Estamos em plena revolução feminista parte 2. Depois de inúmeras conquistas resultantes do surgimento da pílula anticoncepcional e da nossa entrada no mercado de trabalho, pausamos, recarregamos as baterias e agora voltamos à luta, rebatizada de empoderamento e direcionada, principalmente, à violência contra a mulher.
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Acho empoderamento uma palavrinha detestável: é por causa da atração pelo poder que o Brasil está metido em encrenca e vive no atraso. Poder é um verbete obsoleto no meu dicionário. Troco empoderamento por conscientização e autoestima – autoestima também não é das melhores palavras, tornou-se um clichê, mas é do que precisamos.
Por que as mulheres são agredidas? Porque se envolvem com homens brutos, ignorantes, machistas: resposta simples. A resposta complexa vai um pouco além. Violência não deixa de ser um contato. O homem que bate no seu rosto, que queima seu braço, que chuta sua barriga e que puxa seu cabelo está enxergando você, está interagindo – da maneira mais cruel, mas está. Eis o perigo: a violência cria a ilusão de vínculo.
Para algumas, a indiferença pode ser muito mais atroz.
Por que ela não cai fora no primeiro tapa? Mulheres seguras não levam adiante uma relação agressiva, suspendem o ultimate fighting assim que ele começa e partem para outra história que seja realmente de amor, e não de carência, de dominação, de submissão. O primeiro tapa tem que ser sempre o último. Mas não é o que acontece: ele gera o segundo. Que gera o terceiro. Que gera todos os outros até a situação ficar insustentável. Decorre um longo tempo até chegar ao ponto do “não aguento mais”. Por que se aguentou tanto antes?
Dependemos do olhar do outro. Queremos ser admiradas, amadas, desejadas. Mas isso não deve valer para o olhar perverso que nos vê como um objeto onde descarregar frustrações. O cara não se suporta e desconta em você – é justo isso? E você segura a onda porque acha que o empurrão dele também é uma espécie de toque. Ele, através da pancadaria, está se relacionando com seu corpo e reconhecendo sua existência. A ausência do olhar dele – e do ataque dele – a transformaria em nada.
É por isso que aquela palavrinha surrada (ela também) tem que ser reforçada: autoestima. Não precisamos temer a solidão. Estar consigo mesma é companhia suficiente. Uma mulher sem homem tem mais valor do que uma mulher com um homem babaca, covarde, pequeno. Nenhuma intimidação é romântica. Sofrimentos emocionais são inevitáveis, mas ter o corpo submetido à violência física não dá poema, não dá filme, não dá nenhuma canção bonita. Tem que dar cadeia, apenas isso.
A grande revolução feminista passa pela consciência de que a solidão não é humilhante, a renúncia à nossa integridade é que é.