Foram tantas as promessas e tamanhas as decepções, acumuladas ao longo dos últimos 26 anos, que os gaúchos relutam em acreditar que algum dia poderão desfrutar da faixa de 2,5 quilômetros do cais de Porto Alegre. Talvez convenha não abandonar o sonho de assistir ao casamento entre a cidade e o Guaíba. Uma prévia poderá ser conferida ao final do ano, para quando está programada a entrega dos armazéns revitalizados. Já o projeto completo deve ficar pronto em quatro anos.
VÍDEO: saiba como será a reforma dos armazéns do Cais Mauá
Quem resolver espiar pela porta do cortinão de concreto chamado Muro Mauá, verá algo diferente. A área do cais é um canteiro de obras: caçambas vão e vêm, retroescavadeiras removem entulhos com os colossais braços mecânicos, operários trabalham na demolição de "puxados" - construções improvisadas - junto aos 11 armazéns erguidos nos anos 1920, sob inspiração francesa.
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Em função das obras, iniciadas em 12 de novembro, não se pode visitar o cais sem autorização prévia. Quem obtiver licença, terá de usar um capacete contra acidentes e só irá circular em locais restritos, devidamente acompanhado. Também não é mais possível zarpar ou atracar com embarcações, de esporte ou turísticas. Raros no passado, os navios cargueiros foram transferidos para mais perto da ponte do Guaíba.
Será que, agora vai? Não será apenas fogo de palha, de curta duração, no calor das obras da Copa? Há outros diferenciais a ponderar, em relação a planos que fracassaram. Quem está tocando a revitalização é uma empresa privada, a Cais Mauá, que reúne empreendedores espanhóis, fluminenses e paulistas. Logo, não haverá dependência de recursos do governo, os quais não apareceram em quase três décadas.
- Não é que o projeto vai dar certo. É preciso que dê certo - ressalta o diretor da Cais Mauá, Andre Albuquerque.
Um ponto a celebrar é que surgiu dinheiro. Ainda pouco, é verdade, considerando-se a envergadura do desafio. São R$ 75 milhões, ou 11% dos R$ 690 milhões necessários para remodelar o porto com torres comerciais, centro de eventos, shopping, marina e passeios.
Projeto foi dividido em três etapas
Albuquerque informa que os R$ 75 milhões representam metade do que será gasto na restauração dos 11 armazéns. Do volume, R$ 1 milhão é de investidores do Rio Grande do Sul - o restante provém do Rio de Janeiro e de São Paulo (veja texto ao lado). Os nomes dos que apostam no cais não podem ser divulgados, por questões de contrato. Mas eles aplicam mediante a promessa de lucrar no futuro com o aluguel das instalações por 25 anos.
- Não tem um real de dinheiro público, é tudo privado - diz Albuquerque.
A Cais Mauá dividiu o projeto em três etapas por estratégia comercial. A primeira será a dos armazéns. Depois virão as fases do shopping (perto da Usina do Gasômetro) e das torres empresariais e de hotel. A expectativa é de que a conclusão dos galpões estilo francês, que serão a laranja de amostra, atraia mais investidores e convença os indecisos.
De posse dos 187 mil metros quadrados da área desde o final de 2011, a Cais Mauá destravou as licenças do patrimônio histórico para mexer nos armazéns. Na segunda-feira passada, a prefeitura da Capital autorizou as obras nas redes de água, luz, gás e esgoto. Se não houver atrasos, a intenção é aprontar dois armazéns até a Copa do Mundo. Os demais seriam entregues no final do ano.
São promessas, por enquanto. Se o cais desencalhar mesmo, os porto-alegrenses só poderão abraçar o Guaíba, plenamente, daqui a quatro anos. É o cenário para o término de todas as obras e todas as construções prevista para às margens do lago.
Participação gaúcha no negócio é acanhada
Talvez ressabiados com 26 anos de promessas descumpridas, investidores gaúchos têm parcela inexpressiva, até o momento, no fundo para remodelar os 11 armazéns do porto da Capital.
Dos R$ 75 milhões captados pela empresa Cais Mauá, somente R$ 1 milhão é daqui. A maioria veio do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Com a experiência de quem se empenha pela realização das obras há 10 anos, o secretário do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades) da prefeitura, Edemar Tutikian, prevê que os gaúchos adotarão a postura de São Tomé. Primeiro ver, para depois crer.
- É o nosso jeito de ser. O gaúcho é assim - diz Tutikian, observando que o projeto é mesmo "complexo e de difícil execução".
Carlos Biedermann, integrante da PricewaterhouseCoopers Auditores Independentes (PwC), admite que as inúmeras "tentativas frustradas" e as dificuldades inerentes ao projeto podem ter inibido os investidores daqui. No entanto, lembra que o "mercado é inteligente" e o surgimento de resultados mudará opiniões.
- É surpreendente que os investidores gaúchos não estejam motivados para um projeto que vai mudar Porto Alegre. Queremos um Rio Grande pujante, que diga sim ao novo e à qualidade de vida - ressalta Biedermann.
Quem está entusiasmado é o Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). A Cais Mauá acertou um convênio para que professores e alunos de arquitetura e outros cursos acompanhem as obras. José Lourenço Degani, professor de design, lembra que a ideia foi do fotógrafo italiano Mariano Dallago, que se encantou com o cais, em 2012. Dallago é professor da rede Laureate, à qual a UniRitter é associada.
- É uma área que faz falta à cidade. Torcemos para que aconteça - afirma José Degani.
INFOGRÁFICO: use o mouse para arrastar a imagem e conheça detalhes sobre o projeto para o Cais Mauá