A inadimplência apresenta sinais de descompressão em Porto Alegre. O percentual de famílias com contas em atraso caiu para 36,1% em março na Capital. Essa é a quinta queda seguida no indicador, mostrando descolamento dos patamares mais elevados observados no ano passado. Esse é o menor nível para um mês de março desde 2022 (35,3%) e repete o percentual observado em dezembro daquele ano. Os dados são de pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e divulgado pela Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS). Desinflação, juro menor e mercado de trabalho firme ajudam a entender essa retração, segundo especialistas.
Além do recuo ante o mês anterior, o indicador também mostra queda na comparação com o mesmo período do ano passado. Em fevereiro, o percentual de famílias inadimplentes em Porto Alegre ficou em 37,7%. Já em março de 2023, a fatia era de 41,4% (veja no gráfico). O levantamento apura dados nas capitais do país. No Estado, o estudo é realizado apenas com famílias de Porto Alegre, mas é analisado como retrato de todo o Rio Grande do Sul.
A economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, afirma que a sequência de quedas no grupo de inadimplentes é uma resposta a melhorias no cenário econômico no país. Desde o segundo semestre do ano passado, é registrado um ambiente com menos pressões no orçamento das famílias, que ajuda nesse processo, segundo a economista:
— A gente vê um cenário mais favorável para o pagamento de dívidas. Tem o mercado de trabalho, salários reais crescendo, inflação sob controle, uma taxa de juro menor, um crédito expandido para as famílias. Tudo isso ajuda a botar as contas em dia.
Patrícia também afirma que o percentual da parcela de renda comprometida com dívidas permanece estável. Na outra ponta, a pesquisa mostra que o percentual de famílias que se considera muito endividada voltou a aumentar. Essa soma de fatores pode indicar que as pessoas estão ficando mais críticas com relação à sua condição de endividamento. Isso reflete em um comportamento de consumo mais cauteloso, com impactos na queda de inadimplência, segundo a economista-chefe.
O professor Maurício Weiss, do Programa de Mestrado Profissional de Economia (PPECO) da UFRGS, também cita uma conjunção de fatores para explicar a diminuição do número de inadimplentes. Além da redução da taxa de desemprego, entram nesse rol aumento em valores de benefícios sociais e no salário mínimo, que fortalecem a renda das famílias, segundo o especialista:
— Teve um aumento da massa salarial e da renda média, que favoreceu a queda da inadimplência.
Programas de renegociação de dívidas
Além das melhorias no ambiente econômico, o governo federal e empresas que oferecem serviços de proteção ao crédito atuaram no âmbito da renegociação de dívidas para tentar reduzir a inadimplência. Lançado em julho do ano passado, o programa Desenrola Brasil foi prorrogado pela segunda vez nos últimos dias, sendo estendido até o dia 20 de maio. A prorrogação vale apenas para a Faixa 1 do Desenrola, destinada a pessoas com renda de até dois salários mínimos ou inscritas no Cadastro Único para Programa Sociais (CadÚnico) do governo federal, e dívidas de até R$ 20 mil. As renegociações para essa categoria começaram em outubro.
O professor Maurício Weiss afirma que programas como esse e feirões são ferramentas importantes para redução da taxa de inadimplência, porque abre espaço dentro do orçamento e incentiva o consumo:
— Tem a queda da inadimplência em si, com a pessoa saindo dessa situação. E, uma vez que o nome fica limpo, a pessoa consegue fazer novos financiamentos e melhorar o fluxo da renda dela, pelo menos no curto prazo.
No entanto, Weiss reforça que essas alternativas sozinhas não teriam efeito robusto. São importantes e ganham força em um ambiente com economia marcada por desinflação, mercado de trabalho estável e juro em trajetória de queda.
Busca por solução
Mesmo em queda, o percentual de lares em situação de inadimplência segue elevado. Diante disso, órgãos que oferecem ajuda a pessoas em situação de superendividamento seguem com papel importante nesse processo. Instituições de ensino e órgãos públicos oferecem esse serviço (veja no quadro abaixo).
Wendy Haddad Carraro, professora do Curso de Ciências Contábeis da UFRGS e coordenadora de programa de extensão em educação financeira na universidade, afirma que a organização é fundamental na busca pela reversão de um quadro de inadimplência. Separar e elencar todas as contas em atraso é um primeiro passo, segundo a professora:
— Se você tiver várias dívidas, avalie em termos financeiros a possibilidade de consolidar em um único empréstimo com uma taxa de juro mais baixa.
Wendy afirma que, mesmo que a pessoa esteja fazendo pagamento de dívidas, é importante ter um dinheiro reservado para emergências, mesmo que a quantia seja pequena. Isso evita sobressaltos no combate à inadimplência, segundo a docente.
O aposentado José Expedito Neves, 75 anos, é uma das pessoas que buscou ajuda para contornar a situação de inadimplência. Morador de Viamão, Neves contou com auxílio da Defensoria Pública para renegociar valores em atraso na conta de luz. O aposentado afirmou que essa orientação foi importante para organizar as contas do mês. No entanto, afirma que ainda é difícil pagar as contas em dia:
— Deu uma pequena folga, mas os preços dos produtos no supermercado continuam altos. Então, ajudou, mas o salário mínimo continua baixo. Não acompanha o resto dos preços.
Próximos meses
O professor da UFRGS afirma que a inadimplência segue com espaço para queda no segundo semestre diante de uma economia ainda em crescimento, mesmo que em patamar mais baixo, o que favorece o mercado de trabalho. Além disso, inflação ainda sob controle e juro mais baixo ajudam a manter essa expectativa, segundo o especialista.
— Essa combinação de fatores deve continuar ajudando no combate à inadimplência. E tem aquela coisa, uma vez que a inadimplência cai e o juro é menor, favorece a tomada de empréstimo com taxas mais baixas — pontua Weiss.
