Já fui uma mulher que dizia querer ser um homem sem perceber que o que eu queria era a liberdade deles. Eu afastava as outras mulheres e execrava o que e me era apresentado como feminino, posto que não me contemplava, não tinha nada a ver com minha personalidade, aquela frivolidade, aquela fragilidade, nada daquilo tinha a ver comigo. Mal sabia eu que não tinha a ver com o indivíduo, e sim com a construção de mulher, essa ideia errada de que devemos seguir um padrão pré-estabelecido, com o que esperam de nós e não com o que realmente somos ou almejamos ser.
Minha mãe dizia: não seja como as outras. Eu entendia isso de uma forma pessoal, mas sei que o que ela queria dizer era: não precisa seguir esse modelo, você pode ser o que quiser. Fui mesmo. Virei. O que eu quis. Só que os nossos quereres vão mudando. Ainda bem, ainda bem, nossos quereres vão mudando ao longo da vida; evoluímos, aprendemos, repensamos. Escutamos coisas novas e descartamos o que não nos serve mais.
Posso ter vergonha de algumas coisas, sim. Espalmo a mão na testa diante de algumas falas, alguns comportamentos, até de alguns escritos sobre os quais sequer tenho controle pois já foram publicados e estão no mundo. Paciência, faz parte da minha construção, trajetória, aprendizado.
É um exercício diário. O mundo está sempre tentando empurrar normas e regras. É mais confortável pra alguns comprar um pacote já pronto, é claro, mas de que serve um pacote pronto se não beneficia a todos e ainda pode te fazer mal?
Não existe uma fórmula certa pra viver. A gente vai acertando e errando, em todas as áreas, com todas as pessoas, inclusive com nós mesmos. Eu mesma acabo de me perceber presa em convicções que não me servem mais. E aí, como faz? Muda. Deixa mudar. Se você se escuta e não se reconhece, é porque tem algo errado. Se não sou contemplada por minha própria fala, como posso contemplar alguém? Sem verdade não dá nem pra atravessar a rua.
Pode vir crise, pode vir outra pessoa, já fui tantas e todas as que eu fui me ensinaram algo. A Clara de 22 não seria nada sem a Clara de 16, e a Clara de 16 até hoje inspira a Clara de 30 que eu fui, e agora que eu tenho quase 40 estou tentando ouvir todas elas e ver o que eu aprendi, o que serve, o que não serve mais, o que eu só repito por conveniência e costume, o que precisa mudar. Nunca tive medo de mudança e não vai ser agora.
Nenhuma certeza pode ser rocha. Ou pode, mas até a rocha se desgasta diante da água e dos ventos que a vida traz.
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