes especiais convertidas em telas –, o que realmente mudaria na forma como as pessoas se comunicam? O que restaria intacto depois da passagem desse furacão provocado pelo período de reinado dos smartphones? Provavelmente, pouca coisa teria mais valor do que a credibilidade e a qualidade do conteúdo jornalístico e de entretenimento.

 

O exercício de futurologia é uma forma de encarar uma questão provocativa: se as tecnologias são irrefreáveis, dinâmicas, e se a história da comunicação consiste, em parte, na história de como elas foram se sucedendo, como pensar o destino da comunicação humana sem se restringir ao dispositivo que está cumprindo o seu período momentâneo de glória? Se a tecnologia sempre muda, o que não muda com as tecnologias? Essa não é uma pergunta retórica. Respondê-la ajuda a encontrar o que realmente caracteriza o comportamento desta sociedade mergulhada em configurações e dinâmicas determinadas pelo mundo digital.

 

Em primeiro lugar, é preciso compreender uma sociedade que nunca produziu tanta informação como agora, independentemente do dispositivo usado. Claro que tal abundância gera novos comportamentos e interações, característicos de uma sociedade que vive em rede, mas o que movimenta a máquina ainda é o eterno desejo humano de sentir-se próximo, de saber o que ocorre no entorno e de expressar-se. A consultoria norte-americana Domo projeta que 90% dos dados que circulam hoje no planeta tenham sido produzidos nos últimos dois anos. E será assim, vertiginoso, daqui para frente. O número de zeros da quantidade de bytes criados por dia dá uma ideia do tamanho da massa informativa: são 2.500.000.000.000.000.000 (2,5 quintilhões).

 

A cada minuto, conforme a Domo, são feitas 3,6 milhões de pesquisas no Google, assistidos 4,2 milhões de vídeos no YouTube e enviadas 15,2 milhões de mensagens em texto. Você está participando desta revolução, convertido em um tipo de mídia, ao mesmo tempo em que também consome o fluxo da comunicação, que deixa de ser unilateral para ganhar sentidos e direções múltiplos e imprevisíveis. Milhões de aparelhos conectados, sejam eles quais forem, os existentes e os que porventura sejam criados no próximo minuto, turbinam esse novo universo de informação, diversão e participação.

 

A natureza atual da comunicação se converteu em uma conversa, em um diálogo. As pessoas não aceitam mais os fluxos autoritários. Todas as respostas contemporâneas da tecnologia traduzem necessidades elementares e irreversíveis, até mesmo as redes sociais que mobilizam conexão, sentimentos e afinidades. Conforme Andiara Petterle, vice-presidente de Produto e Operações do Grupo RBS, esta nova realidade trouxe oportunidades para a indústria de comunicação fazer o que sabe.

 

– As pessoas estão se comunicando muito mais entre si. Tem um movimento grande de descentralização, de mudança na forma de distribuição, que não é mais físico, é digital. Por isso o conteúdo de qualidade nunca foi tão importante como é agora, porque as pessoas simplesmente consomem mais informação e precisam separar o joio do trigo – avalia Andiara.

 

Na primeira década dos anos 2000, Dan Gillmor, no livro Nós, os Media, detectou o alcance das mudanças que seriam determinadas pelo fato de que todos, em qualquer lugar, poderiam ter acesso a informações, produzi-las e recebê-las, alterando a lógica com a qual o mundo da comunicação e do jornalismo se acostumara até então. Seria a confirmação da antevisão do artista plástico Andy Warhol. No final dos anos 1960, ele disse que, no futuro, todos teriam direito a 15 minutos de fama. Mas é mais do que isso: é possível dizer que a tecnologia concedeu a todos o direito de atuarem como celebridades e fontes de informação. Não por 15 minutos, mas para sempre e em todo lugar. Gillmor e outros autores sinalizaram a configuração de uma realidade com novos scripts sendo interpretados. “A linha divisória entre produtores e consumidores vai se atenuar, provocando alterações, que só agora começamos a antever, nos papéis de cada um dos grupos. A própria rede de comunicações será um meio para dar voz a qualquer pessoa, não só àqueles que podem investir milhões”, escreveu Gillmor.

 

Tal característica lança um primeiro desafio às empresas que modularam a forma como o jornalismo e o entretenimento foram feitos até aqui: como manter-se atual e buscar ampliar a percepção de relevância diante dos seus públicos? Trata-se de uma tarefa em que o que está em jogo combina investimentos em qualidade da produção de conteúdo e tecnologia. A resposta mais comum ouvida por quem observa o mercado sinaliza a necessidade de ampliar o vínculo com as comunidades, de gerar informações confiáveis e relevantes, que façam sentido e levem a transformações concretas no contexto do público.

 

A essência passa a estar na capacidade de ajudar a resolver um problema cotidiano ou no potencial para mudar o curso de um destino. Com a tarefa de liderar o jornalismo e o entretenimento produzidos pelo Grupo RBS, Eduardo Sirotsky Melzer entende que a tecnologia, ao mesmo tempo em que ampliou positivamente a capacidade de expressão e opinião, obrigou os veículos a adotarem uma postura mais rigorosa em defesa da verdade e a investir cada vez mais em qualidade e credibilidade. A tecnologia é apenas uma ferramenta.

