É bem possível que você nunca tenha escutado falar em Carla Madeira, mas sugiro que abra espaço para ela entrar em sua vida. Até o final de 2018, espero que essa autora mineira já esteja encabeçando as listas dos mais vendidos, que esteja sendo disputada para entrevistas e que esteja recebendo propostas de editoras para lançar algum novo livro, já que o de estreia, Tudo É Rio, deixa evidente que ela chegou para ficar – é a revelação literária do ano (não tenho autorização de ninguém para decretar coisa alguma, não li tudo o que foi lançado até aqui, mas estou me permitindo usar o entusiasmo como critério).
Tudo É Rio é uma obra-prima, e não há exagero no que afirmo. É daqueles livros que, ao ser terminado, dá vontade de começar tudo de novo, no mesmo instante, desta vez para se demorar em cada linha, saborear cada frase, deixar-se abraçar pela poesia da prosa. Na primeira leitura, essa entrega mais lenta é quase impossível, pois a correnteza dos acontecimentos nos leva até a última página sem nos dar chance para respirar. É preciso manter-se à tona ou a gente se afoga.
É a história de Dalva e Venâncio, um casal apaixonado que passa por uma perda que transfigura o seu destino, e de Lucy, a prostituta mais despudorada da cidade, que se intromete no caminho desta dupla, formando um triângulo que poderia ser clichê, não fosse a habilidade de Carla em conduzir a trama para longe do lugar-comum e de dominar o erotismo – ela narra o explícito sem ser vulgar, ela perturba e fascina, é atrevida e lírica, louca, lúcida.
Carla dá até raiva na gente. Como assim, um livro de estreia tão potente, tão perfeito, tão pronto? Mas, diante da excelência, não adianta esbravejar, manda a humildade que façamos nossa parte: divulguemos. Mesmo o produto sendo da maior qualidade, sem divulgação o milagre não acontece, os leitores não ficam sabendo, e autor nenhum deseja escrever apenas para meia dúzia de parentes, com todo respeito aos nossos tios e primos. Carla merece que seu livro passe de mão em mão e, para isso, ela precisa do boca a boca. Os sortudos, como eu, que já tiveram o privilégio de conhecer seu trabalho, têm o dever de chamar a atenção para esta joia que talvez permaneça escondida nas prateleiras das livrarias em meio a tantos outros títulos. Não bastasse o prazer da leitura, atenção, cineastas: daria um filme magnético.
Tudo É Rio, como sugere o título, é líquido. Suores, lágrimas, sêmen, sangue, saliva. Mas Carla consegue não deixar cair um pingo pra fora da narrativa, a prosa nunca escorre para o sentimentalismo barato, não há enchente, transbordamento, excesso – a precisão de sua literatura é absoluta (navegar é preciso). A única que está se derramando aqui sou eu.
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