A decoração, o cardápio de comidas e bebidas, a trilha sonora, os shows: tudo foi cuidadosamente pensado para fazer as pessoas falarem de sexo de forma natural. Essa é a missão do Valentina Bar 18+, o primeiro com temática erótica do Brasil. E a ideia que surgiu durante uma viagem de três amigos pela Europa virou sucesso de público principalmente o feminino na Capital.
- Homem faz associação com "puteiro", mulher não, porque nunca frequentou. Por isso, a curiosidade em um lugar assim é maior delas - diz o sócio Alexandre Godoy, 31 anos.
#Seduzindo por baixo dos panos
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Quarta-feira, noite tradicional de futebol na televisão, é uma das de maior movimento no bar. Uma dançarina e um dançarino fazem apresentações burlescas - bem mais elaboradas do que um simples striptease - para grupos de mulheres, casais e até (alguns) homens solteiros. A Copa do Mundo mudou um pouco o perfil da clientela, que também passou a falar espanhol, inglês, árabe. Na quarta-feira em que a Argentina garantiu a classificação para as oitavas de final, por exemplo, 56% do público era feminino. Em dias normais, a média é de 65% de mulheres.
Nas TVs espalhadas pelo local, filmes do canal criado por Erika Lust, principal diretora de filmes pornôs com estética voltada para o gosto do público feminino, e do projeto holandês The Beautiful Agony. Os vídeos, assim como o clima, vão esquentando à medida em que as mesas, a maioria reservadas, são ocupadas e a noite avança: os olhares desconfiados e os corpos pouco à vontade de quem vai ao bar erótico pela primeira vez se transformam em caras, bocas e poses para fotos com algemas e apontando para os inúmeros e sugestivos luminosos.
- Mulheres interagindo como se não tivesse ninguém olhando pra elas, é um momento de liberação - explica Godoy.
E elas ficam mesmo muito à vontade. Algumas são conhecidas pelo nome, têm seu garçom preferido e até já participaram dos shows. Como Nathalia, que, na sua quinta ida ao "Valen", já subia ao palco pela terceira vez. Desta vez, sob os olhares surpresos, sorrisos meio tímidos e aplausos orgulhosos da irmã Karoline e das amigas Rayama e Cristina, todas estreantes no bar.
- Até dá para pegar uns caras, mas tem que dar abertura - garante Nathália.
Meia-luz e decoração sensual fazem a ambientação do Valen
Uma ideia na cabeça e um sobrado disponível
- Desde o colégio, meus colegas diziam que eu tinha que ganhar dinheiro com sexo - começa Alexandre Godoy, sorrindo, referindo-se à brincadeira dos amigos em relação a ele "só pensar naquilo".
Em 2009, Godoy teve a oportunidade de abrir uma sex shop. Mas não queria que fosse apenas mais uma entre tantas que já existiam: seria um espaço também para cursos, chá de lingerie, despedidas de solteiro. Em 2012, enquanto ele e os amigos Guilherme Alf, 32 anos, e Bruno Bubadra, 30, tomavam cerveja na beira de uma praia na Sardenha e pensavam em uma forma de ganhar dinheiro, surgiu a ideia de abrirem um bar.
- Um bar pornô - provocou Godoy.
Lembrou que na noite anterior, em Roma, passou por uma placa que anunciava uma exposição sobre Valentina - a principal personagem das histórias em quadrinhos eróticas da Itália, de autoria de Guido Crepax. Godoy, inclusive, tinha alguns exemplares em casa. Passaram o resto da viagem pensando em como seria o lugar: um casarão antigo, tipo "inferninho", mas não com cara de cabaré francês. Queriam que fosse um pouco mais urbano.
E o sobrado dos anos 1950, no número 27 da Rua Fabrício Pilar, era exatamente o que imaginavam, com uma cara um pouco decadente, inacabada. Em março de 2013, o bar que funcionava ali fechou, e Alf, que tinha participação no antigo negócio, avisou os amigos: "Segunda-feira, quem fizer a primeira proposta vai comprar." Godoy, Alf e Bruno reuniram-se no mesmo dia, chamaram Maurício Soares, de 35 anos, para a sociedade, firmaram compromisso e fizeram tudo acontecer.
Alexandre Godoy: "Fazer as mulheres se empoderarem: o sucesso reside muito nesta capacidade".
O papel de parede ao lado da escada é exclusivo: são pôsteres de filmes pornôs antigos que Godoy tinha no computador. A maioria dos móveis são reformados em brechós; alguns desfalcaram a decoração da própria casa de Godoy, e outros foram comprados.
- Desde o início pensamos em uma arquiteta, porque se a gente chocasse a mulher, o bar não daria certo - coloca.
Este era justamente o questionamento de muitos conhecidos antes da inauguração: o receio de que seria mais um espaço a "coisificar" a mulher.
- Fomos chamados de loucos - conta Godoy.
Mas a repercussão sobre a novidade que estava para chegar só aumentava o número de reservas. Tanto que os guris tiveram ideia do tamanho da coisa dias antes da inauguração, quando já tinham reserva para as duas semanas seguintes.
- Na correria da inauguração, esquecemos de colocar as placas de "feminino" e "masculino" nas portas do banheiro, e o pessoal ficou achando que era proposital - entrega o sócio.
