
Não existe limite de idade para conhecer outras perspectivas de vida e se aventurar em novas histórias. Aos 67 anos — 52 deles dedicados à arte —, a atriz Denise Del Vecchio se entregou ao humor de Margot, sócia do filho na administração de uma produtora de filmes pornográficos, sua personagem na série HARD, da HBO e disponível na HBO Max.
— Normalmente, fazia personagens de mulheres sofredoras, fiz muita mulher traída e, de repente, a Margot é o avesso disso tudo. Uma mulher de mais idade, como eu, e que rompeu com toda a formalidade, com o preestabelecido.
Em entrevista à Donna, Denise contou que a produção mudou sua visão sobre a indústria pornô, com a qual tinha pouca proximidade, e lhe trouxe lições para a vida:
— Quando você não conhece alguma coisa, tem preconceito em cima dela. Na medida em que você consegue entender, se aproximar de um universo desconhecido, vivenciar, ter empatia pelas pessoas que estão num mundo diverso daquele a que você está acostumada, os preconceitos vão caindo.
Margot também lhe apresentou um modelo de avó totalmente contrário ao que Denise é em sua vida pessoal, já que adora curtir os momentos junto das netas, enquanto a personagem não tem a menor paciência. Por outro lado, a atriz compartilhou com Margot o prazer de atuar em família. Mãe coruja, a artista divulga com frequência em suas redes sociais o trabalho do filho, o ator e músico André Frateschi. É também em seu perfil no Instagram que Denise divide com o público momentos de sua intimidade, como o dia em que recebeu a vacina contra a covid-19.

As restrições provocadas pela pandemia suspenderam os planos de estrear uma peça de teatro em julho de 2020, com a amiga e atriz Ângela Vieira, e a fez dedicar a maior parte do seu tempo a tarefas de casa, em São Paulo, e a sua saúde física e mental. Enquanto o retorno tão esperado aos palcos não acontece, a intérprete de personagens de destaque na teledramaturgia, como Glória em A Viagem (1994) e a Dona Mocinha em Chocolate com Pimenta (2003), ambas novelas disponíveis no Globoplay, tem priorizado os cuidados consigo.
— E volto ano que vem com essa peça, quando espero que os teatros já possam ser ocupados da forma como merecem.
Na entrevista a seguir, a atriz conta o que aprendeu sobre a indústria pornô, fala sobre a liberdade da nudez e conta como tem sido sua vida no último ano.
Como foi a experiência de fazer a Margot? Ela apresenta uma namorada para a família, é sócia de uma produtora de filmes pornôs, são pontos que envolvem assuntos tabus.
Foi uma surpresa muito agradável ter sido convidada para fazer a Margot porque, normalmente, fazia personagens de mulheres sofredoras, fiz muita mulher traída e, de repente, a Margot é o avesso disso tudo. É o antimodelo de avó e de sogra, que, em geral, é representada de forma intrometida. Além disso, eu não tinha intimidade nenhuma com o universo do mundo pornográfico, nunca tive muita curiosidade de assistir e muito menos de estar próxima da questão da produção, então para mim foi maravilhoso. A Margot foi isso: uma mulher de mais idade, como eu, e que rompeu com toda a formalidade, com o preestabelecido. Ela fala que não existe gênero, mas, sim, pessoas, que a gente pode amar homens e mulheres. A gente filmava e passava por aquelas cabines em que são produzidos os filmes com a maior naturalidade. Isso foi muito gostoso porque me deu consciência também de que é o dia a dia de muita gente, de que é um mercado, de que gera empregos, lucros, enfim. É uma coisa que existe, que tem muito público, as pessoas adoram e me aproximei disso. Foi muito divertido.
O que você levou da sua vida pessoal para a Margot e o que a personagem te trouxe?
