Quando os potentes alto-falantes da mesquita do Souk (mercado) de Rabat, capital marroquina, retumbam versos Adhan, que convocam à oração, parte dos lojistas parece nem notar. Nas tendas estreitas, apinhadas de calçados, prataria e suvenires, os vendedores usam calculadoras para digitar seu preço e mostrar ao cliente, que faz a contraoferta da mesma forma. O longo vaivém dos números parece acompanhar o andar incessante da clientela pelas ruelas do antigo mercado.
Leia mais:
Marrocos é um país islâmico, mas liberal
Conheça algumas curiosidades sobre o país
O marroquino sabe: o ganha-pão vem em primeiro lugar. Sempre foi assim. Às portas do Mar Mediterrâneo, Marrocos é desde o princípio uma joia para o comércio da região. Romanos, bizantinos, árabes e europeus já marcharam sobre seu território, ambicionando as rotas comerciais, a agricultura farta e a saída rápida aos mares. Mas os tempos mudaram.
Nos últimos 10 anos, o Reino de Marrocos mergulhou em uma profunda mudança em sua economia. Buscou acordos com vizinhos para se tornar mais liberal, passou a estimular a criação de parques tecnológicos e despejou dinheiro na infraestrutura. O passo seguinte é se aproximar de mercados menos tradicionais - e a lupa está sobre o Brasil.
Vídeo: dê um passeio pelo país e saiba mais sobre a sua economia
- Sempre fomos muito dependentes dos investimentos da Europa, mas a crise nos fez perceber como é importante diversificar as relações comerciais - explica Driss Sekkat, gerente de negócios da agência estatal Invest in Morocco.
O governo iniciou uma ofensiva para atrair companhias brasileiras a partir de 2008. Missões empresariais têm sido convidadas a conhecer o país, e uma visita oficial de autoridades marroquinas a São Paulo está confirmada para o primeiro semestre. Marrocos promete acesso facilitado ao mercado Europeu e mão de obra barata, principalmente para fabricantes de autopeças, componentes de aviões e alimentos.
Mas a tarefa não será simples. Hoje, o Brasil corresponde a menos de 1% dos investimentos diretos no Marrocos, e o comércio entre os países envolve especialmente produtos básicos, como açúcar e componentes químicos para fertilizantes. Um acordo de livre comércio desenhado a partir de 2009 não avançou.
- Marrocos é deficitário com os países com os quais tem livre comércio. Ainda que mostre interesse em maior abertura comercial, avançar neste acordo é muito complicado - afirma o embaixador do Brasil no Marrocos, Frederico Duque Estrada Meyer.
Uma muralha tão densa como a que cerca Marrakesh precisa ser atravessada para a aproximação. Sob o domínio dos franceses até 1956, Marrocos tem em suas elites forte influência europeia. Conforme Frederico Berhends, especialista em comércio internacional da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), empresas e consumidores tendem a resistir à chegada de fornecedores e produtos de outros países.
Galeria de fotos: veja mais imagens do Marrocos
Essa influência também é política: quando o rei Mohammed VI anunciou a compra de 24 caças americanos, dispensando aeronaves franceses, há cerca de seis anos, o então presidente Nicolas Sarkozy exigiu explicações com ferocidade. Marrocos resolveu o mal-estar contratando companhias francesas para executar grandes obras de infraestrutura.
Os marroquinos apostam em dados macroeconômicos sólidos para mostrar que podem ser competitivos. As projeções são de que a economia tenha crescido acima de 4% no ano passado - o dobro do esperado para o Brasil -, próximo à média de 4,9% nos últimos cinco anos. A inflação foi de 1,7%. Outra carta na manga é o porto de Tanger, a apenas 14 quilômetros da costa da Espanha. É uma área livre de impostos e com isenções para exportar para a União Europeia.
- Queremos ser para a União Europeia o que o México é para os EUA - afirma Hamid Benbrahim El-Andacussi, presidente da entidade que representa o setor aeroespacial do Marrocos, e está particularmente empenhado em atrair uma fábrica da Embraer.