Sedução burlesca
Vestindo calça preta, camisa branca, capa e máscara, Michel Viegas sobe ao palco para sua segunda performance da noite - e escolhe Nathalia. Olhares atentos na plateia acompanham a dança, a brincadeira sensual com chantili, o número no trapézio suspenso no teto rebaixado. A desenvoltura de Michel vem do circo, mas foi no palco do Valentina que ele tirou a roupa pela primeira vez.
- Lido com arte, e não com vulgaridade. Tiro a roupa de uma forma engraçada, que é uma característica do burlesco masculino. (...) Não preciso fazer nada. Chego no palco, viro de frente e começa a gritaria - conta, enquanto se apronta para a última apresentação da noite.
Quem abre os trabalhos no palco é Mayanna Rodrigues. Ela e a também dançarina burlesca Sweetie Bird revezam-se nas quartas-feiras; Michel está sempre. As duas fazem parte do primeiro coletivo burlesco do Brasil, formado em São Paulo, o The Burlesque Takeover.
- Meus shows são apimentados, com uma pegada mais sensual. Não tenho pudor em tirar a roupa inteira - diz Mayanna.
A artista tem a base do striptease tradicional e fetichista, mas agrega premissas neoburlescas em suas apresentações, que são mais quentes e interativas. Já Sweetie vem do burlesco clássico. Atualmente, ela está em Las Vegas aprimorando sua técnica e prepara-se para voltar em setembro. Mineira, Mayanna já morou no Rio Grande do Sul, mas hoje vive com o marido e dois gatos na capital paulista.
- A mulherada de São Paulo não tem receio, interage. Aqui, primeiro elas veem como funciona para depois se soltar. É o tempo de tomar uns drinques - opina.
A última de suas performances começa com capa e guarda-chuva. Embalada pelo hit Umbrella, de outra musa sensual, a cantora Rihanna, May dança, sobe nas mesas e até dá morangos na boca de espectadores. E tira a roupa toda.
Ao lado do palco, acompanhadas de outras duas amigas, Cristia e Carla tomavam um mojito - seu drinque preferido no bar e na cidade - enquanto esperavam a próxima apresentação.
- Aqui é sexy e apimentado, mas com classe - conta Cristia.
- Mas ainda rola preconceito. Acham que é um lugar em que tu vai para pegar alguém e levar para casa ou fazer algo aqui - complementa Carla, acrescentando que o fato de as mulheres serem bem-resolvidas pode fazer com que os homens se sintam mais acanhados.
Já Marcos Rossetti levou outros quatro amigos, seus conterrâneos de Caxias do Sul, para conhecerem o bar que lhe trouxe lembranças de Amsterdã.
- Achei um ambiente diferente. Todo mundo se respeita. Você pode vir com namorado ou namorada, ou conhecer pessoas legais, que têm a mente mais aberta - descreve Marcos.
Esse foi o clima que atraiu o casal Cristiane e Eduardo. Casados há oito anos e adeptos de um estilo mais liberal, os dois gostam de ir ao Valen pra curtir um clima de romance.
- Um ambiente mais aconchegante, com pessoal mais receptivo para conversar - ressalta Eduardo.
Burlesco
Muito além do striptease, as performances burlescas exaltam a sensualidade, com uma pitada de teatro e humor e sem perder a elegância. Jazz e blues, roupas elaboradas e cenário compõem a atmosfera para a dança. Dita Von Teese, com seu número dentro da taça gigante, é um dos ícones atuais.
Para comer e beber bem
Pimenta, crustáceos, wasabi. Para montar o menu do Valen, o chef Zi Saldanha elaborou uma planilha com ingredientes afrodisíacos e sentidos mitológicos. O resultado pode ser conferido no cardápio. O sucesso é o coral de camarões. "Os crustáceos são ícones da gastronomia afrodisíaca e são reconhecidos em muitas culturas como catalisadores do vigor masculino", diz parte da descrição do prato.
Entre os drinques, o mojito é o mais pedido: ao invés de soda ou água com gás, o barman Leonardo Schneider usa suco de limão para acompanhar o rum e o hortelã.
Escola do sexo
Além da função nas noites de terça a sábado, o bar promove cursos, como workshops de fotografia (com Alex Korolkovas, no qual os alunos e modelos foram clientes do bar), de striptease e antropologia do sexo. Entre as outras atrações da casa estão circo erótico, apresentações de tango, Confraria do Pole Dance e consultório sentimental com Fabrício Carpinejar.
- Alguma coisa que acontece no bar tem que mexer contigo para cumprirmos nosso propósito: falar e lidar melhor com a sexualidade - finaliza Godoy.
Projeto holandês The Beautiful Agony, no qual as pessoas mandam vídeos dos seus rostos mostrando a agonia até atingir o orgasmo. É 100% colaborativo.
Dossiê underwear: os clientes são convidados a fotografarem sua roupa íntima. As imagens são exibidas no banheiro na noite seguinte, sem nenhuma identificação. Em média, são tiradas 60 fotos por dia
Produtinhos
Quem sobe ao segundo andar do local, onde há mesas para grupos maiores e um minibar, passa pelo estande da sex shop Toques.
- As pessoas compram o que vão usar saindo daqui. Se querem algo mais elaborado, o negócio é ir à loja e escolher com mais tempo. Eles sentem, a gente entra com a lubrificação - brinca a proprietária Cris Nunes.
O campeão de pedidos é o "vibrador líquido". Segundo Cris, o gel deixa a área aplicada mais sensível.
Fotos: Vitor Saquette