No Brasil de 1999, todo mundo já tinha segurado o tchan, encarado a barata da vizinha em sua cama, negado as aparências, disfarçando as evidências. Mas, tirando os gaúchos, quase ninguém já havia dançado o vanerão ou conhecido a Castelhana e a Moça Fandangueira.
Nenhum ritmo gaúcho tinha espaço nas paradas de sucesso do país em 1999. As rádios brasileiras eram dominadas pelo pagode de grupos como Exaltasamba, Os Morenos, Karametade e Soweto. Também havia o axé do Terra Samba, do Asa de Águia com sua Dança do vampiro, e Ivete Sangalo iniciava sua carreira solo. Popularizado no início dos anos 1990, o sertanejo ainda não havia entrado na faculdade e perdia terreno, embora artistas como Zezé di Camargo e Luciano continuassem tocando bastante. O rock nacional respirava com Raimundos e seu disco Só no forevis, mas já encontrava uma renovação com Los Hermanos, que estourava com Anna Júlia.
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Para tentar romper as barreiras do mercado nacional, a gravadora gaúcha Acit e a paulista Abril firmaram parceria e lançaram a tchê music – movimento musical de artistas gaúchos ligados ao nativismo, que tinham como ritmo base o vanerão, mas com letras mais urbanas e, consequentemente, um apelo mais jovem.
A Acit e a Abril tinham embasamento para isso: naquele mesmo ano de 1999, foi realizada a pesquisa Top Teen, publicada na revista Amanhã. O estudo ouviu a opinião de crianças e adolescentes de Porto Alegre e da Região Metropolitana com idade entre nove e 17 anos. No tópico banda, a Tchê Guri conquistou o primeiro lugar. Engenheiros do Hawaii, Tchê Barbaridade, Os Serranos, Tchê Garotos e Família Lima completaram a lista. Ou seja, três grupos "tchês" estavam entre os mais lembrados pela gurizada metropolitana.
O CD Tchê music trazia canções dessas três bandas e também do grupo Pala Velho e da dupla Oswaldir e Carlos Magrão. Discos de cada artista estavam previstos para o ano de 2000, vendidos no Estado pela Acit e no resto do Brasil pela Abril.
A tenteada era livre. Afinal, vez ou outra um ritmo regional se espalha feito epidemia por todo o Brasil – como calipso, funk carioca, axé, forró. Seria a oportunidade de difundir o animado vanerão gaúcho para a grande massa. Com um bom investimento no projeto por parte da Abril, havia a expectativa de a tchê music tomar o país de assalto. Era a vez do Rio Grande do Sul.
Não foi.
O show de lançamento foi um mau presságio. Os artistas estavam acostumados a lotar clubes e CTGs por onde tocavam. Mas encontraram um público abaixo do esperado no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, na época com capacidade para aproximadamente 4 mil pessoas.
– Foi um fracasso total – descreve Ivete Campagna, diretora da gravadora Acit, sobre o show de lançamento do CD Tchê music.
– Não lotou 15% do Araújo – lembra Marcelo Dametto, ex-vocalista do Pala Velho, que se apresentou naquela noite fatídica de outubro.
O BATISMO
"Sentimos o mesmo cheirinho de
quando descobrimos a axé music."
Alexandre Ktenas
Diretor de marketing da gravadora Abril Music em 1999
Como movimento de marketing, a tchê music nascera alguns meses antes. Em março de 1999, o radialista Marcelo Machado foi acompanhar o festival Reponte da Canção, em São Lourenço do Sul. Durante um show do Tchê Guri, um amigo nativista, incomodado com a perda de espaço dos músicos tradicionalistas para grupos "baladeiros" (portanto, mais próximos, digamos, da dance music), comentou:
– Bah, agora o palco é só para esses caras da tchê music!
A expressão ficou martelando na cabeça de Machado, que, pouco antes, tinha visto o Tchê Barbaridade lotar o Clube Farrapos, em Porto Alegre.
