O Rio Grande do Sul apresenta o maior déficit previdenciário do país em termos proporcionais. Boletim publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) faz análise das finanças de todos os Estados e demonstra que os gaúchos somam o pior saldo no pagamento de aposentadorias em comparação com a receita ou o tamanho da população. Esse desequilíbrio, que deve se agravar durante os próximos sete anos, é uma das razões para problemas como a queda da capacidade de investimento do Estado – que despencou 54% no ano passado agravada pela crise econômica.
O relatório é a versão definitiva de um estudo preliminar divulgado em maio. O Boletim das Finanças Públicas dos Entes Subnacionais deverá ser publicado anualmente com o objetivo de compor diagnóstico do caixa de todos os Estados e das maiores cidades brasileiras. O primeiro levantamento da STN aponta o Rio Grande do Sul entre as piores regiões examinadas em diferentes quesitos.
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Para cobrir rombo, cada gaúcho teria de dar R$ 675
Um dos indicadores mais preocupantes envolve o déficit da previdência pública estadual. O Tesouro Nacional apurou, com base no Relatório Resumido de Execução Orçamentária, que o gasto superou a arrecadação do sistema em R$ 7,5 bilhões em 2015, o equivalente a 24,6% da receita líquida do Estado. É o maior desequilíbrio registrado no ano passado, seguido por Minas Gerais (20,5%) e Santa Catarina (16,8%). A média nacional ficou em 11%. Fazendo-se a conta per capita, é como se cada cidadão gaúcho tivesse de arcar com R$ 675 para fechar o rombo – novamente o pior resultado no país, à frente do Distrito Federal, com média de R$ 631 per capita.
Como o Piratini precisa transferir dinheiro do caixa para a Previdência, diminui a verba disponível para outras áreas. Uma das consequências disso é a dificuldade para investir.
No ano passado, conforme o relatório da STN, a verba aplicada em melhorias encolheu 54% no Estado. Afetado ainda pela queda de arrecadação decorrente da crise brasileira, o recurso caiu de R$ 1,4 bilhão em 2014 para R$ 648 milhões em 2015.
Medidas de ajuste só devem reduzir rombo após 2023
As razões para esse cenário são antigas e estruturais. Uma é a crescente diferença entre o número de servidores na ativa, que financiam o sistema previdenciário, e o de inativos, que dependem dele. No ano passado, havia 203 mil matrículas de aposentados contra 165 mil de ativos. O perfil dos servidores também influencia na conta, segundo o especialista em finanças públicas Darcy Carvalho dos Santos:
– Temos longevidade maior do que em outros Estados. Além disso, há um número elevado de professores que se aposentam mais cedo, principalmente as mulheres, com 25 anos de contribuição. A média de mulheres no magistério no Brasil é de 83%, mas aqui chega perto de 90%.
Outro fator de pressão sobre a Previdência é o fato de o Rio Grande do Sul ter privilegiado a oferta abrangente de serviço público há mais tempo do que outras regiões do país, o que aumentou o número de servidores e de aposentadorias. Faltou, nas últimas décadas, ajustar o sistema para torná-lo sustentável. O ex-governador Tarso Genro (PT) criou fundo de capitalização com esse objetivo em 2011, e o atual governador, José Ivo Sartori (PMDB), lançou mecanismo de aposentadoria complementar para quem deseja receber acima do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), hoje definido em R$ 5.189,82.
O problema, segundo o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Busatto, é que essas regras valem apenas para os novos servidores e levarão décadas até surtirem o efeito desejado. A expectativa do governo é de que o déficit da Previdência siga aumentando no Estado até 2023, quando somará R$ 9,3 bilhões, para então começar uma suave descida.
– Esse é um problema que nunca se consegue resolver no curto prazo. Teremos um longo caminho pela frente – sustenta Busatto.
Governadores apostam em reforma nacional
Chefes de Executivos estaduais com déficits crescentes no sistema previdenciário, como o Rio Grande do Sul, apostam em mudanças aprovadas pelo Congresso para apressar a recuperação das contas. Mas as possíveis medidas em estudo pela União, como o aumento da idade mínima para aposentadoria, são criticadas por representantes de classe dos servidores públicos.
Nas últimas semanas, governadores e representantes de Estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais vêm tratando com o Planalto sobre propostas de alteração que valham também para os sistemas estaduais. Amanhã, os secretários da Fazenda vão se reunir no Rio de Janeiro para discutir especificamente os déficits previdenciários. O titular da pasta no Estado, Giovani Feltes, estará presente. Uma das ideias que deverá ser debatida é a criação de um fundo nacional capaz de abater os déficits, composto por ativos das unidades federativas.
O funcionalismo estadual pretende combater possíveis itens da reforma em estudo pelo governo federal como a imposição de idade mínima para aposentadoria de policiais militares, que hoje precisam apenas cumprir 30 anos de serviço, para os homens, e 25 anos, para as mulheres. Presidente da Abamf, entidade que reúne servidores de nível médio da Brigada Militar, Leonel Lucas diz que a corporação vem acompanhando o debate nacional sobre o tema e não concorda com quaisquer perdas de direitos.
– Já nos reunimos com o Conselho Nacional de Previdência Social para mostrar que devemos continuar com regime especial porque temos carga horária mais elevada do que outras categorias e enfrentamos mais riscos – observa Lucas.
A União aguarda as definições dos governos estaduais para finalizar proposta de reforma da Previdência e encaminhá-la ao Congresso.
Rombo total do Estado deve ficar em R$ 1,5 bi
As estimativas mais recentes da Secretaria Estadual da Fazenda apontam que o Rio Grande do Sul deverá terminar este ano com déficit total de cerca de R$ 1,5 bilhão. É um valor menor do que chegou a ser anunciado em outras oportunidades, já que fatores como a renegociação da dívida com a União e a venda da folha do funcionalismo ao Banrisul ajudaram a aliviar um pouco as finanças. Segundo o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Busatto, a renegociação deu fôlego de R$ 2 bilhões às contas, e a venda da folha acrescentou R$ 1,2 bilhão à receita. O valor do Banrisul foi utilizado para quitar o 13º salário dos servidores referente a 2015.
– O recurso da venda da folha caiu na conta em um dia e saiu no outro. Não é algo com que possamos contar de novo – observa Busatto.
Além da pressão exercida pelo déficit da Previdência, no ano passado o Estado também viu aumentarem significativamente as despesas com sentenças judiciais – de R$ 700 milhões em 2014 para R$ 1,29 bilhão em 2015, crescimento de 85%. Esse salto se deve a um maior grau de condenações, mas também se explica, em parte, por uma decisão do Piratini de contabilizar essas decisões judiciais como despesas nas contas públicas.
– A atual gestão fez questão de contabilizar todas as sentenças por uma questão de transparência. Isso nem sempre era feito anteriormente – argumenta o subsecretário.