As tropas de antigamente eram bem mais numerosas. O registro de uma viagem do ano de 1777, por exemplo, contabiliza 3.176 cabeças de gado, 392 cavalos, 166 bestas, dois burros. Uma caravana dessas exigia uma grande quantidade de homens que se especializavam em atividades como tocador de mulas ou cozinheiro. Hoje, quando é raro uma manada alcançar mil animais, os tropeiros fazem de tudo um pouco - cozinham, montam sentinela à noite, ferram os cavalos.
Na tropa de Elso, dois homens vão na frente. Os chamados ponteiros têm a missão de vigiar porteiras abertas para que os animais não entrem, afastar outros rebanhos para não se misturarem e ditar o ritmo da marcha para o gado não cansar. Os dois homens de trás, chamados culatreiros, vêm tocando a manada adiante aos gritos de "êra, boi". Todos param perto do meio-dia para almoçar. Acende-se um fogo de chão à margem do corredor, como se chama o caminho formado por trechos de estradas de chão e de campo delimitado por cercas ou muros de pedra erguidos ainda durante o tempo da escravidão. Carneiam a primeira ovelha, enquanto as cadelas tomam conta do gado. Basta um boi se afastar que Elso dá o comando:
- Pampa! Toca, toca, toca, toca, toca!
E lá vai a cadela Pampa correndo e latindo até cingir o boi apavorado de volta ao rebanho. O grupo come nacos de carne direto do espeto, usando apenas facas, espera o sol baixar e segue viagem.
À noite, poderiam dormir na estância de um conhecido, prática antiga ainda comum entre os tropeiros. Mas Elso, experiente, pressente a possibilidade de chuva e resolve pousar ao relento para ficar o mais próximo possível do próximo rio a ser atravessado. Assim, caso comece a se encher demais, há tempo de atravessar com os animais. A previsão estava correta: pouco depois das 22h, desaba um temporal sobre a comitiva.
Elso e os peões Gian Câmara de Mello, 19 anos, e Carlos Ricardo Moreira, 18, suportam o aguaceiro enrolados no pelego e no pala impermeável, deitados no chão. Sérgio Vargas, 51 anos, permanece como sentinela da tropa para espantar eventuais ladrões.
Uma jornada pampa adentro: viagem remete a jornadas fundamentais para o povoamento do Estado
Fundadores de cidades
Os pousos de tropeiros foram uma das principais razões para o surgimento de vilarejos que deram origem a cidades como Ana Rech, Cruz Alta, Passo Fundo, Lagoa Vermelha ou Santo Antônio da Patrulha - nome que deriva da guarda ali montada para cobrar impostos pelos rebanhos em direção a São Paulo e Minas. Nos pousos, ainda no século 18, era comum tropeiros armados ficarem de vigilância para evitar os assaltos frequentes às comitivas.
Na manhã seguinte, com as roupas e as botas molhadas, o grupo levanta acampamento sob tempo ainda chuvoso e segue viagem. Se o rio encher demais, acabarão presos.