Quando algo começa? E quando acaba?
Imagine uma relação amorosa. Em que exato momento ela passa a ser construída, qual foi o gesto feito por uma das partes que desencadeou tudo? Longevidade é patrimônio, por isso sentimos necessidade de estabelecer um marco zero, a fim de fazer a contagem de sua duração. Namoros costumam ser contabilizados a partir do primeiro beijo, mas, na era tecnológica, vá saber. Pode a história ter desabrochado via redes sociais muito antes dos olhares terem se cruzado – há quem se apaixone meses antes de qualquer contato físico. O começo, qualquer começo, é um instante mágico que escapa do rigor dos calendários, ele não se deixa aprisionar por uma data, muito menos por um horário. É um efeito dessincronizado com as demarcações do tempo, foge de qualquer apreensão exata.
E o fim? Queremos que siga a mesma bula: dia, hora, lugar. Uma compulsão boba de registrar a passagem de alguém na lápide do nosso cemitério emocional. Quando acabou? Foi quando um dos dois fez a mala e partiu? Ninguém considera que o fim poderá vir a acontecer só alguns anos depois da separação, pois a separação de corpos é apenas a materialização física do afastamento, não a dissolução de um amor. E tampouco se considera que o fim possa ter iniciado ainda no durante, bem antes do adeus definitivo. O fim é mais difícil ainda de ser demarcado, pois vem revestido de vivências e lembranças que podem jamais sumir – aliás, tomara que nunca sumam, ou que validação teria esse relacionamento?
O fim nunca se encerra. O começo nunca se inicia.
A exemplo de um palíndromo (palavras que têm a mesma leitura se lidas de trás pra frente), o destino desafia a temporalidade com que nos acostumamos a organizar a cronologia existencial. Por mais que rejeitemos a ideia, em tudo há começo e fim misturados, um faz parte do processo do outro, como a tristeza e a felicidade – a dor é saudade de uma alegria anterior, e a alegria é a superação de uma dor anterior.
Poderia dizer que essa reflexão surgiu de simples observação das nossas reações, mas eu seria injusta se não desse outro crédito. Ela foi provocada pelo filme A chegada, ficção científica que usa uma invasão alienígena como deflagradora da análise entre o que é, o que foi e o que será – em como tudo está interligado de uma maneira que não dominamos.
Não é uma recomendação entusiasmada do filme, até porque não sou fã de ficções científicas, mas, sendo fã do humanismo que nos rege, não poderia deixar de mencioná-lo. Talvez a gente precise mesmo de extraterrestres para nos situar sobre a nossa precariedade e nos ajudar a aceitar que, para os mistérios da vida, só nos resta a rendição.