 

– A revolução que estamos vivendo não é somente tecnológica. É do comportamento humano. Acredito que vivemos uma revolução social.Do jeito em que as pessoas se comunicam e sobre o que elas esperam dessa ação, tanto entre si quanto das empresas que se propõem a oferecer conteúdo, jornalismo ou entretenimento. A tecnologia é uma aliada, mas de nada adianta ter um parque tecnológico, promover a maior inovação e perder a conexão com a essência. No caso da RBS, estamos sempre perseguindo esta combinação. Olhar para o futuro, investir em qualidade e inovação e, ao mesmo tempo, mantermos nossa empresa conectada à essência, estar próximo às pessoas, contribuindo para a evolução da sociedade – destaca Eduardo.

 

Assim, neste cenário de mudanças, um dos valores mais importantes em jogo é o da credibilidade. O debate em torno da confiança ganhou impulso, recentemente, quando as fake news – notícias falsas e boatos que circulam com a velocidade das facilidades contemporâneas de compartilhamento – começaram a preocupar seriamente. O tema elevou o grau de preocupação a ponto de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter lançado, em março de 2017, um alerta sobre a periculosidade da informação mentirosa, apontando-a como um risco global que inclusive ameaçaria a liberdade de expressão e opinião, além de alimentar a hostilidade e atacar reputações.

 

As fake news empurraram para um pântano a expectativa de verdade que deveria nortear a relação dos públicos com as empresas de comunicação. Na recente crise de credibilidade e mentiras que ajudou a eleger Donald Trump presidente dos EUA em 2016, por exemplo, jornais como The New York Times e The Washington Post começaram a recuperar assinantes. O diário nova-iorquino viu sua massa de pagantes crescer em 308 mil adesões no primeiro semestre de 2017.

Foi um sinal de que a audiência pode driblar a sedução do custo zero e decidir pagar por informação de qualidade.

 

– Com o crescimento do consumo de informações a partir do celular, o modelo de conteúdo pago passa a ser dominante no digital. Todos pagam por apps e conteúdos que têm valor de verdade. Esse talvez seja o melhor modelo de sustentabilidade para o jornalismo do futuro – diz Andiara Petterle.

 

De uma forma geral, há desconfiança no ar, em parte determinada pela saturação de informações. Um dos pontos destacados pelo Digital News Report 2017, produzido pelos observadores do Instituto Reuters, foi justamente o estágio atual da confiança da audiência na mídia pelo mundo. Depois de ouvir 70 mil pessoas, em 36 países, o documento mostra, entre outras conclusões, que a credibilidade das histórias e opiniões distribuídas por redes sociais é menor do que o índice de confiabilidade admitido pelos entrevistados quanto à mídia essencial. Enquanto 24% acreditam que as redes sociais fazem um bom trabalho de separar informação verdadeira da inventada, o percentual das marcas originalmente de rádio, TV e jornal sobe para 40%.

 

– É sensacional que a tecnologia proporcione que as pessoas tenham voz, possam se manifestar, falar das suas visões. Sempre tivemos uma imensa responsabilidade com o nosso público, como empresa de comunicação. Mas hoje, com toda a transformação que vivemos, essa responsabilidade aumentou ainda mais. Nossos consumidores têm a expectativa de que os veículos de comunicação sérios e comprometidos com a atividade possam cumprir o papel de certificadores. Nós trabalhamos incansavelmente para cumprir essa missão. A liberdade de expressão e a imprensa livre são alicerces da democracia, cada vez mais imprescindíveis – reforça Eduardo Sirotsky Melzer.

 

O Digital News Report procurou descobrir a que os entrevistados atribuem essa erosão da confiança. “A combinação de falta de regras e algoritmos virais encoraja a baixa qualidade e faz com que as notícias falsas se espalhem rapidamente”, interpretam os pesquisadores no texto, sinalizando que a audiência tem uma percepção sobre os fenômenos de comunicação. Para o pesquisador de tecnologia e comunicação Eduardo Pellanda, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), esta abundância de informação ampliou a necessidade de curadoria, ou seja, a existência de camadas de certificação que dissipem dúvidas e mentiras.

 

– A informação nunca foi tão abundante. Mas tudo isso mudou há muito pouco tempo. As pessoas ainda não têm noção completa do que está acontecendo nas redes, estão aprendendo a filtrar. As pessoas não são jornalistas, não têm a mesma responsabilidade com a repercussão – afirma Pellanda.

 

À medida que há um volume sufocante de informações nas redes sociais, na maioria das vezes, as pessoas escolhem suas “fontes” – os amigos, por afinidade. Os algoritmos também selecionam o que a pessoa irá receber na sua timeline com base em suas curtidas e escolhas prévias. Esses dois efeitos geram uma contradição à abundância, pois criam um círculo tendencioso no qual o indivíduo acaba vivendo numa espécie de bolha originada pelas suas próprias escolhas. Percebe-se a importância do jornalismo e da curadoria que as empresas de mídia precisam exercer.

Embora a tecnologia seja volátil e ainda possa mudar muito daqui para frente, é importante entender como o fenômeno da comunicação se processa e ainda fará sentido a partir do celular. Tudo ainda é muito recente.

 

Há apenas 10 anos, o iPhone era lançado por Steve Jobs como um marco na linha do tempo da comunicação e da relação dos usuários com a informação. Seja em aparelhos mais simples ou nos sofisticados smartphones, o fato é que os números desta arrancada do celular como epicentro da comunicação contemporânea são impressionantes. No Brasil, ao final do mês de julho de 2017, por exemplo, conforme dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), eram 242,1 milhões de linhas de celulares habilitadas, o que significa mais de uma por habitante. A abrangência atual é o dobro da que existia em 2007.

