Cleo Pires ganhou cerca de 20 quilos nos últimos dois anos. Abriu o jogo sobre a aceitação do corpo nas redes sociais, revelou o desafio com os distúrbios alimentares e expôs a relação conturbada com a autoimagem. Só que essa conversa franca não a blindou das críticas: uma parcela dos fãs fez comentários negativos sobre Cleo estar mais gorda e não se encaixar nos padrões de beleza. Agora, o jogo virou – mas nem tanto: a artista perdeu peso e, novamente, sofreu com o julgamento alheio. Entre os elogios por "estar linda" ao ficar mais magra – o que Cleo classificou como "pensamento tóxico" –, há acusações de uma incoerência sobre se autoaceitar e, mesmo assim, querer mudar o corpo.
Afinal, exercitar o amor-próprio impede alguém de querer transformar sua aparência? Posso me amar e estar insatisfeita com a barriga? Os corpos femininos sempre serão julgados pelo outro independentemente das nossas escolhas? A psicoterapeuta Aline Sá Copetti alerta: na ânsia de quebrarmos padrões precisamos estar atentas para não criar outros ideais de comportamento que vão aprisionar a mulher. E mais: aceitar o próprio corpo passa por aprender a conviver com as insatisfações e a estabelecer expectativas saudáveis sobre a aparência – e não por sentir culpa ao desejar uma mudança estética.
– Algumas pessoas pensam que se aceitar é estar 100% satisfeita. Isso é utópico. Precisamos pensar no equilíbrio, há o positivo e o negativo. Posso querer mudar o que não gosto, só preciso questionar por que quero a mudança. Se entender que dependo disso para ser feliz, aí posso estar entrando em uma cilada – destaca Aline, que atua na área de transtornos alimentares e distúrbios da imagem corporal.
Já a psicóloga Marina Mühlbeier defende que o corpo muda ao longo da vida, e o engordar e emagrecer pode fazer parte desse processo de autoaceitação e autoconhecimento. O ponto aqui é trazer mais liberdade para a mulher ser o que quiser, e não lançar uma pressão ainda maior sobre suas decisões com relação ao corpo, diz Marina:
– É fácil olhar de fora e julgar. Posso querer mudar para me sentir mais confortável, no intuito de me amar, me cuidar e me acarinhar. Assim como vestir uma roupa que me sinto bem. Mas, claro, é uma linha tênue. A questão é não ficar escrava e achar que a vida só funciona se eu estiver com o nariz assim, com tal peso ou se colocar silicone.
E se já não bastasse a autocrítica, ainda existem os comentários do círculo social, de familiares, dos amigos e dos colegas de trabalho. Às vezes, só um olhar é suficiente para a mulher perceber que a pessoa está julgando seu corpo. Se Cleo, que é uma pessoa pública, é obrigada a lidar com as críticas de milhares de pessoas, as anônimas encaram sua própria batalha contra a opinião alheia no dia a dia. A melhor maneira de se proteger é estabelecer seus limites e valores, indica Aline:
– É um processo contínuo, baseado no autoconhecimento. Se voltar para si para se apropriar da sua singularidade e história. Entender as influências sociais e culturais para poder se conscientizar e sair dessa visão viciada que temos sobre a autoimagem. É um processo racional, mas é emocional também. Conhecer o corpo, o biotipo, entender que tudo é mutável. Isso ajuda a criarmos uma base para receber as críticas e filtrar o que realmente é construtivo.
Mas, sejamos francas: quantas vezes foi você que criticou o corpo da outra? O corte de cabelo novo? A cirurgia plástica que não ficou legal? Mesmo que não tenha sido feito diretamente, esse tipo de comentário reforça a sensação de que as pessoas têm "direito" de julgar o corpo alheio e contribui para perpetuarmos esse comportamento entre as mulheres.
– Precisamos exercitar não só olhar para si com mais amor, mas também para as outras. Há muita diversidade entre as mulheres, as escolhas são diferentes e impactam na vida de cada uma de formas distintas. Aquilo pode significar algo muito mais profundo, e eu não tenho a ver com isso – ressalta a psicóloga Marina. – Se não pensou duas ou três vezes antes de falar um comentário maldoso, dá tempo de corrigir depois e se policiar para fazer diferente na próxima. É um cuidado que faz diferença a longo prazo.