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TCHÊ BARBARIDADE
> Fundação: 1987
> Cidade: Porto Alegre
> Sucessos: Moça fandangueira, Não sei dançar, Ausência e É sábado o dia
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– Eu percebi que estava acontecendo uma coisa nova. Tinha também a questão emblemática de que os grupos que faziam sucesso começavam com "tchê". Como existia a axé music, juntei tudo isso num caldeirão – conta Machado.
Trabalhando na Zero Hora à época, Machado utilizou o termo "tchê music" pela primeira vez em uma matéria publicada em 19 de março de 1999, para descrever o estilo do Tchê Guri, que seria atração no festival Canto da Lagoa, de Encantado. Ele propôs ao jornal lançar uma compilação com Tchê Garotos, Tchê Guri e Tchê Barbaridade. Ao longo de maio, a coleção Tchê Music ZH apresentou cada um dos grupos, em parceria com a Acit.
A boa vendagem (100 mil cópias, segundo a gravadora Acit) estimulou sonhos para além do Mampituba. O paulista João Carlos Ribeiro, o Joca, que na época agenciava a bem-sucedida banda de samba e pagode Só Pra Contrariar, e o empresário e produtor gaúcho Luís Mussini fizeram o meio de campo entre a Acit e a Abril Music. Na gravadora paulista, a dupla que ficaria responsável pela tchê music era a mesma que, quando trabalhava na PolyGram, viu na axé music uma perspectiva de mercado: o presidente Marcos Maynard e o diretor de marketing Alexandre Ktenas.
Em reportagem na ZH de 27 de outubro de 1999, que divulgava o show de lançamento do CD Tchê Music no Araújo Vianna, Ktenas disse que a dupla ficou abismada com o vídeo de uma apresentação ao vivo de tchê music, principalmente pela participação do público, formado por adolescentes que cantavam todas as músicas. "Sentimos o mesmo cheirinho de quando descobrimos a axé music", relatou.
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TCHÊ GURI
> Fundação: 1990
> Cidade: São Leopoldo
> Sucessos: Não vá, Guria, Eu sou daqui e Costela gaúcha
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Maynard, hoje proprietário de um selo musical que leva o seu nome, afirma que sua intenção era transformar a cena em um movimento nacional:
– As três bandas (Tchê Garotos, Tchê Guri, Tchê Barbaridade) tinham músicas que poderiam varar o Brasil. Íamos lançá-las e tocar um pouquinho aqui e ali, e eu poderia perceber o que estava acontecendo. Lembro que o Tchê Guri tinha uma música muito forte (Guria). Se eu estourasse essa canção, o resto viria. Você cria a onda da história.
A TRANSFORMAÇÃO
"Antes de uma sessão de fotos
em São Paulo, Oswaldir teve que ir para
o salão tirar a barba e cortar o cabelo."
Luciano Gradaschi
Ex-guitarrista do Pala Velho
Por criar a onda, entenda-se também adotar uma nova roupagem. Os marqueteiros resolveram limar o excesso de regionalismo. Isso ficou claro na sessão de fotos de divulgação realizada em São Paulo, a cargo do renomado fotógrafo Chico Audi.
– Nós chegamos lá todos de gauchões. Oswaldir teve que ir para o salão tirar a barba e cortar o cabelo – lembra Luciano Gradaschi, ex-guitarrista do Pala Velho, hoje proprietário de uma fábrica de botas.
– Meteram umas maquiagens nas nossas caras pela primeira vez. Ficamos parecendo boneco de cera, tudo com as bombachas largas – descreve Luiz Cláudio, ex-vocalista do Tchê Garotos, hoje à frente do projeto Luiz Cláudio e Baita Baile.
Houve tensão quando foi sugerido para os músicos trocar as bombachas por outras calças.
– Estávamos a fim de fazer qualquer coisa para atender o que nos era cobrado. Vestimos camiseta com bombacha, bombacha por cima da bota, mas a gente não queria tirar a bombacha – salienta o cantor.
Apesar da resistência, os tchês foram deixando de lado a indumentária, o que geraria desconforto nos setores mais puristas do tradicionalismo. Com as fotos feitas, era hora de lançar o CD no que deveria ser um grande show no Araújo Vianna. Superprodução de palco, iluminação, efeitos especiais, convidados como Borghettinho. Só faltou combinar com o público.