 

A tela do celular é porta de entrada para todo e qualquer tipo de conteúdo. Tornou-se símbolo da diluição de fronteiras entre plataformas e linguagens, porque os aparelhos móveis concentram uma longa evolução técnica das plataformas anteriores.  O conceito de remediação, aprimorado por Richard Grusin e David Bolter, é uma chave para decifrar o atual entrecruzamento de mídias. A ideia central é que um meio não nasce do zero: sempre se aproveita dos anteriores para configurar a sua lógica. Assim como os jornais foram lidos ao vivo nas rádios, as primeiras transmissões de TV imitavam os programas radiofônicos. Na tela do celular, o espetáculo e a mistura apenas ganham uma dimensão ampliada de tempo e lugar, em função da mobilidade.

 

– Até a internet, a remediação acontecia de uma forma mais linear. Na década de 1990, a internet chegou com a possibilidade de usar as linguagens existentes e ampliar a distribuição. Como a internet é mais móvel do que fixa, hoje a mídia está todo o tempo com a pessoa – pontua Pellanda.

 

Conforme o Comitê Gestor da Internet no Brasil, em 2015 o celular virou o jogo e assumiu a dianteira como entrada na internet no país. A Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros mostrou que 89% dos usuários acessam a rede pelo celular, enquanto 65% se valem de um dispositivo fixo. Em 2014, as posições estavam invertidas: 80% ingressavam pelo computador, e 76% pelo celular. O documento alerta: os smartphones se tornaram o único dispositivo de acesso para uma parcela expressiva dos conectados no país. Eram 35% em 2015, contra 19% em 2014, quase o dobro em um ano. Nelson Pacheco Sirotsky, presidente do Grupo RBS entre 1991 e 2012, acionista da empresa e filho do fundador, Maurício Sirotsky Sobrinho, entende como indispensável reafirmar os vínculos com a audiência para continuar fazendo sentido a uma audiência conectada:

 

– O smartphone transforma o indivíduo em hiperlocal. Portanto, as empresas de comunicação têm de estar cada vez mais presentes em suas comunidades, junto ao seu público. É seu papel criar conteúdo local de qualidade e ser a plataforma que conecte as pessoas ao mundo já interconectado.

 

Apesar do contexto de multiplicidade e diversidade de plataformas e dispositivos, a TV ainda é o veículo mais assistido pelo brasileiro, impulsionada pelo avanço dos serviços de streaming como Netflix e pela popularização do YouTube. O fenômeno ocorre mesmo diante de toda a fragmentação e segmentação que veio a reboque da tecnologia.

 

Números de outro levantamento, a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016, indicam que o contingente dos brasileiros que admitem assistir à TV diariamente cresce a cada ano. Em 2014, 65% dos entrevistados disseram que paravam para consumir TV nos sete dias da semana. Este mesmo grupo subiu para 77% no levantamento de 2016. Em dois anos, como a presença da internet se ampliou nos lares brasileiros, é bem provável que a população esteja mesmo mais à frente da TV, mas de um jeito diferente. Flávio Porcello, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reconhece o predomínio da televisão e entende que o celular sacramentou a navegação multitelas para um segmento específico.

 

– Há o segmento que vê TV em multitelas, mas a TV convencional continua forte. Ela é a única fonte de informação para uma significativa parcela do povo brasileiro. A TV é o veículo de maior penetração e influência – explica Porcello.

 

A internet, por sua própria característica técnica de descentralização e fragmentação da audiência, propagou outras formas de consumir e, principalmente, produzir imagens em movimento. O YouTube é o epicentro do terremoto que sacudiu as bases da relação do público com as telas. No YouTube, um clipe como o da música Na Sua Cara, parceria entre Anitta e Pabllo Vittar, alcançou 15 milhões de visualizações em menos de 24 horas, sendo o vídeo que mais rapidamente rompeu a marca de 1 milhão de

views na plataforma.

 

A TV chega ao celular ao mesmo tempo em que o celular renova a TV. Esse é o jogo da era digital. É possível imaginar que as TVs aberta e fechada saiam revigoradas, como novas possibilidades de interação e distribuição. Uma emissora como a Rede Globo mobiliza 100 milhões de espectadores em um dia. Conforme o diretor geral da Rede Globo de Televisão, Carlos Henrique Schröder, as mídias crescem sem que se perca a força da TV aberta e gratuita. A receita é apostar na relevância do conteúdo como ingrediente para garantir a preferência do público.

 

– Estar próximo do cidadão, traduzindo seus anseios, questões e dúvidas contribui de forma decisiva para manter esta relação em permanente movimento. E é isso que nos alimenta – esclarece Schröder.

 

Da mesma forma, a mídia rádio se vale da banda larga de internet no celular para amplificar o seu alcance e reafirmar uma característica tão atual como ouvir um podcast: a possibilidade de fazer duas coisas ao mesmo tempo. Desde que reunia as famílias nas salas das casas até pouco mais da metade do século passado, até os aplicativos no celular, o rádio cumpriu uma trajetória de proximidade e mobilidade que segue fazendo sentido no universo da informação e do entretenimento. Luiz Artur Ferraretto, pesquisador do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS, encontra uma sintonia fina entre o rádio e a lógica afetiva de funcionamento das redes sociais.

