Olhos e ouvidos do planeta estão voltados para Glasgow, na Escócia, onde lideranças mundiais se reúnem até o dia 12 para reavaliar os compromissos com a preservação ambiental e o enfrentamento da crise climática, durante a 26ª Conferência do Clima, a COP26. É o primeiro encontro internacional sobre a temática após o início da pandemia.
Entre as expectativas, a principal é a adoção de estratégias para diminuir as emissões de gases do efeito estufa (GEE), ajudando a limitar em até 1,5ºC o aumento da temperatura global. O compromisso foi assumido por 191 países no Acordo de Paris, em 2015.
Enquanto os governos buscam soluções, a iniciativa privada avança sobre a mesma pauta. E a pandemia lançou novos holofotes sobre a agenda. Em 2019, a organização Global Justice Now, por exemplo, identificou que entre as cem maiores economias do mundo, 69% são corporações privadas.
De acordo com Andrea Pampanelli, doutora em sustentabilidade pela UFRGS e pela universidade de Cardiff, na Inglaterra, o papel das empresas ganhou relevância na temática. Agora, diz, "falhas ambientais" são também consideradas "prejuízos financeiros". Por isso, alerta: é preciso olhar riscos e oportunidades para dar conta do recado.
— Trabalho há 30 anos na área e vivi para ver a sustentabilidade na mesa principal dos conselhos de gestão. Uma série de empresas de renome se preocupa com estratégias e o tema está no centro da rotina organizacional — resume.
Andrea explica que é a sigla ESG a grande responsável por traduzir as possibilidades no setor produtivo. As três letras sinalizam, de um tempo para cá, o nível de comprometimento com a redução de danos e as boas práticas das atividades. O "E" é o ambiente (environment, na sigla em inglês), o "S" representa a preocupação social e o "G", as diretrizes de governança corporativa.
A pressão do mercado é tamanha que, em 2020, foi lançado o Net Zero, um fundo que reúne 70 gestores e possui mais de US$ 30 trilhões em ativos destinados a promover a chamada economia verde e zerar as emissões de GEE até 2050. Na outra ponta, explica o CEO da Grape ESG, Ricardo Assumpção, existem os consumidores e a transição geracional para adultos mais alinhados com os propósitos sustentáveis. Segundo o especialista, quem não se preparar, no presente, sofrerá o impacto da geração Z (nascidos entre 1995 e 2010), no futuro:
— Em cinco anos, eles serão os gestores e ocuparão posições de liderança nas empresas e fundos de investimento, determinarão onde serão alocados recursos e o que vai ser consumido.
Investimento
Não é por acaso que o maior investimento privado do ano no Rio Grande do Sul é também o mais elevado aporte de que se tem notícia em ESG no Estado. Diretor-geral da CMPC no Brasil, Mauricio Harger comenta que o projeto BioCMPC, prevê R$ 2,75 bilhões em 31 ações que devem tornar a fabricante chilena de celulose, com sede em Guaíba, a mais sustentável do setor no país.
Conforme o executivo, um dos paradigmas a serem quebrados é o que se refere a ações deste tipo como "custos desnecessários". Pelo contrário, diz, as práticas significam, sim, "rentabilidade na veia".
Exemplo disso é a própria CMPC. Ao mitigar riscos mapeados, o cronograma finalizado dará ganhos de desempenho operacional estimados em 18% sobre a capacidade atual de 2 milhões de toneladas, ou seja, o equivalente a 350 mil toneladas adicionais de celulose.
Isso será possível, comenta Harger, com a instalação de equipamentos mais sustentáveis e novos parâmetros em gestão de resíduos, tratamento de efluentes, emissões atmosféricas, sistemas de tratamento de gases e gestão ambiental.
Dentre as ações previstas, uma delas é a revisão do sistema de coleta de gases, tornando-o ainda mais eficaz. Com isso, a CMPC terá um dos melhores sistemas de tratamento de gases do mundo.
Outra medida é o desligamento da caldeira a carvão, que cortará mais de 60% das emissões totais da companhia, após ser substituída por uma abastecida com gás natural. Além disso, a CMPC terá a inclusão de uma nova caldeira de recuperação, que utiliza biomassa no processo produtivo.
Projeto Bússola
Esta reportagem integra a série que o Grupo RBS preparou para a retomada econômica com iniciativa do setor produtivo. Quatro temas fundamentais foram mapeados e serão aprofundados pelo Projeto Bússola, que tem patrocínio do Sebrae: capacitação de profissionais, distribuição e logística, sustentabilidade e novas regras sanitárias. A série será veiculada em GZH, Zero Hora, Rádio Gaúcha, no "Gaúcha +", e RBS TV, no "RBS Notícias".
Harger explica que, no dia a dia da CMPC, há vários outros benefícios associados à prática. Um deles é a captação de recursos. Há um ano, exemplifica, foram emitidas no mercado norte-americano as chamadas debêntures verdes, uma modalidade de captação que gera benefícios e menor custo de financiamento.
— Isso já é vida real. Empresas com as melhores práticas de ESG no mundo têm taxas de financiamento mais barato e mais oferta, porque os investidores entendem que existe menor risco associado. É, sim, uma grande tendência, mas o mercado consumidor é o principal regulador. E, durante a pandemia, percebemos que era preciso rever conceitos. Isso deve ficar como um legado e as empresas, cada vez mais, irão contribuir com a sociedade e o meio ambiente — analisa.
Outro aspecto já colocado em prática é a utilização de hidrovias. Mais de 90% do volume total das exportações da CMPC chegam ao porto de Rio Grande por barcaças, que fazem o trajeto de volta à fábrica trazendo 20% da madeira usada para a nova produção. O sistema elimina 100 mil viagens de caminhões todos os anos das estradas gaúchas. Soma-se a isso as florestas plantadas, que, juntas, capturam em carbono o equivalente a duas vezes a emissão total da frota leve de veículos de Porto Alegre.
ESG nas empresas brasileiras
- Em 2020, houve aumento na pressão exercida nas empresas em relação ao risco causado pelos seus índices não financeiros: o ESG
- Quanto maior o faturamento, mais suscetível a empresa está
- 57% das empresas têm um plano para cortar emissões de gases de efeito estufa de redução de impactos ambientais
- Mas 50% ainda não estão com essas ações estruturadas, principalmente as menores
- As três maiores preocupações das empresas com o impacto de ESG são a retenção de talentos, sua imagem externa e a reputação da empresa e da marca
- 67% consideram que os assuntos relacionados ao ESG têm um grau de importância alto para o futuro e estão dispostas a contribuir com causas ambientais e sociais
- Entre as empresas que adquirem ou têm interesse em adquirir créditos de carbono, a grande predominância é das que apresentam faturamento acima de R$ 100 milhões no ano