O segundo dia de viagem submete os gaúchos de Livramento a um dos maiores desassossegos de um tropeiro: o mau tempo. Os rios caudalosos e a chuva insistente que somaria 52 milímetros ao longo do dia - um terço da média de todo o mês - tornam a marcha mais lenta, perigosa e desconfortável. O cavalo do peão Carlos Ricardo escorrega na estrada lisa e joga o rapaz em uma poça de água barrenta. Ele segue viagem ainda mais molhado e sujo.
Ao cruzar por outro rio abarrotado de chuva, Elso assume a função de fiador da boiada - coloca-se no meio do leito com a água acima das costelas do cavalo, para evitar que algum animal vá sucumbindo à correnteza até ser levado em definitivo. O gado passa quase nadando, mas o tropel inteiro consegue chegar ao outro lado.
O grupo carneia a segunda ovelha, almoça e segue viagem até montar novo acampamento à margem da estrada, em uma localidade conhecida como Babá. Estão todos encharcados e com frio. O jovem Carlos, tropeiro há apenas dois anos, coloca as roupas molhadas ao redor do fogo de chão e veste peças mais secas que trouxe em uma das bolsas presas ao lombo do cavalo. Ele largou a escola para trabalhar no campo. Já foi peão de estância, mas prefere a vida em movimento - ainda que sujeita às intempéries.
- O pior desta vida é a chuva. Mas o que eu mais gosto de fazer é tropear e domar - conta.
No dia seguinte, o terceiro, o grupo aproveita o retorno do sol para colocar as meias e as botas ao sol e estender os palas úmidos sobre cercas de arame. Após o almoço, Sérgio Vargas põe em prática um antigo truque campeiro: tira um naco de gordura do rim da última ovelha carneada e esfrega no couro das botas.
- Ajuda a não rachar o couro, e protege da umidade - explica.
Gian aproveita que o local é um dos poucos de todo o trajeto onde há sinal de celular e se afasta com o aparelho colado ao ouvido.
- Deve estar ligando para o 190 - brinca Sérgio, já que o companheiro namora uma brigadiana lotada na Capital.
É um dos poucos momentos em que a tropa depara com algum traço de modernidade. Na maior parte do percurso, viajam como se ainda estivessem nos áureos tempos das tropeadas que atravessaram o pampa no século 18.
>> Mudança de significado:
No começo do século 18, somente o dono da tropa recebia a denominação de tropeiro. Quem cumpria o trabalho de conduzi-la tinha uma denominação diferente conforme a especialização - como capataz, peão, ou arrieiro (responsável por um lote de mulas cargueiras). Na metade do século 18 e no 19, designava o dono da tropa e o capataz. Somente no século 20 o termo incluiu todos que conduzem a manada.