 

– A rádio é uma rede social ao natural, pois o comunicador está próximo da audiência, e a rede social interage muito bem com a rádio falada. A rádio orienta, informa e permite que se faça duas coisas ao mesmo tempo, como as redes sociais – explica Ferraretto.

 

Essa afinidade apontada por Ferraretto não nega a necessidade de adaptação das marcas tradicionais, pois elas seguem desafiadas em função da tecnologia que aponta inexoravelmente para a convergência, para a segmentação em nichos e podcasts e para a mudança de hábitos de audição, sobretudo de música. Tanto quanto em outros momentos da História, a indústria do rádio vive a urgência de mover-se para seguir encantando. A novidade está na velocidade com que deve se deslocar. O fato é que a indústria da mídia, de maneira geral, busca encontrar uma forma

de seguir relevante em um ecossistema diversificado.

 

As redes sociais tornaram o ambiente mais complexo e competitivo. Também lançaram desafios. O primeiro é o da sobrevivência dos negócios de comunicação, tradicionais ou nativos digitais. Não há respostas prontas. Conteúdo de qualidade, seja entretenimento, seja jornalismo, custa caro. Como consequência da dispersão da audiência, o mix de investimento publicitário vem se deslocando. Marcas também passaram a apostar nas suas próprias mídias ou a investir em influenciadores digitais, aqueles perfis e canais que prometem estabelecer com o público um tipo ímpar de relação, mais íntima e recíproca. Para as marcas, fica o desafio de gerir sua credibilidade em meio a um ambiente aberto. Para as plataformas, a criação de um ambiente seguro, qualificado e com métricas confiáveis.

 

Além de exigir uma atitude de maior vigilância e rigor por parte da mídia – que também deve redobrar seus compromissos com práticas ligadas à diversidade e à transparência –, a avalanche de fake news, em algum momento, convocará a sociedade a também lutar contra as inverdades, muitas vezes produzidas e disseminadas por uma indústria sombria e pirata que corrói reputações e alimenta ódios. É possível acreditar que, no futuro, o cidadão cauteloso possa agir como agente sadio do ambiente informativo, praticando procedimentos de fact-checking e sendo educado para a mídia. No livro Notícias, o pensador Alain de Botton lamenta que, mesmo a mídia tendo se transformado no maior transmissor de conhecimento durante a vida de quem chega à idade adulta – muito mais do que as escolas –, a população seja pouco informada sobre os seus mecanismos de funcionamento.

 

Redes sociais apaixonadas travam uma batalha ideológica sem fim em que os dois lados estão certos e errados ao mesmo tempo. A primeira vítima acaba sendo a verdade. A segunda, a confiança, minada por excesso de informação e carência de significados. Hoje, as fontes com confiança são muitas e dispersas: um único jornalista ou apresentador não consegue mais ditar o ritmo e a direção da conversação pública, o que é positivo, embora a cacofonia alimente uma sensação de desorientação. Tal situação de perda de credibilidade, quando já não há certeza a respeito da informação em que acreditar, é vista pelo presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, como um risco à democracia.

 

No futuro, a inteligência artificial e seus desdobramentos, como a capacidade das máquinas de aprenderem a tomar decisões a partir de dados e rotinas, devem incidir sobre a comunicação, intensificando o velho e tenso debate entre o homem e a máquina. O imaginário sobre o futuro do jornalismo e da comunicação sempre alimentou a imagem sedutora do avanço progressivo e irreversível da tecnologia e da automação, como vemos agora. Em 1973, o Manual do Peninha, lançado pela Disney para revelar às crianças como funcionava a indústria da informação, projetava o que chegaria em seguida: “No futuro, um cérebro eletrônico poderá editar um jornal ou uma revista”.

 

O divertido manual do personagem, reeditado em 2017, também fazia um alerta. “Se você é candidato a repórter, não se preocupe: por mais aperfeiçoadas que sejam, as máquinas não podem fazer tudo no jornalismo e haverá sempre a necessidade da ‘cuca’ de um bom jornalista para colher, escrever e analisar os fatos”, ponderava. Lúdico, escrito para informar o público infantil, o manual deixava um recado bem adulto, carregado de sentido para os dias atuais: na era do domínio dos bytes, quem faz a diferença é quem aperta os botões.

"As pessoas estão se comunicando muito mais entre si. Tem um movimento grande de descentralização, de mudança na forma de distribuição, que não é mais físico, é digital" andiara Petterle
"A revolução que estamos vivendo não é somente tecnológica. É do comportamento humano. Acredito que vivemos uma revolução social." eduardo SIROTSKY melzer
"Com o crescimento do consumo de informações a partir do celular, o modelo de conteúdo pago passa a ser dominante no digital. Todos pagam por apps e conteúdos que têm valor de verdade" andiara petterle
"Sempre tivemos uma imensa responsabilidade com o nosso público, como empresa de comunicação. Mas hoje, com toda a transformação que vivemos, essa responsabilidade aumentou ainda mais." Eduardo Sirotsky Melzer
"A informação nunca foi tão abundante. Mas tudo isso mudou há muito pouco tempo. As pessoas ainda não têm noção completa do que está acontecendo nas redes, estão aprendendo a filtrar." eduardo pellanda
"O smartphone transforma o indivíduo em hiperlocal. Portanto, as empresas de comunicação têm de estar cada vez mais presentes em suas comunidades, junto ao seu público" nelson Sirotsky
"Estar próximo do cidadão, traduzindo seus anseios, questões e dúvidas contribui de forma decisiva para manter esta relação em permanente movimento. E é isso que nos alimenta" carlos henrique schöder
2.0 ECONOMIA
5.0 EDUCAÇÃO
3.0 POLÍTICA
6.0 CULTURA
INÍCIO
1.0 COMUNICAÇÃO
4.0 COMPORTAMENTO

