A o final do terceiro dia, o tropel se aproxima da Estância Encerra, onde os bois embarcarão em caminhões para Uruguaiana, e as vacas pernoitarão para depois vencer o trecho final até a Estância do Branquilho. Quase na chegada, uma das imagens mais inusitadas e simbólicas da jornada: enquanto um gaúcho a cavalo interrompe o trânsito da BR-293, os outros tocam a tropa através do asfalto para o outro lado da rodovia.
Uma gritaria substitui o ronco dos motores:
- Êra, êra, êra! Vâmo, boi! Vâmo!
Os motoristas dos carros abrem as portas, alguns puxam os celulares e tiram fotos da cena rara. Quando o trânsito é liberado, dois ou três minutos depois, buzinam e abanam para Elso e seus peões. À noite, os tropeiros comem mais um churrasco na companhia dos funcionários da estância. Dormem cedo a fim de percorrer, poucas horas depois, o último trecho da viagem.
O percurso final começa à beira do corredor com um legítimo café de tropeiro, ou de cambona, em que o pó é lançado na água quente de uma tradicional garrafa de lata com alça de arame. Um tição - pedaço de lenha em brasa - é enfiado em seguida para baixar o pó negro ao fundo. Sérgio, porém, não toma o café. Puxa um saco de estopa de sua bagagem e, de dentro dele, tira um enorme pedaço de ovelha assada.
- Esse é o meu café - sorri, satisfeito.
O peão é um exímio carneador. Poucas horas mais tarde, na parada do almoço, se aproxima da última ovelha e acerta um golpe de faca certeiro no pescoço. Desde esse momento até o animal estar pendurado em fatias sobre o arame de uma cerca, pronto para ser espetado, não passam 15 minutos. Gian, como aprendiz, ajuda a separar algumas peças de carne sob orientação dos mais velhos. Jovens como ele e Carlos deverão garantir a sobrevivência do tropeirismo gaúcho por pelo menos mais uma geração.
>> Herança tropeira
A atividade deixou como legado uma série de costumes. Na culinária, o feijão tropeiro (cozido com toucinho, charque e acompanhado de farinha de mandioca ou milho) é uma delas. Mitos como a mula sem cabeça foram propagados nos pousos de tropa, quando circulavam histórias sobre o animal que solta fogo pelas ventas e provoca estouros de manada. Até ditos como "teimoso como uma mula" estão ligados à cultura tropeira.
Às 16h30min de 28 de outubro, uma segunda-feira, 81 horas depois da saída da Estância Carcávio sob os badalos do cincerro, os quatro gaúchos chegam a seu destino. O gado é contado - nenhuma cabeça foi perdida - e mais uma das inúmeras viagens realizadas em solo gaúcho desde a aurora rio-grandense é concluída. Os tropeiros do século 21 ganham uma carona de carro até a cidade, atravessando em questão de minutos campos que antes levaram horas para cruzar.
Passam sacolejando por coxilhas onde rodovia nenhuma chega ainda, seguindo uma trilha tênue entre o pasto. Mas, se a tradição de conduzir tropas resistir por tempo suficiente, um dia é capaz de haver uma nova estrada ali.