– Fizeram o show no lugar errado. O Araújo não era o ponto da junção dessa gurizada – avalia o radialista Marcelo Machado.
Há 35 anos no ramo musical e há 25 no comando da Acit, Ivete Campagna não esconde a decepção:
– Talvez faltasse ao local tradição de música gaúcha, mas imaginamos que, com as cinco bandas, lotaríamos. Só que estava muito vazio. Foi chato porque o pessoal da Abril veio, viu e desanimou.
Maynard, presidente da Abril Music à época, discorda que o público pequeno tenha feito a gravadora puxar o freio de mão:
– Sabe quantas pessoas tinha no show de lançamento do RPM no Morro da Urca (no Rio)? Quinze. Sabe quantas era da gravadora? Dez. É normal de acontecer essas coisas no começo. As coisas que são embrionárias, contra o establishment, recebem muitos ovos na cara.
O CONFLITO
"O que assustou os CTGs foi a maneira
como a gurizada começou a dançar."
Sandro Coelho
Ex-vocalista do Tchê Garotos
Os artistas da tchê music viviam um dilema. Estavam espremidos: se para o pessoal do centro do país pareciam gauchões demais, para o tradicionalismo gaúcho representavam uma afronta. Já estaria aí uma das razões do insucesso.
– O que eles (as gravadoras) queriam era o certo no momento errado. O público daqui não estava preparado para ouvir, e o público lá de cima tinha grande possibilidade de não aceitar, pois estavam nos vendendo como um projeto gaúcho, de bombacha. Aí caiu por água. Se o projeto tivesse vindo hoje, seria melhor recebido, porque é o que todo mundo faz agora – comenta o cantor e produtor Sandro Coelho, ex-vocalista da Tchê Garotos.
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TCHÊ GAROTOS
> Fundação: 1995
> Cidade: Porto Alegre
> Sucessos: Ajoelha e chora, Cachorro perigoso, Menininha e Agora chora (com Bruno & Marrone)
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Ainda em 1999, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) divulgou um manifesto pregando o respeito à Carta de Princípios, que condena o abandono da indumentária gaúcha e o uso dos CTGs por estilos musicais "invasores". "O CTG que necessitar fazer a contratação de conjunto que distorça a música, que despreze a pilcha ou que use de recursos de culturas alienígenas para obter lucro deve pensar se não está na hora de trocar de nome e de finalidade", sugeria o texto do MTG, em trecho transcrito no Segundo Caderno de 22 de dezembro.
– A orientação foi de que somente fossem contratados conjuntos musicais que executassem músicas no compasso tradicional. A Carta de Princípios não proíbe nada, ela define os objetivos do MTG – explica Manoelito Savaris, vice-presidente da entidade na época.
Em dezembro daquele ano, em resposta a um pedido de apoio da Lei de Incentivo à Cultura (LIC) para a realização de uma série de shows de tchê music pelo Rio Grande do Sul e outros Estados, o Conselho Estadual de Cultura (CEC) alinhou o projeto entre os exemplos da "bestialização da cultura nacional". "Mídia, mídia, mídia, mídia e mídia. É praticamente só isso que o projeto tchê music pretende (...). Pode ser uma forma de comparação (ou, quem sabe, contraposição?) à tal axé music, gênero que inundou a mídia nacional nos últimos anos, com a pretensão de divulgar a cultura baiana, e que, aliada à música sertaneja, é responsável pela mediocrização da cultura nacional ao impor ao país esses gêneros como cultura e qualidade musical", dizia o parecer do CEC.
Para o jornalista e doutorando em comunicação João Vicente Ribas, os tradicionalistas exageram:
– Normatizam a forma de se vestir, de se comportar e querem definir quais são os ritmos autênticos do Rio Grande do Sul. Centro cultural não é quartel. E há muitas incongruências e contradições em suas regras. Por exemplo: por que a milonga, derivada de influências europeias e africanas, é mais gaúcha do que a vanera misturada com maxixe?