Curadoria

Cláudia Laitano

Design digital

Thais Longaray

Edição

Altair Nobre,

Alexandre Elmi

e Rafael Balsemão

Ilustrações

Gilmar Fraga

Projeto gráfico

Melina Gallo

Imagine um mundo sem celular. Isso mesmo. Tente conceber uma situação hipotética em que, depois de uma longa jornada de uso e esgotamento, esse aparelho móvel e esperto que se transformou em ímã de atenção entrasse em colapso e fosse superado por um dispositivo qualquer. Seduzidos por um novo aparelho – um relógio de pulso com projeções holográficas ou óculos com lentes especiais convertidas em telas –, o que realmente mudaria na forma como as pessoas se comunicam? O que restaria intacto depois da passagem desse furacão provocado pelo período de reinado dos smartphones? Provavelmente, pouca coisa teria mais valor do que a credibilidade e a qualidade do conteúdo jornalístico e de entretenimento.

 

O exercício de futurologia é uma forma de encarar uma questão provocativa: se as tecnologias são irrefreáveis, dinâmicas, e se a história da comunicação consiste, em parte, na história de como elas foram se sucedendo, como pensar o destino da comunicação humana sem se restringir ao dispositivo que está cumprindo o seu período momentâneo de glória? Se a tecnologia sempre muda, o que não muda com as tecnologias?

Essa não é uma pergunta retórica. Respondê-la ajuda a encontrar o que realmente caracteriza o comportamento desta sociedade mergulhada em configurações e dinâmicas determinadas pelo mundo digital.

 

Em primeiro lugar, é preciso compreender uma sociedade que nunca produziu tanta informação como agora, independentemente do dispositivo usado. Claro que tal abundância gera novos comportamentos e interações, característicos de uma sociedade que vive em rede, mas o que movimenta a máquina ainda é o eterno desejo humano de sentir-se próximo, de saber o que ocorre no entorno e de expressar-se. A consultoria norte-americana Domo projeta que 90% dos dados que circulam hoje no planeta tenham sido produzidos nos últimos dois anos. E será assim, vertiginoso, daqui para frente. O número de zeros da quantidade de bytes criados por dia dá uma ideia do tamanho da massa informativa: são 2.500.000.000.000.000.000

(2,5 quintilhões).

 

A cada minuto, conforme a Domo, são feitas 3,6 milhões de pesquisas no Google, assistidos 4,2 milhões de vídeos no YouTube e enviadas 15,2 milhões de mensagens em texto. Você está participando desta revolução, convertido em um tipo de mídia, ao mesmo tempo em que também consome o fluxo da comunicação, que deixa de ser unilateral para ganhar sentidos e direções múltiplos e imprevisíveis. Milhões de aparelhos conectados, sejam eles quais forem, os existentes e os que porventura sejam criados no próximo minuto, turbinam esse novo universo de informação, diversão e participação.

 

A natureza atual da comunicação se converteu em uma conversa, em um diálogo. As pessoas não aceitam mais os fluxos autoritários. Todas as respostas contemporâneas da tecnologia traduzem necessidades elementares e irreversíveis, até mesmo as redes sociais que mobilizam conexão, sentimentos e afinidades. Conforme Andiara Petterle, vice-presidente de Produto e Operações do Grupo RBS, esta nova realidade trouxe oportunidades para a indústria de comunicação fazer o que sabe.

– Por isso o conteúdo de qualidade nunca foi tão importante como é agora, porque as pessoas simplesmente consomem mais informação e precisam separar o joio do trigo – avalia Andiara.

 

Na primeira década dos anos 2000, Dan Gillmor, no livro Nós, os Media, detectou o alcance das mudanças que seriam determinadas pelo fato de que todos, em qualquer lugar, poderiam ter acesso a informações, produzi-las e recebê-las, alterando a lógica com a qual o mundo da comunicação e do jornalismo se acostumara até então. Seria a confirmação da antevisão do artista plástico Andy Warhol. No final dos anos 1960, ele disse que, no futuro, todos teriam direito a 15 minutos de fama. Mas é mais do que isso: é possível dizer que a tecnologia concedeu a todos o direito de atuarem como celebridades e fontes de informação. Não por 15 minutos, mas para sempre e em todo lugar. Gillmor e outros autores sinalizaram a configuração de uma realidade com novos scripts sendo interpretados. “A linha divisória entre produtores e consumidores vai se atenuar, provocando alterações, que só agora começamos a antever, nos papéis de cada um dos grupos. A própria rede de comunicações será um meio para dar voz a qualquer pessoa, não só àqueles que podem investir milhões”, escreveu Gillmor.

 

Tal característica lança um primeiro desafio às empresas que modularam a forma como o jornalismo e o entretenimento foram feitos até aqui: como manter-se atual e buscar ampliar a percepção de relevância diante dos seus públicos?

Trata-se de uma tarefa em que o que está em jogo combina investimentos em qualidade da produção de conteúdo e tecnologia. A resposta mais comum ouvida por quem observa o mercado sinaliza a necessidade de ampliar o vínculo com as comunidades, de gerar informações confiáveis e relevantes, que façam sentido e levem a transformações concretas

no contexto do público.

