Popular durante o século XIX, em shows de música e humor norte-americanos, o blackface ("cara negra", em tradução para o português) foi uma prática criada pelo teatro para representar personagens negros de forma caricata e estereotipada. Com tinta preta, perucas crespas e lábios grossos, atores brancos costumavam fazer graça com a cultura negra dos Estados Unidos – em uma época em que atores afrodescendentes eram segregados do ambiente cultural. Pois o assunto voltou à tona na semana passada, quando Marco Nanini "fantasiou-se" de negro para um episódio da novela Êta Mundo Bom!.
Dois séculos depois da popularização da prática, o blackface permanece polêmico. Há quem considere inaceitável usar um recurso que remeta a tradições racistas, mas existem profissionais do teatro que defendem que há momentos em que o mecanismo é justificado. Uma foto publicada por Flávia Alessandra, colega de Nanini na novela, em que ela e outras quatro atrizes parecem rir da maquiagem usada pelo ator foi duramente criticada nas redes sociais.
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Para o diretor de teatro Luciano Alabarse, é importante avaliar o contexto em que a blackface é utilizada: em Êta Mundo Bom, o personagem de Nanini é um professor desempregado que passa a pedir esmola na rua – envergonhado, utiliza disfarces para não ser reconhecido.
– Não vejo nada de racista. O Nanini não está interpretando um personagem negro na novela, é um personagem que se disfarça de muitas maneiras. Acho que o Brasil está ficando insuportável, com grupos organizados que patrulham de forma pouco democrática opiniões divergentes. Esse cena obedece uma questão dramatúrgica e tem que ser visto apenas como dramaturgia. Só alguém que desconhece totalmente a trajetória deste ator vai taxá-lo de racista. Este episódio não ofende ninguém.
Diretor do grupo Caixa Preta, conjunto teatral que discute a questão racial e é formado majoritariamente por artistas negros, Jessé Oliveira discorda. Apesar de considerar que há situações em que o blackface é justificável – uma peça sua, representada recentemente na Alemanha, utiliza o recurso justamente para questioná-lo –, o diretor vê neste episódio o reforço de um estereótipo discriminatório, no mínimo.
– É um recurso que sempre foi utilizado para alijar o negro do processo de trabalho e da própria discussão estética da representação de seu corpo, e esse contexto não pode ser deixado de lado. No caso específico, é uma caricatura feia, agressiva, do negro com nariz de batata e cabelo pixaim, que reforço estereótipos. As pessoas ainda entendem negro como fantasia, bem como a mulher, o índio. Não existe disfarce de homem branco. Me admira ver um grande artista como o Marco Nanini, que eu imaginava que visse essa questão de outra maneira, não oferecer um olhar crítico sobre a questão. Ele não é ingênuo.
No Twitter, o autor da novela, Walcyr Carrasco, respondeu à polêmica de forma revoltada: "Acusam de racismo pq um dos disfarces de Marco Nanini em Êta Mundo Bom! é de negro. É um absurdo! Na novela, um menino negro é protagonista! Com essa exigência do politicamente correto, o mundo perdeu o humor! E mais tarde, Nanini fará uma gueixa. Entre tantos personagens, vão dizer que é preconceito contra os orientais! Santo Deus!", escreveu.