Lançando a cada ano filmes dos mais diferentes gêneros, François Ozon é um exemplo de diretor prestigiado por realizar obras com reconhecido empenho autoral e que encontram boa receptividade das plateias para além do circuito alternativo. Em cartaz a partir desta sexta-feira em Porto Alegre, Dentro da Casa (Dans la Maison, França, 2012) se coloca entre os melhores filmes do realizador francês - que acaba de disputar a Palma de Ouro em Cannes com seu longa de 2013, Jeune & Jolie.
Muitas das características presentes na filmografia de Ozon ressurgem em Dentro da Casa: a combinação engenhosa de gêneros - suspense, melodrama e sátira de costumes, atores ótimos em performances marcantes e a aparente simplicidade de uma narrativa que se desdobra de forma engenhosa. Outra de suas marcas autorais, mulheres que vão impondo sua força e presença no correr da história, também está bem delineada aqui na figura da sempre competente atriz inglesa Kristin Scott Thomas.
Dentro da Casa é centrado no tensionamento psicológico que se dá entre o professor de literatura Germain (Fabrice Luchini, um dos grande nomes do cinema francês, parceiro de Ozon em Potiche) e um aluno de 16 anos, Claude (Ernst Umhaeur), em quem o mestre enxerga um potencial talento para a narrativa a ser lapidado.
Ozon escreveu o roteiro inspirado na peça El Chico de la Última Fila, do dramaturgo espanhol Juan Mayorga. O cenário é um liceu em começo de ano letivo. Germain é um escritor frustrado e desencantado com a incapacidade da classe em se expressar pela escrita da forma não telegráfica.
Daí a surpresa do mestre quando depara com Claude que, numa redação para descrever seu melhor amigo, entrega um texto de fôlego e articulado como uma envolvente narrativa. O problema é que, em seu relato, o aluno expõe intimidades da família do colega com observações irônicas e depreciativas. Germain percebe não apenas as implicações éticas dessa invasão de privacidade, que ele deveria abortar para evitar consequências desastrosas para todos os envolvidos, mas também uma espécie de perturbação patológica em Claude. Porém, leva adiante a experiência, movido por uma obsessão voyeur e pedagógica.
No progressivo suspense, Ozon vai colocando em cena elementos que embaralham a percepção do espectador. Ensinando a Claude técnicas de narrativa literária - criação de clímax, clichês a evitar, estrutura do bom romance, motivações etc -, Germain parece manipular seu próprio personagem. Só que o manipulado é ele, pois, ao aprimorar as lições criativas, Claude desorienta o professor por entre o que é real e o que é fruto da ficção que elabora.
A isso, Ozon acrescenta referências escolares aos conflitos entre razão (na matemática) e emoção (na literatura), citações irônicas às artes visuais contemporâneas (a mulher de Germain é curadora de uma galeria que expõe obras que ele menospreza) e presta tributos cinéfilos - Claude parece moldado no protagonista de Teorema, clássico de Pasolini, e o simbólico desfecho potencializa as imagens que Hitchcock tornou síntese do interesse pela vida alheia entre quatro paredes, em Janela Indiscreta.
Confira aqui o trailer de Dentro da Casa.