 

A essência passa a estar na capacidade de ajudar a resolver um problema cotidiano ou no potencial para mudar o curso de um destino. Com a tarefa de liderar o jornalismo e o entretenimento produzidos pelo Grupo RBS, Eduardo Sirotsky Melzer entende que a tecnologia, ao mesmo tempo em que ampliou positivamente a capacidade de expressão e opinião, obrigou os veículos a adotarem uma postura mais rigorosa em defesa da verdade e a investir cada vez mais em qualidade e credibilidade. A tecnologia é apenas uma ferramenta.

– Do jeito em que as pessoas se comunicam e sobre o que elas esperam dessa ação, tanto entre si quanto das empresas que se propõem a oferecer conteúdo, jornalismo ou entretenimento. A tecnologia é uma aliada, mas de nada adianta ter um parque tecnológico, promover a maior inovação e perder a conexão com a essência. No caso da RBS, estamos sempre perseguindo esta combinação. Olhar para o futuro, investir em qualidade e inovação e, ao mesmo tempo, mantermos nossa empresa conectada à essência, estar próximo às pessoas, contribuindo para a evolução da sociedade – destaca Eduardo.

 

Assim, neste cenário de mudanças, um dos valores mais importantes em jogo é o da credibilidade. O debate em torno da confiança ganhou impulso, recentemente, quando as fake news – notícias falsas e boatos que circulam com a velocidade das facilidades contemporâneas de compartilhamento – começaram a preocupar seriamente. O tema elevou o grau de preocupação a ponto de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter lançado, em março de 2017, um alerta sobre a periculosidade da informação mentirosa, apontando-a como um risco global que inclusive ameaçaria a liberdade de expressão e opinião, além de alimentar a hostilidade e atacar reputações.

 

As fake news empurraram para um pântano a expectativa de verdade que deveria nortear a relação dos públicos com as empresas de comunicação. Na recente crise de credibilidade e mentiras que ajudou a eleger Donald Trump presidente dos EUA em 2016, por exemplo, jornais como The New York Times e The Washington Post começaram a recuperar assinantes. O diário nova-iorquino viu sua massa de pagantes crescer em 308 mil adesões no primeiro semestre de 2017.

Foi um sinal de que a audiência pode driblar a sedução do custo zero e decidir pagar por informação de qualidade.

– Esse talvez seja o melhor modelo de sustentabilidade para o jornalismo do futuro – diz Andiara Petterle.

 

De uma forma geral, há desconfiança no ar, em parte determinada pela saturação de informações. Um dos pontos destacados pelo Digital News Report 2017, produzido pelos observadores do Instituto Reuters, foi justamente o estágio atual da confiança da audiência na mídia pelo mundo. Depois de ouvir 70 mil pessoas, em 36 países, o documento mostra, entre outras conclusões, que a credibilidade das histórias e opiniões distribuídas por redes sociais é menor do que o índice de confiabilidade admitido pelos entrevistados quanto à mídia essencial. Enquanto 24% acreditam que as redes sociais fazem um bom trabalho de separar informação verdadeira da inventada, o percentual das marcas originalmente de rádio, TV e jornal sobe para 40%.

 

 – É sensacional que a tecnologia proporcione que as pessoas tenham voz, possam se manifestar, falar das suas visões. Sempre tivemos uma imensa responsabilidade com o nosso público, como empresa de comunicação. Mas hoje, com toda a transformação que vivemos, essa responsabilidade aumentou ainda mais. Nossos consumidores têm a expectativa de que os veículos de comunicação sérios e comprometidos com a atividade possam cumprir o papel de certificadores. Nós trabalhamos incansavelmente para cumprir essa missão. A liberdade de expressão e a imprensa livre são alicerces da democracia, cada vez mais imprescindíveis – reforça Eduardo Sirotsky Melzer.

 

O Digital News Report procurou descobrir a que os entrevistados atribuem essa erosão da confiança. “A combinação de falta de regras e algoritmos virais encoraja a baixa qualidade e faz com que as notícias falsas se espalhem rapidamente”, interpretam os pesquisadores no texto, sinalizando que a audiência tem uma percepção sobre os fenômenos de comunicação. Para o pesquisador de tecnologia e comunicação Eduardo Pellanda, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), esta abundância de informação ampliou a necessidade de curadoria, ou seja, a existência de camadas de certificação que dissipem dúvidas e mentiras.

À medida que há um volume sufocante de informações nas redes sociais, na maioria das vezes, as pessoas escolhem suas “fontes” – os amigos, por afinidade. Os algoritmos também selecionam o que a pessoa irá receber na sua timeline com base em suas curtidas e escolhas prévias. Esses dois efeitos geram uma contradição à abundância, pois criam um círculo tendencioso no qual o indivíduo acaba vivendo numa espécie de bolha originada pelas suas próprias escolhas. Percebe-se a importância do jornalismo e da curadoria que as empresas de mídia precisam exercer.

 

Embora a tecnologia seja volátil e ainda possa mudar muito daqui para frente, é importante entender como o fenômeno da comunicação se processa e ainda fará sentido a partir do celular. Tudo ainda é muito recente. Há apenas 10 anos, o iPhone era lançado por Steve Jobs como um marco na linha do tempo da comunicação e da relação dos usuários com a informação. Seja em aparelhos mais simples ou nos sofisticados smartphones, o fato é que os números desta arrancada do celular como epicentro da comunicação contemporânea são impressionantes. No Brasil, ao final do mês de julho de 2017, por exemplo, conforme dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), eram 242,1 milhões de linhas de celulares habilitadas, o que significa mais de uma por habitante. A abrangência atual é o dobro da que existia em 2007.

