A pandemia de coronavírus bagunçou o mercado de trabalho. Mas se diversos setores entraram em retração, surgiram brechas de crescimento para outros. E a tendência, segundo especialistas, é de que 2021 consolide áreas que despontaram como fundamentais no ano passado. A expectativa é de que vagas relacionadas aos campos de tecnologia da informação, logística, saúde, biotecnologia, finanças, marketing, entre outros, cresçam ainda mais no cenário nacional, afirmam especialistas em recursos humanos.
Outra que desponta é a construção civil, que por estar bem aquecida tem demandado mão de obra, conforme levantamento do Banco Nacional de Empregos (BNE), que mapeou mais de 47 mil vagas inscritas no site de cadastro de currículos e vagas de empregos abrangidas em todas as áreas.
Paulo Sardinha, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), afirma que a era da informação aumentou a velocidade de transformação do mundo. Os ciclos de início e término dos processos são cada vez mais rápidos e que, por isso, é mais válido pensar em áreas de atuação promissoras do que em profissões:
— Qualquer pessoa que esteja trabalhando ou em busca de um emprego, hoje, precisa pensar como a tecnologia impacta a função que ela exerce. Uma vez feito isso, você precisa se familiarizar com essa novidade e estudá-la, porque a tecnologia vai mudar sua forma de trabalho. E a profissão exercida agora, daqui três ou quatro anos, será completamente diferente. Ela será outra dentro da mesma área de atuação. Por isso, é preciso estudar sempre, manter-se atualizado e fortalecer suas habilidades.
A atualização constante é algo que faz parte da agenda da desenvolvedora de software Ana Bragança, 29 anos, moradora de Porto Alegre. Todos os dias ela depara com um novo desafio no trabalho e diz para si mesma: não sei fazer, mas preciso descobrir.
— A gente aprende a aprender. Para evoluir na carreira, é preciso estar sempre estudando, esse é o ônus da profissão. Porque a gente já trabalha muitas horas por dia e ainda precisa estar atualizado. O bom é que existem muitas plataformas de cursos que ajudam nesse processo.
O bônus da profissão são as oportunidades que surgem. Ana veio de Goiânia (GO) para trabalhar no escritório de uma multinacional do ramo do software em Porto Alegre. Ano passado, ela recebeu uma proposta mais atraente de uma empresa de São Paulo, que está migrando para o sistema 100% remoto, e aceitou.
— Semanalmente, eu recebo mensagens de recrutadores no LinkedIn. Como não estou no início de carreira e tenho um certo nível de senioridade, as propostas que chegam a mim são interessantes e, naturalmente, vão ficando melhores. Só que, agora, está tendo um boom. Em razão da pandemia, o mercado entendeu que é muito dependente da tecnologia para que as empresas continuem funcionando. As companhias de software cresceram em demanda e passaram a sair em busca de mais desenvolvedores — analisa Ana.
A profissional aponta o site Developer Roadmap para capacitação. Sardinha destaca que plataformas como Coursera e Udemy oferecem centenas de cursos livres de curta duração, gratuitos ou com preço acessível, que auxiliam no aperfeiçoamento profissional.
Mercado à procura de profissionais da TI
Atuante na área de TI desde 2009, o desenvolvedor de software Lucas Cunha, 30 anos, residente em Farroupilha, na Serra, trabalha na área pública estadual desde 2013. Contudo, o assédio de outras empresas é frequente. Ele relata que, em 2017, começou a receber ofertas de companhias de fora do Brasil, seja para trabalhar no sistema de home office ou com realocação. Uma dessas oportunidades era de uma com sede na Argentina, que prestava serviço para empresas nos EUA – com pagamento em dólar.
— Todas as oportunidades que recebo hoje vem pelo LinkedIn. Só no ano de 2020, tive mais de 20 mensagens de empresas de RH, especializadas em tecnologia, me procurando com vagas para a minha área. Desde o início da pandemia, vejo que a procura por realocação no Exterior diminuiu, porém continua bombando para home office — observa.
Uma das mais recentes propostas que ele recebeu oferecia salário de R$ 12 mil, plano de saúde, gympass (serviço que permite o acesso a academias em todo o país e no mundo por meio de uma assinatura mensal), vale-refeição ou alimentação de quase RS 1 mil, e a participação nos lucros da empresa poderia chegar até quatro salários por ano, diz Cunha:
— Acredito que a quantidade de benefícios oferecidos expõe a dificuldade em encontrar pessoas qualificadas para ocupar estas vagas. O mercado está tão necessitado de profissionais que acrescenta uma série de benefícios que nem a área pública consegue mais competir.
Pandemia reforçou a dependência pela prestação de serviços
Moisés Waismann, coordenador do Observatório Unilasalle: Trabalho, Gestão e Políticas Públicas, pontua que a pandemia trouxe de arrasto a aceleração da automatização e informatização de empresas.