A partir do caso de Cleo Pires, convidamos as leitoras a darem sua opinião e dividirem suas experiências sobre julgamentos, autocríticas, autoaceitação e a vontade de mudar o corpo. Confira abaixo o depoimento de seis mulheres que integram o Grupo de Mães e o Grupo da Beleza Donna no Facebook:
Natalia Prestes
29 anos, artesã, de Viamão
Sim! Sofro com esse tipo de julgamento sempre, principalmente de familiares. Tem dias que me olho no espelho me achando linda e penso "esse corpo já carregou duas gestações" e gosto do que vejo. Basta um comentário relacionado principalmente ao meu peso e já começo a me odiar e a ver todo os defeitos que antes não via. A sociedade cobra muito da mulher. Se ela é gorda é desleixada...se é magra tá tudo lindo. Procuro sempre ler sobre aceitação, assistir a vídeos no Instagram sobre amor-próprio. Isso me ajuda. Mas, infelizmente, o julgamento rola muito.
Ana Paula Möller
46 anos, empresária, de Cachoeirinha.
Fui uma criança magra e muito piolhenta. Na vida adulta, passei por problemas financeiros que restringiram minha alimentação. Mas, nas minhas duas gestações, comi de tudo e praticamente não engordei, voltando quase ao peso anterior. Em todas as reuniões de família ouvia de minhas tias comentários do tipo "é magra de ruim". Um dia, me preparando para ir ao aniversário da minha avó, coloquei uma roupa que ficava "larguinha" há 10 anos e gostei do caimento. Naquele momento tive um clique: sou magra de boa, de gostosa, de maravilhosa! Fui para a festa e mal cheguei e já soltei a frase (que hoje é quase um mantra) para primeira tia que apareceu. Foi tão libertador aceitar as minhas curvas tão retas que sinto que fortaleceu minha personalidade, minha vida profissional e, é claro, meu desempenho sexual. Hoje tento dar outro rumo a conversas sobre o corpo de fulana ou tal porque cada um sabe de suas dores, de sua criação e de seus gostos. Por exemplo, acho estranho as unhas gigantescas que a Cleo e outras mulheres usam, mas isso prejudica a vida delas? A minha? Então por que destinar tempo a isso se não posso ajudar com algo construtivo? Acho que são os sinais da minha maturidade ou, bem dizer, minha humanidade.
Renata Zardin Flores
39 anos, auxiliar administrativa, de Porto Alegre.
A autoaceitacão para mim passa por conhecer seu corpo e suas características e entender que ninguém é igual. É necessário entender que existe uma indústria imensa que vive da nossa insatisfação. Dietas, plásticas, têxtil e cosméticos são indústrias que lucram com a nossa percepção equivocada do corpo. Autoaceitacão é perceber que você não tem valor pelo seu corpo ser mais ou menos gordo ou ter mais ou menos rugas. Mudar o que te incomoda é saudável, se sentir desconfortável porque não corresponde às expectativas criadas pela indústria é o problema. Não tem problema em buscar perder peso ou dar uma atenção especial a sua pele, problema é fazer uma dieta com a intenção de ficar igual às modelos maquiadas e fotoshopadas (nem elas são como nas capas de revista). Quando partimos de nós mesmas, nosso biotipo, altura, idade, tempo e demais características pessoais, buscar mudar o que não gostamos é bacana. Entretanto, entender quem tu és, respeitar tudo que a pessoa no espelho já conhece, já viveu, respeitar toda a sobrecarga que ela carrega para, partir daí, buscar mudanças é bem mais construtivo.
Faheana Thönnigs
29 anos, graduanda em psicopedagogia e empreendedora, de Novo Hamburgo.
Eu engordei 20 quilos depois da segunda gestação. Tento me sentir bem e aceitar mas, às vezes, traio minha própria consciência e o trabalho do autoamor precisa começar de novo. Acredito que se aceitar e se amar totalmente como é são coisas diferentes, né ?
Nicole Simonato
33 anos, empresária, de Porto Alegre.
Quem é uma pessoa pública como ela, e que fala assuntos como este para se promover e se posicionar do jeito que ela faz, está sujeito a isso. Eu vi umas fotos e, embora eu não tenha absolutamente nada a ver com isso e com ela, achei incoerente, sim. Quatro meses atrás ela levantava a bandeira do "aceite seu corpo do jeito que é" e agora está magérrima... Acho que funciona para as pessoas verem que tudo é venda. Inclusive discursos de influencers e artistas.
Ana Maria de Souza
52 anos, professora, de Porto Alegre.
Sim, já fui julgada por estar acima do peso e ter que ouvir que ser gordo é ser relaxado consigo. Sabe-se que há outros motivos para que uma pessoa seja gorda. Segundo, é muito fácil uma figura pública levantar uma bandeira e depois mudar. O que penso que tudo bem, todos temos o direito de mudar de opinião. O mais difícil é que acabamos julgando as pessoas como se elas precisassem de minha opinião. Ninguém nasceu para contemplação do outro.