Você já deve ter ouvido por aí que a fulana não é boa líder porque “não tem pulso firme”. Ou que a gestora tal não inspira confiança pois é “muito coração”. De fato, cordialidade, sensibilidade e foco em relacionamento são características das mulheres quando o desafio é ser chefe, mas isso está longe de ser prejudicial para a performance da equipe.
Na verdade, o problema está na perspectiva: o modelo de liderança em voga na sociedade ainda é diretamente associado ao masculino, com destaque para a força, a agressividade e a ambição no ambiente de trabalho.
– Quando vemos o homem sendo líder, mais focado em tarefas, mais agressivo, direto e assertivo, a mulher olha o comportamento e define o sucesso de liderança neste formato. Acaba masculinizando suas atitudes sem perceber, buscando esse padrão. É o status quo da liderança – explica Livia Mandelli, escritora, professora e mentora em remodelagem comportamental.
A autora de livros como Liderança Nua e Crua: Desvendando o Lado Feminino e Masculino ao Liderar e Vestindo a Liderança: 14 Comportamentos Essenciais para a Alta Performance Emocional acredita que o caminho para uma gestão eficiente é conjugar características dos dois estereótipos de gênero. O objetivo é saber como e quando acionar determinado atributo para alcançar os melhores resultados.
– Sempre imagino o ser humano como se ele tivesse um monte de caixinhas, e ele tem sempre disponível todas as forças, femininas e masculinas – avalia Livia, mestre em Liderança pela University of Gloucestershire, na Inglaterra, e doutoranda em Comportamento Humano pela Walden University, nos EUA.
Saiba como exercer uma liderança completa que se preocupa com resultados e também prioriza o bem-estar das pessoas:
Machismo velado
No Brasil, as mulheres ocupam 13% de cargos executivos em empresas. Os dados da pesquisa divulgada em 2016 pelo Instituto Ethos, em parceria com instituições como Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e ONU Mulheres, mostram que o número é ainda menor quando o recorte são os conselhos de administração das grandes corporações: apenas 11% contam com integrantes do sexo feminino.
– Há um machismo velado porque, inconscientemente, as pessoas ainda acreditam que os homens são melhores do que as mulheres. Vou a uma reunião com o presidente de uma outra empresa. Levo uma mulher ou um homem? Levo um homem. Vou apresentar um projeto, escolho um homem um uma mulher? Há pesquisas que mostram que, quando as mulheres apresentam projetos, a atenção de quem está assistindo é menor do que quando um homem apresenta. É seriíssimo. O comportamento andrógino não diminui o machismo, mas elevar os níveis de inteligência emocional para as pessoas perceberem suas atitudes pode ajudar a diminuir o viés inconsciente do preconceito – assinala Livia.
As diferenças na gestão
Autossuficiência, independência, ambição, autoconfiança e força são alguns dos atributos considerados masculinos em postos de comando. Já a mulher costumaria focar mais no relacionamento e no desenvolvimento pessoal dos liderados com compassividade, gentileza, prestatividade e sensibilidade.
Claro que não é uma ciência exata e o comportamento de homens e mulheres é moldado por meio de diferentes influências – os atributos citados aqui compõem os estereótipos da sociedade ocidental. As gestoras se aproximam do masculino pois é o modelo associado ao sucesso, embora isso ocorra de forma inconsciente, explica Livia:
– O que “dá certo” para o homem é muito bom para os resultados, mas “mata” as pessoas no meio do caminho. Porque não tem o foco no humano, nas pessoas, no relacionamento. São expectativas e estereótipos sociais que repetimos sem perceber no dia a dia.
Liderança andrógina
Aplicar traços do masculino e do feminino de forma conjunta na gestão é uma prática definida como “liderança andrógina”. O desafio é desligar o piloto automático e desenvolver a autoconsciência nas pequenas e grandes decisões de rotina, ressalta Livia:
– Você precisa perceber quais as atitudes e os resultados no ambiente e praticar uma liderança de forma consciente. Eu tenho um liderado e preciso de uma relação mais assertiva, daí vou acionar mais isso. Outra pessoa precisa de mais agressividade. Com outros, preciso focar no relacionamento e por aí vai.
Preciso entender o que cada um necessita que eu acione. Liderança andrógina exige a síndrome da melhor versão, se transformando. Vou fazer com as pessoas o que for melhor para as pessoas, e não para mim. Daí precisa de mais uma competência que é a empatia, quando você se coloca no lugar do outro. Assim, a liderança fica mais fácil. Precisa regular o olhar para o outro, perceber como é cada um para se moldar.
O feminino e a empatia
O bem-estar do funcionário como forma de impactar na produtividade é um dos nortes das grandes empresas no século 21. Com a busca pela humanização das relações, há cada vez mais espaço para as competências femininas nos cargos de gestão, afirma a escritora:
– As organizações já sabem que, quando as pessoas estão se sentindo bem, produzem mais e entregam mais resultados. A mulher traz consigo uma bagagem humanista muito grande, e isso facilita muito a liderança inspiracional, que é não empurrar os seus liderados para fazerem as coisas. Na liderança autêntica, a líder inspira mais as pessoas e traz resultados mais relevantes naturalmente.