Os dois polos navais do Rio Grande do Sul vivem momentos opostos. Enquanto no Jacuí, em Charqueadas, o ambiente é de desalento após a transferência da produção de módulos para a China, em Rio Grande o clima é de esperança com a abertura de novas vagas. A projeção do sindicato de trabalhadores é de pelo menos 4 mil novos postos até o final do ano com a retomada das operações do consórcio QGI (Queiroz Galvão e Iesa Óleo e Gás) para montagem das plataformas P-75 e P-77, avaliada em US$ 1,6 bilhão. A expectativa também vem acompanhada de certa cautela, porque, apesar da intenção formalizada em ata na sede da Petrobras, no Rio, no início do mês, até o momento o acordo ainda não foi de fato fechado.
Polos navais no Rio Grande do Sul preparam retomada
As empresas interromperam a construção em fevereiro deste ano por discordâncias no valor de aditivos - um dos reflexos da Operação Lava-Jato nos contratos da estatal. Uma nova licitação ou até transferência para o Exterior chegou a ser cogitada pela diretoria da Petrobras. Se confirmado, o retorno das atividades da QGI nas duas plataformas chega em bom momento e representa uma nova oportunidade de emprego para cerca de mil trabalhadores em Rio Grande, dispensados no último mês pelo estaleiro vizinho, o EGR, da Ecovix. Com a plataforma P-67 praticamente pronta e começando a montagem da P-69, houve a desmobilização de centenas de operários. A fase inicial costuma exigir menos mão de obra.
Marta Sfredo: P-75 e P-77 serão montadas em Rio Grande
A demissão coletiva foi parar na Justiça porque a Ecovix estaria com dificuldades financeiras para pagar os ex-funcionários e teria proposto quitar a rescisão em três parcelas a pelo menos 600 deles. Já houve três reuniões com o sindicato - mediadas por Tribunal Regional do Trabalho e Ministério Público do Trabalho -, ainda sem acordo. Um novo encontro está marcado para hoje à tarde. A empresa não comenta o assunto.
- Estamos na expectativa. Houve promessa de novas vagas, mas precisamos aguardar - afirma Benito Gonçalves, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Rio Grande.
Saída de trabalhadores deixa vazio na Zona Sul
Atualmente com 9 mil empregos diretos, o setor de construção naval de Rio Grande terá uma nova expansão depois de dois anos de encolhimento forte. Em 2013, o número de vagas na região chegou a 18 mil. Com a entrega de encomendas, boa parte dos trabalhadores de fora do Estado que chegaram à cidade para trabalhar nos estaleiros voltou para casa, e o comércio local sentiu o impacto da mudança. Em meses, restaurantes abertos para suprir o aumento de demanda passaram a enfrentar escassez de clientes.
O setor imobiliário também sentiu a mudança. Pedro Gomes, dono de uma das principais imobiliárias da cidade, conta que um apartamento de dois quartos que antes era alugado facilmente por R$ 3 mil, hoje fica vazio se a proposta ao inquilino for superior a R$ 1,5 mil.
- Não é que os preços caíram, só voltaram a ser o que sempre foram. A fase de gente querendo alugar por qualquer preço passou. Muitos proprietários têm dificuldade de entender isso e acabam não alugando, esperando uma supervalorização que não acontecerá - afirma Gomes.
Charqueadas fica com área abandonada
Depois de meses de um naufrágio lento, marcado por tentativas de recuperação e indefinição, o polo naval do Jacuí parece agora ter afundado de vez. Com a transferência de produção de módulos para a China, a Iesa, principal empresa do polo, encerrou as atividades em Charqueadas, deixando apenas alguns poucos funcionários para manutenção de equipamentos. A companhia chegou a gerar mais de mil empregos diretos no município e arredores - no auge, alcançaria 1,5 mil trabalhadores, o que não ocorreu.
A crise financeira do Grupo Inepar, proprietário da Iesa Óleo e Gás, não apenas impediu a conclusão das encomendas feitas pela Petrobras como prejudicou a cadeia produtiva. Fornecedores de menor porte em Charqueadas e em Marau reclamam de calote. Sem o principal cliente, vários fecharam as portas. Sobreviveu quem conseguiu estabelecer contratos com outras empresas, como a Metasa, que atualmente emprega cerca de 400 pessoas.
Pessimismo em relação ao futuro
Conhecido pelo otimismo com que falava sobre o projeto do polo do Jacuí, o prefeito de Charqueadas, Davi Gilmar, adota um tom de descrença e reclama que a Petrobras prejudicou o município:
- Como a Petrobras habilita a Iesa para um consórcio com a Queiroz Galvão em Rio Grande e não permite que eles concluam os módulos aqui na cidade? Por que esse privilégio?
Duas semanas atrás, um requerimento de deputados da bancada gaúcha no Congresso foi encaminhado ao presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, pedindo detalhamento da suspensão de contratos com a Iesa.
- Não houve jogada política. A decisão de encaminhar os módulos para a China foi estratégica. A Petrobras tentou manter a produção no Estado trazendo a Andrade Gutierrez, mas a negociação nunca foi para frente. Eram muitas exigências. Alguma coisa precisava ser feita - conta um empresário que acompanhou as negociações no ano passado.
Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Charqueadas, Jorge Carvalho compartilha da visão pessimista sobre o futuro do polo, mas avalia que a causa do desfecho infeliz foi outra.
- De certo modo, era a crônica da morte anunciada. A Iesa já tinha um histórico de não respeitar legislação. Foi assim em outras cidades, como Macaé (RJ). Quando avisaram que ela viria para cá, foi recebida com certa desconfiança pelos trabalhadores. E, no final das contas, a gente tinha razão - afirma.