 

A tela do celular é porta de entrada para todo e qualquer tipo de conteúdo. Tornou-se símbolo da diluição de fronteiras entre plataformas e linguagens, porque os aparelhos móveis concentram uma longa evolução técnica das plataformas anteriores.  O conceito de remediação, aprimorado por Richard Grusin e David Bolter, é uma chave para decifrar o atual entrecruzamento de mídias. A ideia central é que um meio não nasce do zero: sempre se aproveita dos anteriores para configurar a sua lógica. Assim como os jornais foram lidos ao vivo nas rádios, as primeiras transmissões de TV imitavam os programas radiofônicos. Na tela do celular, o espetáculo e a mistura apenas ganham uma dimensão ampliada de tempo e lugar, em função da mobilidade.

 

– Até a internet, a remediação acontecia de uma forma mais linear. Na década de 1990, a internet chegou com a possibilidade de usar as linguagens existentes e ampliar a distribuição. Como a internet é mais móvel do que fixa, hoje a mídia está todo o tempo com a pessoa – pontua Pellanda.

 

Conforme o Comitê Gestor da Internet no Brasil, em 2015 o celular virou o jogo e assumiu a dianteira como entrada na internet no país.

A Pesquisa sobre o Uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios Brasileiros mostrou que 89% dos usuários acessam a rede pelo celular, enquanto 65% se valem de um dispositivo fixo. Em 2014, as posições estavam invertidas: 80% ingressavam pelo computador, e 76% pelo celular. O documento alerta: os smartphones se tornaram o único dispositivo de acesso para uma parcela expressiva dos conectados no país. Eram 35% em 2015, contra 19% em 2014, quase o dobro em um ano. Nelson Pacheco Sirotsky, presidente do Grupo RBS entre 1991 e 2012, acionista da empresa e filho do fundador, Maurício Sirotsky Sobrinho, entende como indispensável reafirmar os vínculos com a audiência para continuar fazendo sentido a uma audiência conectada:

– É seu papel criar conteúdo local de qualidade e ser a plataforma que conecte as pessoas ao mundo

já interconectado.

 

Apesar do contexto de multiplicidade e diversidade de plataformas e dispositivos, a TV ainda é o veículo mais assistido pelo brasileiro, impulsionada pelo avanço dos serviços de streaming como Netflix e pela popularização do YouTube. O fenômeno ocorre mesmo diante de toda a fragmentação e segmentação que veio a reboque da tecnologia.

Números de outro levantamento, a Pesquisa Brasileira de Mídia de 2016, indicam que o contingente dos brasileiros que admitem assistir à TV diariamente cresce a cada ano. Em 2014, 65% dos entrevistados disseram que paravam para consumir TV nos sete dias da semana. Este mesmo grupo subiu para 77% no levantamento de 2016. Em dois anos, como a presença da internet se ampliou nos lares brasileiros, é bem provável que a população esteja mesmo mais à frente da TV, mas de um jeito diferente. Flávio Porcello, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), reconhece o predomínio da televisão e entende que o celular sacramentou a navegação multitelas para um segmento específico.

 

– Há o segmento que vê TV em multitelas, mas a TV convencional  continua forte. Ela é a única fonte de informação para uma significativa parcela do povo brasileiro. A TV é o veículo de maior penetração e influência – explica Porcello.

 

A internet, por sua própria característica técnica de descentralização e fragmentação da audiência, propagou outras formas de consumir e, principalmente, produzir imagens em movimento.

 

O YouTube é o epicentro do terremoto que sacudiu as bases da relação do público com as telas. No YouTube, um clipe como o da música Na Sua Cara, parceria entre Anitta e Pabllo Vittar, alcançou 15 milhões de visualizações em menos de 24 horas, sendo o vídeo que mais rapidamente rompeu a marca de 1 milhão de

views na plataforma.

 

A TV chega ao celular ao mesmo tempo em que o celular renova a TV. Esse é o jogo da era digital. É possível imaginar que as TVs aberta e fechada saiam revigoradas, como novas possibilidades de interação e distribuição. Uma emissora como a Rede Globo mobiliza 100 milhões de espectadores em um dia. Conforme o diretor geral da Rede Globo de Televisão, Carlos Henrique Schröder, as mídias crescem sem que se perca a força da TV aberta e gratuita. A receita é apostar na relevância do conteúdo como ingrediente para garantir a preferência do público.

Da mesma forma, a mídia rádio se vale da banda larga de internet no celular para amplificar o seu alcance e reafirmar uma característica tão atual como ouvir um podcast: a possibilidade de fazer duas coisas ao mesmo tempo. Desde que reunia as famílias nas salas das casas até pouco mais da metade do século passado, até os aplicativos no celular, o rádio cumpriu uma trajetória de proximidade e mobilidade que segue fazendo sentido no universo da informação e do entretenimento. Luiz Artur Ferraretto, pesquisador do Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS, encontra uma sintonia fina entre o rádio e a lógica afetiva de funcionamento das redes sociais.