Para Paulinho Bombassaro, gerente do Tchê Barbaridade, os tradicionalistas contestavam um público novo que começou a ir no CTG:
– Alguns vieram do samba, do pagode, a ginga deles era outra. Como eles não sabiam dançar daquela forma reta da vanera, então começaram a requebrar a cintura e nasceu o maxixe junto.
– Os grupos da tchê music tocavam uma música mais suingada para a galera torcer um pouco a cintura. O que assustou os CTGs foi a maneira como a gurizada começou a dançar aquilo – diz Sandro Coelho, ex-vocalista do Tchê Garotos, que hoje atua como cantor solo e produtor.
Luiz Cláudio lembra de algumas represálias em CTGs por conta do maxixe:
– Subiu no palco um rapaz que não era nem da patronagem e começou a falar: "Vocês não podem tocar maxixado! Nós vamos parar o baile!". Nós paramos. O público fez um quebra-quebra porque não queria que parássemos.
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PALA VELHO
> Fundação: 1993
> Cidade: Passo Fundo
> Sucessos:Primeiro amor, Sou Rio Grande, Buenas tchê e Orgulho de gaúcho
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Já o Pala Velho foi vaiado durante a gravação do programa Galpão crioulo, em Passo Fundo, terra natal da banda. Os integrantes vestiam calça jeans e bota.
– (O apresentador) Nico Fagundes deu uma "chamada" no povo. Disse que tinha que apoiar o grupo local, que não é a bombacha que define o gaúcho – conta o guitarrista Luciano.
Oswaldir alfineta:
– Isso é um processo muito demorado. Ainda bem que hoje aceitam a térmica para o chimarrão.
A DERROTA
"O movimento tentou seguir uma
fórmula simples de replicar algumas coisas
do axé de ser só festa, de ser dançante.
Pendeu mais para o comercial do que para o artístico."
Marcelo Ferla
Jornalista
Segundo o empresário e produtor Luís Mussini, o projeto nacional da tchê music não engrenou porque faltou a gravadora Abril cumprir um acordo para lançar os artistas gaúchos nas rádios e TV por todo o Brasil – o que envolveria alto investimento financeiro. A Abril optou por focar no forró, ele diz:
– Depois de ter assinado conosco, a gravadora foi convencida de que o forró daria resultados financeiros maiores e de forma mais rápida, começando por São Paulo (o maior mercado do país), que abriga mais de 5 milhões de nordestinos, um potencial de venda mais alto do que o gaúcho. A gravadora nos chamou para uma reunião e informou, através de seu presidente, que estava cancelando nosso acordo e estaria destinando o investimento para o forró.
Mussini diz que insistiu na tchê music. Porém, o resultado não foi o esperado:
– Conseguimos colocar o projeto para rodar em rádios importantes de São Paulo, Rio e Minas Gerais e em programas de TV, inclusive no Domingão do Faustão. Mas sem a gravadora investindo junto, o dinheiro acabou, e eu sofri a pior quebradeira da minha vida. Enfim, tive que parar.
Marcos Maynard, então presidente da Abril, discorda de Mussini:
– Mentira, não existe isso (de a Abril ter focado no forró). São aquelas coisas que viram história. Nenhuma gravadora foca numa coisa só. Na época que eu lancei a axé music, todo mundo dizia que a PolyGram era a gravadora da axé music. Na época da tchê music, tínhamos Bruno e Marrone, Edson e Hudson, Titãs, Los Hermanos. Para o sucesso há teorias enormes, e para o fracasso também.
Maynard acrescenta outro fator: o fechamento da Abril, em 2003.
– (Fazer sucesso) É um processo lento: você faz a compilação, lança, coloca no mercado, as rádios de São Paulo iam começar a tocar. Demora dois ou três anos para que decole. Acabou que o projeto ficou pela metade – afirma.
Ivete Campagna, da Acit, queixa-se da falta de receptividade pelo próprio mercado gaúcho:
– Só vejo a possibilidade de estourar nacionalmente se o Estado rodar a nossa música. Dos programas de rádio daqui, acho que não tem 5% que toca música gaúcha. Se toca, é lá no domingo de manhã.
O radialista Marcelo Machado vai pela mesma linha:.
