Uma declaração do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, à colunista Carolina Bahia na quinta-feira (2) colocou mais tensão na relação do governo com as instituições federais de Ensino Superior. Em meio ainda à repercussão sobre o corte de 30% no orçamento das federais, anunciado pelo Ministério da Educação, Lorenzoni afirmou que a decisão é uma questão de qualidade do gasto e que, para ele, uma universidade particular é muito mais eficiente do que uma federal.
Especialistas ouvidos por GaúchaZH divergiram sobre a posição manifestada pelo ministro, que comparou a Universidade Federal de Sergipe (UFS) com a Universidade Tiradentes, do mesmo Estado. O economista e pesquisador em Educação Cláudio de Moura e Castro, que lecionou em universidades como Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Fundação Getúlio Vargas, Universidade de Brasília (UnB) e Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, não tem dúvida em ratificar a fala do titular da Casa Civil.
— O ensino das federais no Brasil tem o mesmo custo que a média das universidades da Europa, só que não com a mesma qualidade. E é muito caro porque é concebido como se todas as instituições e todos os professores fossem dedicados à pesquisa. Isso não existe em lugar nenhum do mundo — diz o educador.
Castro aponta a remuneração dos docentes como um ponto decisivo. Haveria excesso de professores contratados para atuar em período integral.
O ensino das federais no Brasil tem o mesmo custo que a média das universidades da Europa, só que não com a mesma qualidade. E é muito caro porque é concebido como se todas as instituições e todos os professores fossem dedicados à pesquisa.
CLÁUDIO DE MOURA E CASTRO
Economista e pesquisador em Educação
— Contrata-se doutores em tempo integral para todas as posições. São contratados para 40 horas e se dedicam 12 horas por semana, 20 horas se considerarmos correção de provas e planejamento de aulas. E o resto do tempo? Não ficam lá na universidade! — afirma.
Com relação às particulares, um outro cenário seria a resposta para a maior eficiência:
— As instituições particulares contratam os poucos professores que, de fato, farão pesquisa. E também somente aqueles necessários para as horas de aula.
Comparação seria descabida
Já para o doutor em Educação e pós-doutor em Sociologia Gregório Grisa, o problema começa na comparação feita pelo ministro.
— A gestão privada tem características distintas da gestão pública. Por isso, me parece um tanto descabida essa relação. Antes de tentar fazer isso, seria preciso uma série de distinções que, por si só, já inviabilizam essa comparação — afirma Grisa, também professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS).
A gestão privada tem características distintas da pública. Por isso, me parece um tanto descabida essa relação. Antes de tentar fazer isso, seria preciso uma série de distinções que, por si só, já inviabilizam essa comparação
GREGÓRIO GRISA
Doutor em Educação e pós-doutor em Sociologia
Ele defende que as federais, naturalmente, têm um corpo docente com dedicação exclusiva muito maior, além de estrutura, como campi, que precisa de maior manutenção. Enquanto isso, as universidades particulares podem focar só em um campo de pesquisa. Mas, feitas essas considerações, o educador aponta que o melhor critério para analisar as instituições seriam os atuais rankings, tanto do governo federal quanto de outras instituições.
— O IGC (Índice Geral de Cursos) é indicador de qualidade que avalia as instituições de educação superior. E 63% das universidades federais têm índice 4 ou 5, enquanto 65% (sem fins lucrativos) e 69% (com fins lucrativos) das particulares têm índice 3 — disse o especialista.
Ele ainda citou o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação. Grisa citou que as instituições públicas têm 59% dos seus cursos com nota 4 e 5, enquanto as privadas têm apenas 22% nessa faixa. Outro parâmetro citado pelo professor é o Ranking Universitário Folha (RUF), no qual pesquisa e ensino têm peso importante: dois terços das 100 melhores colocadas são públicas. Nessa lista, a UFS está na posição 38, e a Tiradentes está na 84ª colocação.
— Cabe dizer que há muito espaço para aprimorar a eficiência na gestão das universidades públicas, aperfeiçoar critérios de avaliação docente, entre outros — defende o docente.
UFS contesta números
Onyx Lorenzoni disse que a Tiradentes tem 28 mil alunos, 240 doutores, quatro mestrados nota 5, quatro doutorados nota 5 – concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que vai de 1 a 7 – e orçamento anual de R$ 310 milhões. A UFS, afirmou ele, teria mesmos 28 mil alunos, 1,5 mil doutores, mas nenhum doutorado ou mestrado nota 5 e orçamento de R$ 980 milhões.
A UFS contestou os dados e, em nota disse que "reitera seu compromisso com a verdade e apela para que fatos dessa natureza não se reproduzam". A federal disse ter 54 programas de pós-graduação, quatro deles com nota 5. Já os recursos destinados ao funcionamento dos 113 cursos de graduação, 70 de pós e à assistência estudantil para 2019 somam pouco mais de R$ 100 milhões, segundo a federal.
Sobre o orçamento anual, a Tiradentes, também por meio de nota, disse ser "dever de sua gestão o sigilo sobre estes dados". Sobre os demais dados, apenas a correção sobre o número de doutorados nota 5: cinco, e não quatro. No resto, a instituição privada destacou a importância da UFS, dizendo que "a Universidade Tiradentes e a UFS têm diversos pontos em comum e parceiras de longa data, desenvolvendo ciência com excelência".