 

– A rádio é uma rede social ao natural, pois o comunicador está próximo da audiência, e a rede social interage muito bem com a rádio falada. A rádio orienta, informa e permite que se faça duas coisas ao mesmo tempo, como as redes sociais – explica Ferraretto.

 

Essa afinidade apontada por Ferraretto não nega a necessidade de adaptação das marcas tradicionais, pois elas seguem desafiadas em função da tecnologia que aponta inexoravelmente para a convergência, para a segmentação em nichos e podcasts e para a mudança de hábitos de audição, sobretudo de música. Tanto quanto em outros momentos da História, a indústria do rádio vive a urgência de mover-se para seguir encantando. A novidade está na velocidade com que deve se deslocar. O fato é que a indústria da mídia, de maneira geral, busca encontrar uma forma

de seguir relevante em um ecossistema diversificado.

As redes sociais tornaram o ambiente mais complexo e competitivo. Também lançaram desafios. O primeiro é o da sobrevivência dos negócios de comunicação, tradicionais ou nativos digitais. Não há respostas prontas. Conteúdo de qualidade, seja entretenimento, seja jornalismo, custa caro. Como consequência da dispersão da audiência, o mix de investimento publicitário vem se deslocando. Marcas também passaram a apostar nas suas próprias mídias ou a investir em influenciadores digitais, aqueles perfis e canais que prometem estabelecer com o público um tipo ímpar de relação, mais íntima e recíproca. Para as marcas, fica o desafio de gerir sua credibilidade em meio a um ambiente aberto.

Para as plataformas, a criação de um ambiente seguro, qualificado e com métricas confiáveis.

 

Além de exigir uma atitude de maior vigilância e rigor por parte da mídia – que também deve redobrar seus compromissos com práticas ligadas à diversidade e à transparência –, a avalanche de fake news, em algum momento, convocará a sociedade a também lutar contra as inverdades, muitas vezes produzidas e disseminadas por uma indústria sombria e pirata que corrói reputações e alimenta ódios. É possível acreditar que, no futuro, o cidadão cauteloso possa agir como agente sadio do ambiente informativo, praticando procedimentos de fact-checking e sendo educado para a mídia. No livro Notícias, o pensador Alain de Botton lamenta que, mesmo a mídia tendo se transformado no maior transmissor de conhecimento durante a vida de quem chega à idade adulta – muito mais do que as escolas –, a população seja pouco informada sobre os seus mecanismos de funcionamento.

 

Redes sociais apaixonadas travam uma batalha ideológica sem fim em que os dois lados estão certos e errados ao mesmo tempo. A primeira vítima acaba sendo a verdade. A segunda, a confiança, minada por excesso de informação e carência de significados. Hoje, as fontes com confiança são muitas e dispersas: um único jornalista ou apresentador não consegue mais ditar o ritmo e a direção da conversação pública, o que é positivo, embora a cacofonia alimente uma sensação de desorientação. Tal situação de perda de credibilidade, quando já não há certeza a respeito da informação em que acreditar, é vista pelo presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, como um

risco à democracia.

 

No futuro, a inteligência artificial e seus desdobramentos, como a capacidade das máquinas de aprenderem a tomar decisões a partir de dados e rotinas, devem incidir sobre a comunicação, intensificando o velho e tenso debate entre o homem e a máquina. O imaginário sobre o futuro do jornalismo e da comunicação sempre alimentou a imagem sedutora do avanço progressivo e irreversível da tecnologia e da automação, como vemos agora. Em 1973, o Manual do Peninha, lançado pela Disney para revelar às crianças como funcionava a indústria da informação, projetava o que chegaria em seguida: “No futuro, um cérebro eletrônico poderá editar um jornal ou uma revista”.

 

O divertido manual do personagem, reeditado em 2017, também fazia um alerta. “Se você é candidato a repórter, não se preocupe: por mais aperfeiçoadas que sejam, as máquinas não podem fazer tudo no jornalismo e haverá sempre a necessidade da ‘cuca’ de um bom jornalista para colher, escrever e analisar os fatos”, ponderava. Lúdico, escrito para informar o público infantil, o manual deixava um recado bem adulto, carregado de sentido para os dias atuais: na era do domínio dos bytes, quem faz a diferença é quem aperta os botões.

a aventura de todos nós por Alexandre Elmi
"as pessoas estão se comunicando muito mais entre si. tem um movimento grande de descentralização, de mudança na forma de distribuição, que não é mais físico, é digital" andiara petterle
"a revolução que estamos vivendo não é somente tecnológica. é do comportamento humano. acredito que vivemos uma revolução social" eduardo sirotsky melzer
"com o crescimento do consumo de informações a partir do celular, o modelo de conteúdo pago passa a ser dominante no digital. todos pagam por apps e conteúdos que tem valor de verdade" andiara petterle
"a informação nunca foi tão abundante. mas tudo isso mudou há muito pouco tempo. as pessoas ainda não tem noção completa do que está acontecendo nas redes, estão aprendendo a filtrar. as pessoas não são jornalistas, não tem a mesma responsabilidade com a repercussão" eduardo pellanda
"o smartphone transforma o indivíduo em hiperlocal. portanto as empresas de comunicação têm de estar cada vez mais presentes em suas comunidades, junto ao seu público" nelson sirotsky
"estar próximo do cidadão, traduzindo seus anseios, questões e dúvidas contribui de forma decisiva para manter esta relação em permanente movimento. e é isso que nos alimenta" Carlos Henrique Schröder
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