– Por que a música da Bahia acontece? Porque lá eles se juntam um com o outro, sobem no mesmo trio elétrico, enquanto aqui no Rio Grande do Sul é meio cada um por si.
Falando em Bahia, o jornalista Marcelo Ferla acredita que a comparação com a axé music acabou prejudicando a tchê music:
– O movimento tentou seguir uma fórmula simples de replicar algumas coisas do axé de ser só festa, de ser dançante, e esbarrou na adição das questões artísticas. A métrica do movimento pendeu mais para o comercial do que para o artístico. Erraram na medida.
Colunista de ZH, o crítico Juarez Fonseca acrescenta o fator geográfico:
– A questão "longe demais das capitais" afetou. Também estava numa época que havia muita pressão de gravadora em cima de axé e sertanejo.
Luciano Gradaschi, ex-Pala Velho, simplifica:
– Acho que foi uma má sorte. A gente tinha 5% de chance de não dar certo. Esses 5% atropelaram.
A DEBANDANDA
"Estávamos sendo confundidos
com banda sertaneja. Só tiramos as
bombachas para não incomodar o MTG, mas
daí perdemos a referência de quem éramos."
Lê Vargas
Vocalista do Tchê Guri
O primeiro grupo da tchê music escolhido para ser lançado no centro do país foi o Pala Velho, que tinha musicalidade mais pop e mais apelo com o público adolescente.
– Eu poderia te dizer que nos escolheram primeiro pelas nossas músicas serem mais legais, mas acho que fomos selecionados pela nossa boniteza na época. Uma escolha totalmente comercial. Éramos uma gurizada nova, com uma música diferente – reflete Luciano Gradaschi.
O Pala Velho teve uma estadia relâmpago em São Paulo. Chegou a participar do programa Domingão do Faustão. Porém, a parceria entre a Abril Music e a Acit não foi para frente, e a banda voltou para o Estado. Em 2003, o grupo passou a se chamar Duna e lançou um álbum com esse nome. A intenção era formar um grupo pop moderno, como se fosse um KLB do Sul. O projeto durou menos de seis meses, e banda voltou a se chamar Pala Velho, encerrando as atividades em 2007.
Antes disso, o Tchê Garotos já havia se desassociado do movimento.
– Quando a gente viu que o troço não deu, saímos de vereda mesmo, e seguimos nosso caminho tocando baile – diz Luiz Cláudio, que saiu do grupo em 2004.
– Tchê music não existe no resto do país. Em São Paulo, por exemplo, somos sertanejos – declarou o gaiteiro e vocalista Markynhos Ulyian em 2009.
De 2009 a 2012, o Tchê Garotos viveu seu auge. A banda emplacaria cinco músicas em trilhas sonoras de novelas da Globo, "todas vaneras com pegada pop", enfatiza Markynhos, com destaque para Cachorro perigoso, em Avenida Brasil.
– Você põe uma música numa novela da Globo e as portas se abrem. A gente participou do programa da Xuxa, do Faustão, do Didi, do Altas horas. Tudo que tinha no SBT. Tudo que tinha na Record. Foi incrível – descreve Sandro Coelho, que saiu do grupo em 2013.
Hoje em dia, o Tchê Garotos voltou a se apresentar em CTG, porém vestindo a indumentária típica e tocando repertório de raiz nativista.
Já o Tchê Barbaridade modificou-se totalmente ao longo dos anos 2000, deixando o regionalismo de lado e abraçando uma vanera popularesca. O grupo realizou várias parcerias com outros artistas, principalmente sertanejos. Consequentemente, a banda entrou em crise de identidade.
– Nosso DNA estava se perdendo aos poucos. Nossa música passava por empresários, que influenciavam a gente para ter cara mais nacional do que regional. Mas o que nos fez chutar o balde mesmo foi uma parceria com uma dupla sertaneja que tivemos que fazer para gravar Chupa que é de uva. Aquilo nos incomodou muito. Jogamos fora tudo o que a gente fez. Estávamos só pelo dinheiro, a gente era infeliz – afirma Paulinho Bombassaro.
O grupo decidiu voltar às raízes nativistas em 2011 e lançou o disco 100% gaúcho. Em 2012, foi a vez de o Tchê Guri voltar às origens com o CD DNA gaúcho.