Da minha vida pessoal, levei essa relação amorosa de trabalhar com o filho, que é maravilhoso. Meu filho é músico e ator, quando a gente tem a oportunidade de atuar juntos é maravilhoso. E a Margot tinha essa proximidade com o trabalho do filho, só que ela escondia da família, era cúmplice dele, isso era muito divertido. E o carinho pelos netos, se bem que a Margot não tem muita paciência de ficar com os netos, já eu adoro ficar com as minhas netas. O que eu trouxe para mim foi aprender que, quando você não conhece alguma coisa, tem preconceito em cima dela. Na medida em que você consegue entender, se aproximar de um universo desconhecido, vivenciar, ter empatia pelas pessoas que estão num mundo diverso daquele a que você está acostumada, os preconceitos vão caindo.
Na medida em que você consegue entender, se aproximar de um universo desconhecido, os preconceitos vão caindo.
DENISE DEL VECCHIO
ATRIZ
Aproveitando a abordagem da série sobre o universo pornográfico, qual é a sua percepção da nudez, seja nas telas ou na vida real?
A série me trouxe muita essa questão do preconceito com relação ao corpo, sobre como as pessoas dispõem do próprio corpo. De repente, você vai conhecendo e vai entendendo que são pessoas como você, que têm uma família, uma vida, e que têm disponibilidade com seu próprio corpo que a gente não tem. Lembro que uma vez fui para a Espanha, tenho uma sobrinha que mora lá, e tem praias onde é permitido ficar completamente nu. Era de uma tranquilidade, as pessoas lendo o jornal, ninguém olhava para ninguém, todo mundo no mar. E a minha sobrinha dizia: "Vamos lá, tia. Vamos entrar no mar". Aí pensei: Quer saber? Eu vou. E entrei no mar. E aquela sensação de liberdade foi uma coisa tão prazerosa, tão gratificante. É muito bom, por que a gente fica criando tantas barreiras? Nunca mais fiz, mas acho maravilhoso as pessoas que conseguem ser livres com o seu próprio corpo. Isso é uma batalha minha da vida inteira, como atriz, inclusive. Porque uma atriz tem que ter liberdade, seu corpo tem que ser livre para ser exposto, é seu instrumento, e foi muito bom chegar perto dessas pessoas que têm essa disponibilidade, rompendo barreiras. Uma atriz e um ator precisam saber romper sim.
Era mais difícil falar de sexo antes ou hoje em dia?
Antes era muito difícil, pelo menos nas produções das quais participei, era mais tabu. Hoje em dia, com as plataformas de streaming, o público é mais segmentado, então você pode propor coisas mais ousadas para outras faixas de público. A série também vem dentro do entretenimento, dentro de uma história de liberdade feminina, da mulher tendo que assumir uma empresa considerada masculina, tendo que assumir papéis aos quais ela não estava conduzida para isso. Traz essa busca feminina por uma outra visão do desejo, das fantasias, isso vem muito forte.

Além de se adaptar à vida da Margot, quais foram as outras adaptações que você precisou fazer por conta da pandemia?
Profissionalmente, minha vida praticamente parou. Já estava ensaiando para uma peça de teatro que iria estrear em julho do ano passado com a Ângela Vieira, mas tivemos que parar. Ainda tentamos ensaiar online, mas não deu muito certo, dependia muito de uma coisa física, então adiamos, provavelmente para o ano que vem. E fiquei em casa, me preservei. Felizmente, na minha família ninguém se contaminou com o coronavírus. Ficamos em casa, minha mãe mora comigo, e tenho muito cuidado em função dela também. Vejo muitos filmes, muitas séries, estou aprendendo muito, lendo, cuidando da casa, cozinhando, fazendo as coisas de casa que já não estava mais habituada a fazer. Nunca fiquei um ano parada, nunca na minha vida. Em geral, fazia dois trabalhos juntos, novela e teatro. Tem que cuidar para não deixar a ansiedade te consumir, além de tomar todos os cuidados, como o uso de máscara. Não teria coragem de ir a shows agora, por exemplo.