“Meus olhos estavam preparados e esperavam essa surpresa. Na vitrine havia rolos de tapeçaria com motivos de flores, frutas e imitação de madeira. Comprei um rolo que imitava madeira falsa e voltei para minha casa em Sorgues, recortei três pedaços do rolo e simplesmente os preguei em uma folha de papel de desenho. Depois uni os pedaços através de linhas desenhadas com carvão. Já disse várias vezes, disse e repeti que para nós (Cubsitas) a perfeição da cor chegou com os papéis pregados. A dissociação da cor e da forma. ” A cor veio mais tarde. Era indispensável criar um espaço antes de cenário. Esse foi um momento muito importante para o Cubismo. Nos demos conta de que a cor atua independente da forma. Imagine, você põe uma mancha amarela aqui, outra no outro extremo do papel e em seguida estabelece uma relação entre elas. Poderíamos dizer que a cor atua como uma música”. :: Mais colunistas Donna: veja quem são eles :: Textos de Roberta Hentschke: confira mais sobre estilo de vida saudável
Dia desses, estava conversando com uns amigos e me dei conta de uma frase meio idiota que eu sempre digo: “fala por ti”. No sentido de não generalizar, de não achar que todos tem a mesma opinião e vão concordar com o que o outro está dizendo. Temos essa mania, de achar que podemos fazer julgamentos sobre os fatos tendo apenas o nosso ponto de vista em jogo, sem levar em conta a famosa empatia.
Eu estava revirando alguns arquivos na semana passada e achei algumas fotos de uma viagem para Paris que fiz no ano passado, onde visitei uma exposição do Braque, que me tocou bastante. Não só pelo motivo óbvio de ele ser o precursor do Cubismo, mas, principalmente, porque as obras estavam “explicadas” em primeira pessoa.
Isso mudou tudo. Não era alguém fazendo uma análise da obra, supondo o que o artista imaginou, elocubrando sobre sensações, tensões e possíveis sentimentos. Era ele mesmo, analisando o seu próprio trabalho. Para mim aquilo pareceu tão digno, tão sincero que comecei a anotar as anotações de Braque.
Os papéis pregados destruíram magnificamente a visão da perspectiva clássica, as convenções mortais que essa impunha.”
Braque falava sobre o seu processo criativo, de maneira simples. Mostrava que as coisas acontecem assim, vamos testando, tendo ideias, experimentando. Nosso processo criativo é só nosso. Assim como nosso ponto de vista é só nosso, a perspectiva do qual enxergamos o mundo é nossa.
Para isso, precisamos nos apropriar da nossa opinião. Mesmo que ela mude daqui a algum tempo, tipo metamorfose ambulante. Se apropriar do nosso processo, do tempo que precisamos para maturar as coisas, acreditar no tempo que a natureza precisa, acreditar nos ciclos e nas estações do ano. E acreditar no nosso poder, no nosso potencial.
Li esses tempos que as novas gerações, aqueles que já nasceram conectados, tem consciência de que podem mudar o mundo através de suas ações. No entanto, ainda não sabem como fazer isso ou ainda não encontraram um propósito para tanto. Então, o que vemos é um monte de “like” e “share”, ou seja, poucos fazem e muitos curtem e compartilham, num ativismo “de cadeira”, onde o colocar a mão na massa é apenas um clique. Não que isso não seja importante. Faço uma reflexão do quanto nos falta falar em primeira pessoa, se mexer, começar por nós e confiar no nosso potencial e em nosso ponto de vista.
Cada pessoa é uma história. Podemos passar pelas mesmas coisas, vivenciar as mesmas experiências, mas cada um escolhe, mesmo que inconscientemente, como vai lidar com aquilo. Por alguns meses, eu, minha irmã, meu irmão e minha mãe fizemos terapia de família. Dentre tantas coisas que conversamos nessa época, uma me chamou muito a atenção. Quando falávamos sobre nossa mãe e nosso pai, eles pareciam pessoas completamente diferentes para cada um de nós (irmãos). Mesmo morando na mesma casa, vivenciando diversas vezes as mesmas coisas, estudando nos mesmos colégios e tendo a mesma educação. Ou seja, a percepção que temos do mundo é só nossa.
Entender a nossa história e conseguir respeitá-la é falar em primeira pessoa. É refletir sobre nossas habilidades e nossas fraquezas e, a partir disso, olhar para o mundo. Então, fiquei pensando numa empatia por nós mesmos, num olhar o mundo a partir do nosso olhar, com consciência. Para depois olhar sob a perspectiva do outro. Pode ser mais fácil, mais justo e mais sincero.
*Fotos: arquivo pessoal