A economista-chefe da Fecomércio também estima cenário com queda no percentual de famílias com contas em atraso nos próximos meses diante de uma conjuntura mais favorável. No entanto, a queda é limitada pela baixa renda média e falta de organização e planejamento financeiro em boa parte dos lares.
Outros destaques da pesquisa
- A parcela que não terá condições de pagar nenhuma parte de suas dívidas em atraso nos próximos 30 dias segue baixo (1,9%). Isso indica que as pessoas têm se esforçado para pagar esses débitos e manter fonte de financiamento, segundo especialistas.
- O indicador de endividamento, que pega também as contas pagas em dia, apresentou queda, ficando em 88,3%, abaixo dos 89,1% registrados em fevereiro e dos 93,1% anotados em março do ano passado. O cartão de crédito (69,3%) segue liderando entre os tipos de dívida, mas mostra recuo ante meses anteriores.
Outras metodologias
Além da Fecomércio, outras instituições e bureaus de crédito apuram índices de inadimplência no Estado e no país. As metodologias variam de acordo com o banco de dados ou levantamento de cada entidade. Em resumo, buscam mostrar o percentual de inadimplentes dentro da população, mas os métodos de coleta são diferentes:
Fecomércio-RS
- O levantamento da Fecomércio-RS tem como base a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), nos últimos 10 dias do mês anterior à divulgação. No Rio Grande do Sul, a apuração é realizada em Porto Alegre com no mínimo 600 famílias na amostra. Para inadimplência, o indicador leva em conta o percentual de famílias com contas em atraso em relação ao total pesquisado. Entram nesse rol dívidas atrasadas relacionadas a cheques pré-datados, cartões de crédito, carnês de loja, empréstimo pessoal, compra de imóvel ou prestações de carro e de seguros. O indicador não dispõe de valores em atraso.
CDL POA
- A Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA) também apura índice de inadimplência dos consumidores. Desde fevereiro de 2022, o indicador da entidade mostra dados de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. O levantamento coleta dados da base do SCPC da Equifax/Boa Vista e mostra a parcela de pessoas físicas adultas com algum tipo de restrição de crédito, cheque ou protesto. A metodologia do indicador considera qualquer restrição nesse sentido, sem levar em conta o valor dessa dívida e nem o tempo de duração do atraso.
Serasa
- O Indicador da Serasa Experian levanta a quantidade de consumidores com pelo menos um compromisso financeiro vencido e não pago e que, por isso, tiveram o seu CPF incluído na base de dados da entidade. Com base nesses dados, a Serasa mostra os valores médios das dívidas e a quantidade de pessoas que estão nessa situação de dívidas em atraso. Além do recorte nacional, essa pesquisa também mostra dados do Estado e da Capital.
Dicas para organizar as contas
- Wendy Haddad Carraro, professora do Curso de Ciências Contábeis da UFRGS e coordenadora de programa de extensão em educação financeira na universidade, recomenda:
- Na impossibilidade de pagar a dívida, tente negociar com os credores novos prazos e com parcelas que caibam no seu orçamento.
- Antes de negociar a dívida, coloque todas suas contas no papel. É importante saber quanto você pode pagar mensalmente.
- Priorize as contas com valores mais altos em um cenário onde não é possível quitar tudo. Dívidas mais caras tendem a ter juros maiores.
- Analise se é interessante contrair novo empréstimo com juros menores para quitar dívida atual com parcelas maiores e taxas mais altas.
- Evite o atraso no pagamento e o pagamento mínimo da fatura do cartão de crédito, pois isso gera juros mais elevados.
- Se possível, não use o cheque especial, que tem juros muito elevados. Em casos especiais, tente aproveitar os dias sem custo financeiro.
- Procure ajuda de órgãos que oferecem ajuda para negociação de dívidas e de programas do governo que contam com essa ação.
Onde buscar ajuda
Câmara de conciliação cível – Defensoria Pública
Presta apoio a cidadãos que buscam negociar e quitar dívidas sem a necessidade de processo judicial. O serviço é gratuito. Casos de superendividamento também podem ser atendidos no local.
- Local: Rua Múcio Teixeira, 110, sala 505. O ideal é contatar via telefone ou e-mail para agendamento antes de ir ao local, para evitar filas.
- Contato: telefones (51) 2126-3045 e (51) 2126-3047 e e-mail nomelimpo@defensoria.rs.def.br.
Balcão do consumidor – UFRGS
Serviço gratuito busca auxiliar pessoas no âmbito de questões ligadas ao direito do consumidor e de negociação de dívidas sem a necessidade de judicialização.
- Local: entrada da Biblioteca da ONU, no andar térreo da Faculdade de Direito, na Avenida João Pessoa, 80, no Centro Histórico da Capital.
- O serviço é oferecido às quartas-feiras, das 14h às 18h30min.
- Contato: informações e orientações sobre quais documentos levar em cada situação e agendamentos podem ser obtidas por meio do e-mail balcaodoconsumidor@ufrgs.br.
Balcão do consumidor - PUCRS
O serviço, fruto de convênio entre PUCRS e Procon-RS, realiza atendimento aos cidadãos e empresas (na condição de consumidoras) em assuntos envolvendo relação de consumo. Casos de superendividamento também podem ser encaminhados para ajuda no local
- Local: Prédio 8, sala 134 do campus (Avenida Ipiranga, 6681, Porto Alegre). O atendimento é presencial e ocorre toda quarta-feira, entre 11h30min e 13h30min e das 16h às 18h (sempre mediante agendamento por telefone)
- Contato: balcao.consumidor@pucrs.br.
- Telefones: (51) 3353-7887 e (51) 3353-7889