— Aqueles que não investiram nisso sucumbiram. Por isso a gente está tão dependente de suporte técnico e de uma boa cadeia logística. Sem esses pilares, nada teria sobrevivido a 2020 e nada sobreviverá em 2021. Por isso, o mercado está atrás de pessoas que façam logística e entrega, que estejam aptas a informatizar sistemas, de profissionais da saúde, já que ainda vivemos uma pandemia. Um adendo é que ainda precisaremos muito de médicos, enfermeiros, dentistas, porque a população do Brasil é velha e carece de cuidados. Desponta ainda o setor da construção civil. Ele está aquecido agora, mas a expectativa é de que ele esfrie, caso o poder público não faça grandes obras — afirma.
Waismann acredita que a demanda por profissionais da construção esteja em alta, neste momento, porque as pessoas passaram a rearranjar suas casas, a abrir espaço para criar um local de trabalho apropriado em casa. Contudo, segundo, ele, essas contratações são de curto prazo.
A psicóloga Luciane Salgado, sócia da empresa Solucionare RH e da CTRL4TIME Software de RH, destaca ainda que o setor de biotecnologia e finanças também estão em busca de profissionais:
— Já temos a vacina, mas ainda vivemos a busca por medicamentos que atuem, por exemplo, na redução dos sintomas da covid e de tantas outras doenças que ainda existem. Os pesquisadores de biotecnologia são desejados para poderem dar um gás nestes estudos. Além disso, percebemos que as empresas que não tinham um planejamento financeiro consistente sucumbiram no ano passado. As companhias e pequenos negócios querem se precaver em 2021. Aí, entram os analistas e consultores financeiros.
Trabalho remoto pode ter adaptações, mas veio para ficar
Luciane aponta também que o trabalho remoto será mais fortalecido. A projeção é de que os gestores determinem dias específicos para que os colaboradores compareçam à empresa, mas que a maioria dos funcionários deve seguir trabalhando de casa. Ela ressalta, contudo, que isso requer organização e uma comunicação afiada entre o gestor e o empregado.
— Dentro deste contexto de trabalho, o colaborador precisa ser proativo, ter um bom autogerenciamento do tempo e estar comprometido com as entregas. Por outro lado, o chefe precisa aprender a delegar, confiar, acompanhar a tarefa e se comunicar bem para evitar ruídos no momento da entrega da tarefa. É importante também dar feedback diário. Apontar o que pode ser melhorado e o que foi bom — diz.
Veja quais são as apostas de áreas de atuação para 2021, segundo os especialistas Sardinha e Luciane
Tecnologia da informação (TI) - O setor compreende um conjunto de atividades e soluções que buscam produzir, armazenar, transmitir, promover o acesso, a segurança e o uso das informações. Dentro desta área, existe a figura do programador. Esse profissional recebe em média, no Estado, R$ 4.410, sendo o teto de R$ 8.520. Para atuar no setor, é preciso estudar um dos seguintes cursos: Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Sistemas da Informação, Engenharia da Computação ou Ciências da Computação.
Finanças - O profissional desta área atuará na tesouraria, no controle das contas a pagar e a receber, na contabilidade, no planejamento, na gestão dos impostos etc. Um gerente administrativo e financeiro, da Capital, ganha entre R$ 3.970 e R$ 10.745 sendo que a média salarial fica na faixa de R$ 4.350 para uma jornada de trabalho de 43 horas semanais. Aqueles formados em Economia, Administração e Ciências Contábeis estão aptos a exercer essa profissão.
Construção civil – O profissional deste ramo precisa saber executar trabalhos em alvenaria, concreto, entre outros materiais. Um pedreiro de reforma geral, de Porto Alegre, recebe entre R$ 1.495 e R$ 2.180, sendo que a média salarial fica em torno de R$ 1.640 para uma jornada de trabalho de 44 horas semanais. Para atuar no setor, é preciso saber consultar plantas, realizar marcações em um terreno de uma obra e ter conhecimento dos tipos de materiais e equipamentos disponíveis no mercado para executar uma obra.
Logística - Um entregador da Capital ganha entre R$ 1.540 e R$ 2.465, sendo que a média salarial fica na faixa dos R$ 1.690 para uma jornada de trabalho de 43 horas semanais. Para exercer essa função, é preciso ter carteira de motorista de carro ou moto.
Indústria - Um destaque da indústria fica para o operador de empilhadeira. Esse trabalhador, de Porto Alegre, ganha entre R$ 1.530 e R$ 2.365, sendo que a média salarial fica em R$ 1.675 para uma jornada de trabalho de 43 horas semanais.
Saúde - Com ampla área de atuação, um dos profissionais que ganharam bastante relevância, do ano passado para cá, foram os enfermeiros. Para atuar nos cuidados dos pacientes, um enfermeiro, na Capital, recebe entre R$ 3.230 e R$ 6.495, sendo que a média salarial fica em torno de R$ 3.536,61 para uma jornada de trabalho de 37 horas semanais.
Marketing – Com foco na análise de dados, o marketing também ganha destaque como ferramenta de estratégias das empresas. Um analista de marketing, orientado a dados, ganha entre R$ 3.555 e R$ 8.010, em Porto Alegre. Nota-se que a média salarial fica em R$ 3.895 para uma jornada de trabalho de 42 horas semanais.