Ainda não se enxergam as coxilhas ao redor, cobertas pela escuridão final da madrugada, quando os quatro gaúchos levantam de seus pelegos na Estância Carcávio, interior de Santana do Livramento. Tomam o primeiro mate do dia e aguardam o nascer do sol ouvindo ao longe os badalos do cincerro - espécie de sineta presa ao pescoço do cavalo que vai na dianteira da tropa. Pelos quatro dias seguintes, o ruído metálico que ajuda a guiar os outros animais irá acompanhá-los na jornada pampa adentro.
Atrás do cincerro virão outros 16 cavalos destinados a servir de montaria aos tropeiros, em sistema de rodízio, para não cansarem. Além deles, três ovelhas que serão o único alimento do quarteto até o fim da viagem e, por fim, as 365 cabeças de gado - 177 bois embarcarão 60 quilômetros adiante em caminhão rumo a Uruguaiana para posterior abate. As vacas restantes seguirão viagem a passo até outra propriedade da família do criador Eduardo Soares, 39 anos, para engorda. Correndo por todos os lados, as cadelas ovelheiras Morena e Pampa ajudam a manter a tropa coesa.
Caso todos os animais fossem transportados por via rodoviária, seria necessário gastar R$ 8,4 mil. Já o trabalho do capataz, que recebe R$ 140 ao dia, e o dos peões, que ganham a metade disso, resulta em um custo final aproximado de R$ 2 mil - já incluídas outras despesas, como alimentação.
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A ORIGEM
Cabeças de gado abandonadas por jesuítas no pampa, no século 17, deram origem à chamada Vacaria do Mar - reserva de animais xucros que se multiplicou e atraiu a atenção de caçadores em busca de couro. Parte dos animais, mais tarde, foi levada para o Nordeste do Estado, onde deu origem à Vacaria dos Pinhais. No auge da extração de ouro em Minas Gerais, no século 18, quando a mão-de-obra de lá foi deslocada para a mineração, o rebanho gaúcho ganhou importância. Um intenso ciclo de tropeiros levava gado para abate, mulas para transporte de cargas e cavalos.
Elso Fernandes Figueira, 45 anos, é um dos capatazes mais conhecidos de Livramento. Tropeiro há 25 anos, conta com a confiança de grande número de estancieiros da região - o que faz com que praticamente emende uma viagem na outra nesta época do ano. Depois de findar o serviço atual, acompanhado por ZH, tem outra saída marcada para dois dias depois.
- Eu era jockey, mas fiquei muito pesado. Sempre gostei de tropear, então segui nessa vida. Nesta época, faço três, quatro, até cinco viagens por mês - conta.
Na hora de partir, os animais são contados ao passar pela última porteira. Uma nova contagem, ao fim, vai indicar se o mesmo número chegou ao destino. Às 7h30min, Elso e o restante da tropa seguem o badalo do cincerro num campo a perder de vista.