– Nós estávamos sendo confundidos com banda sertaneja, embora nunca tivéssemos anunciado que deixamos de ser tradicionalistas. Só tiramos as bombachas para não incomodar o MTG. Porém, quando tiramos a indumentária, nós perdemos a referência de quem éramos. Então, decidimos voltar às nossas raízes para não sermos mais relacionados ao sertanejo – esclarece o vocalista Lê Vargas.
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OSWALDIR E CARLOS MAGRÃO
> Fundação: 1985
> Cidade: Passo Fundo
> Sucessos:Querência amada, Lago verde azul, Tetinha e Pilares
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A dupla Oswaldir e Carlos Magrão considera-se pouco afetada pelo início ou pelo fim do movimento da tchê music. Oswaldir diz:
– Sempre fomos ecléticos, nós não estávamos fugindo do estilo musical que estamos mantendo até agora. Nós não mudamos nada com a tchê music: íamos tocar com bombacha e camisa. É a nossa característica. Nós seguimos fazendo isso até hoje.
O LEGADO
"Tentaram assumir alguma atitude
rebelde contra a caretice da música regional gaúcha
e se aproximar mais do público jovem."
Juarez Fonseca
Crítico musical
Tentativa de ser um movimento com dimensão nacional, a tchê music ficou pelo caminho. Mas o projeto deixou suas contribuições. Segundo o jornalista Marcelo Ferla, um dos méritos foi ter cutucado um vespeiro.
– O grande legado desse movimento é ter questionado o conservadorismo do movimento nativista – afirma.
Juarez Fonseca, crítico de música e colunista de Zero Hora, exalta a tentativa da tchê music de mudar a cena.
– Tentaram assumir alguma atitude rebelde contra a caretice da música regional gaúcha e se aproximar mais do público jovem. Acho que era uma necessidade dos próprios caras, que eram jovens e não foram criados no campo.
Para João Vicente Ribas, a tchê music serviu para questionar a rigidez das concepções culturais hegemônicas do Rio Grande do Sul.
– Acho positivo a tchê music ter investido na dança de forma mais sensual. Estamos no século da diversidade, não cabe mais escolher uma faceta restrita das culturas que transitam em um território e elevá-la à representação unívoca. Isso beira o fascismo. Nessa linha de raciocínio, a tchê music colaborou para diversificar as expressões musicais do sul do Brasil – analisa.
Marcelo Dametto, ex-vocalista do Pala Velho, acredita que o maior legado foi incentivar os jovens a tocarem um som mais autoral:
– Encorajou um monte de grupo que queria tocar um som diferente, mas se obrigava a seguir um repertório mais tradicionalista por causa do mercado. Aquela gurizadinha que gostava de música gaúcha começou a ter mais liberdade pra fazer o próprio som e a se comportar mais informalmente no palco. Pois não adianta: a música vai se renovando, por mais que a gente tenha de manter a essência, as raízes, o cotidiano é outro, e ele muda.
Outros grupos que eram associados à tchê music, como Tchê Chaleira e Tchê Sarandeio, hoje integram uma cena denominada como vanerão universitário – que adapta para a vanera a batida do sertanejo universitário.
– Nos classificamos como uma banda de vanera, que adapta vários estilos musicais nesse ritmo, como sertanejo, forró e pop. Isso atrai o público mais jovem aos nossos bailes – explica Anderson Wegner, manager do Tchê Chaleira.
O sertanejo universitário, dizem os músicos gaúchos, reverbera traços da tchê music. Lê Vargas vê semelhanças entre as batidas dos dois ritmos, Oswaldir sustenta que o sertanejo "romantizou" o vanerão, e o radialista Marcelo Machado observa:
– O que Michel Teló fazia no grupo Tradição era o que os caras do Rio Grande do Sul poderiam ter feito.
– A diferença é que grupos como Tradição e Alma Serrana não tinham um MTG para trancá-los – queixa-se Paulinho Bombassaro, do Tchê Barbaridade. – O gaúcho não sabe aproveitar a vanera como o resto do país aproveita.