Herbie Hancock, um pianista com uma toada brilhante e uma intuição rápida, é uma figura inclinada a novidades e muitas vezes seu principal rumo parece ser o da diplomacia cultural global.
- Não me considero um porta-voz do jazz - , afirmou recentemente, dando a entender que ele teria maiores preocupações. Sentado na sala de sua casa casualmente elegante aqui em West Hollywood, não muito longe de um quarto repleto de prêmios Grammy, incluindo um de álbum do ano - Hancock, de 73 anos, exibia um humor cordial e com uma risada fácil e desconcertante. Ele ainda estava cansado da turnê pelo leste asiático, que terminou com diversos encontros com funcionários do governo para falar do Dia Internacional do Jazz, sua principal iniciativa como embaixador da boa vontade pela UNESCO. Felizmente, ele teria algum tempo para descansar antes de ir à Washington, para a entrega do Kennedy Center Honors deste ano, quando estará entre os cinco homenageados que incluem Billy Joel e Shirley MacLaine.
A importância de Hancock para o jazz anda de braços dados com sua relevância para o universo pop, a um ponto em que nenhuma outra pessoa jamais chegou. Depois de redefinir a linguagem do piano pós-bop nos anos 1960, ele se aventurou no funk, na eletrônica e no pop-R&B, deixando sua marca a cada passo. Uma nova caixa lindamente produzida, "The Complete Columbia Album Collection 1972-1988" (Legacy), reúne suas obras em 34 CDs; entre os quais se encontram o "Head Hunters", um experimento jazz-funk que vendeu mais de um milhão de cópias, e "Future Shock", cujo hit, "Rockit", se tornou uma das pedras fundamentais do hip-hop, além de um sucesso surreal do início da era MTV. Com o mesmo espírito, o próximo álbum de Hancock provavelmente será uma colaboração com Flying Lotus, o produtor de música eletrônica, e com Thundercat, virtuose do baixo elétrico e cantor.
Informações à parte, poucos duvidariam que Hancock se tornou um dos maiores emissários do jazz. Além de sua posição junto à UNESCO, ele é o diretor criativo de jazz da Filarmônica de Los Angeles Philharmonic e diretor do Instituto de Jazz Thelonious Monk, responsável não apenas por uma importante competição e um programa de pós-gradução, mas também por uma campanha educacional com presença global. Quando ele aceitou o Grammy de melhor álbum de 2008, por "River: The Joni Letters" (Verve), um tributo iluminado a sua amiga Joni Mitchell, ele foi a pessoa que destacou que já haviam se passado 43 anos desde que um artista de jazz havia recebido aquele prêmio.
Hancock estudou música clássica quando era criança, mas ao crescer em Chicago, ele não pode deixar de ouvir sua parcela de blues. Naquela época, ele estava mais ligado ao doo-wop: - Eu ouvia os Ravens, os Five Thrills, os Penguins, e os Midnighters - . O jazz só o conquistou depois que ele ouviu o trio de piano de um colega no show de talentos da escola.
Ele se matriculou no curso de engenharia do Grinnell College, embora não demorasse até que viesse a conhecer o trompetista Donald Byrd. Depois de participar de vários álbuns com Byrd pela Blue Note, ele fez seu disco de estreia pelo selo em 1962. E para qualquer pessoa que tenha criticado as inclinações comerciais ao longo de sua carreira, vale a pena lembrar que a primeira faixa daquele disco foi "Watermelon Man", um tema cheio de groove que logo se tornou um sucesso.
Hancock foi contratado por Miles Davis no ano seguinte, tornando-se o principal elemento harmônico de um dos melhores grupos de jazz da história.
- Ele é uma das poucas pessoas na música que realmente conceberam uma mudança - , afirmou o pianista Geri Allen a respeito do trabalho de Hancock na banda. - Depois dele, tudo mudou em relação ao que as pessoas acreditavam que o piano era capaz de fazer. Sua base de conhecimento era tão ampla e completa e, além disso, ele sempre foi uma pessoa virtuosa e humana - .
Ao longo dos cinco anos que passou ao lado de Davis, Hancock lançou seus próprios discos influentes, especialmente "Maiden Voyage", "Empyrean Isles" e "Speak Like a Child". Suas composições lógicas, embora pitorescas, ganhavam contornos de música de câmara como em "The Prisoner", inspirada por seu trabalho em um comercial de cigarros para a TV.
- Eles queriam que se parecesse com um arranjo ao estilo Miles Davis-Gil Evans. Quando fiz o comercial, gostei tanto daquele som que eu queria que meu próximo álbum, que acabou sendo o 'The Prisoner', tivesse aquela textura. E isso levou ao primeiro grupo que tive depois que deixei a banda do Miles -
O primeiro grupo foi um sexteto - assim como o Mwandishi, criado logo em seguida, e definiu a sonoridade de Hancock no início dos anos 1970: volátil, mas relaxado, com uma abordagem que combinava uma abstração cabeçuda, o abandono do swing e um groove percussivo e natural. Com um sucesso modesto na época, o Mwandishi se tornou um grupo de culto desde então: - A melhor banda que as pessoas AINDA não conhecem! - , conforme o baixista Christian McBride disse recentemente no Twitter. Inicialmente uma banda formada para tocar ao vivo, o grupo não durou muito tempo depois que Hancock assinou com a Columbia: "Sextant", o primeiro disco da caixa, foi a gravação de despedida do grupo.
Tendo em vista que o disco dois é "Head Hunters", não é difícil imaginar o que aconteceu. Porém, é simplista argumentar que Hancock estivesse apenas tirando proveito de um público mais jovem. Não é à toa que ele diz que "Head Hunters" foi um experimento: - Estávamos criando alguma coisa. Minha intenção era fazer um disco de funk, mas a influência do jazz não parava de aparecer -
Assim como Wayne Shorter, seu colega na banda de Davis e maior parceiro musical, Hancock pratica o budismo Nichiren desde o início dos anos 1970. Para chegar a seu impressionante estúdio caseiro - repleto de teclados, computadores e mesas de mixagem guarnecidas de muitos terabytes de espaço de armazenamento - primeiro é preciso passar por uma sala onde fica um templo modesto, onde medita todos os dias.
Hancock acredita que sua prática religiosa seja responsável por muitas coisas, incluindo seu rumo artístico.
- Penso mais sobre o propósito da criação de um novo disco. Que mensagem quero passar? E as mensagens não são a respeito da música, mas da vida -
De forma similar, ele decidiu há anos que não iria se classificar.
- Eu percebi que se eu me visse como músico, haveria uma barreira invisível entre eu e as pessoas que não são músicos. Contudo, se eu me definir como ser humano, todas essas barreiras desaparecem -
Ele investiu muita energia para eliminar essas barreiras - e o jazz se tornou um meio para esse fim, ao invés de um fim em si mesmo.
- Reconheço que este novo milênio, em especial este século, verá um novo nascimento da globalização, junto com o que espero ser o nascimento de um novo humanismo - . Hancock acrescentou esperançosamente que: - Veremos algumas mudanças inacreditáveis e eu prefiro estar no lado que empurra o mundo pra frente, do que do lado de quem espera que os outros façam isso -
Música
Herbie Hancock planeja o próximo álbum com participações de vários artistas
Considerado o mestre do jazz, Hancock ganhou diversos prêmios Grammys
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