O cinema brasileiro não costuma mostrar interesse - para além da caricatura - por personagens das classes sociais mais abastadas, como se esses não tivessem a dizer tanto sobre o país quanto os excluídos e marginalizados. Essa falta de foco é eventualmente compensada por filmes vibrantes e pertinentes como Casa Grande, que estreia nesta quinta-feira em três salas de Porto Alegre.
Em seu primeiro longa de ficção, o diretor carioca Fellipe Barbosa não segue a ambição formal de O Som ao Redor (2012), referencial longa do pernambucano Kleber Mendonça Filho, mas compartilha com este a proposta de problematizar questões candentes no fundo do abismo da desigualdade social tão arraigada no país. E também o faz espelhando as relações entre patrões e empregados, não no campo da guerra de classes que fomenta a intolerância e sem a moldura da relação bidimensional de poder e submissão.
Com uma narrativa mais clássica, folhetinesca até, Barbosa acompanha o processo de falência, financeira e moral, de Hugo (Marcello Novaes, em convincente e surpreendente desempenho), executivo que vai à bancarrota com apostas em negócios de risco. O choque da nova realidade na imponente mansão da família terá como guia Jean (Thales Cavalcanti), o filho adolescente prestes a prestar vestibular.
O rapaz, que até então via o mundo pela janela do carro de seu motorista e tinha como maiores aventuras as escapadas noturnas rumo ao quarto da empregada, passa a ir de ônibus ao colégio particular. E vive um processo de amadurecimento ao se envolver com uma menina de classe média estudante de escola pública. Filha de uma mulata e de um japonês, ela é exemplo da miscigenação racial do Brasil que existe por trás dos muros dos condomínios de luxo.
Afora a óbvia analogia ao tratado sociológico lançado por Gylberto Freire no livro Casa Grande & Senzala (1933), Barbosa faz um registro contundente e preciso da tensão social que aflora no país. Apresenta situações e personagens ricos em suas complexidades e contradições. Os tantos acertos do diretor minimizam equívocos como o artificialismo que pontua, por exemplo, uma discussão sobre as cotas raciais nas universidades. O tom didático dos discursos parece deslocado em uma narrativa até ali fluída em seu naturalismo. Mas o fato de esse tema estar ali presente em diferentes pontos de vista não deve ser subestimado.