Como já foi muito bem retratado no vibrante O Barco: Inferno no Mar, filme de 1981 dirigido por Wolfgang Petersen, submarinos têm uma natureza dual. Podem ser predadores silenciosos e, em questão de minutos, transformar-se em uma armadilha mortífera para a própria tripulação. É sobre essa metamorfose e suas consequências drásticas que se debruça Kursk: a Última Missão, longa-metragem que reconstitui a história de um acidente real ocorrido no Mar de Barents, no Oceano Ártico.
Dirigido por Thomas Vinterberg, uma das figuras de proa do movimento dinamarquês conhecido como Dogma 95 e autor de grandes obras como Festa de Casamento (1998) e A Caça (2013), o filme é hábil em alinhar tensão e drama usando algumas das assinaturas características do diretor, como interpretações naturalistas e um uso competente dos códigos do melodrama.
Primeiro uma breve recapitulação: em 12 agosto de 2000, o submarino K-141 Kursk, enviado para um exercício junto a uma frota de navios, afundou após duas explosões em sequência. Dos 118 tripulantes, 23 sobreviveram por pelo menos dois dias após o desastre, confinados em uma câmara próximo ao deque de resgate. O governo russo, assumido por Vladimir Putin apenas quatro meses antes, ocultou informações do acidente, negou a existência de sobreviventes e demorou a aceitar ajuda internacional mesmo que as tentativas de resgate feitas pela sucateada marinha russa não estivessem dando frutos.
O filme encena esse drama russo com uma obra de caráter internacional. O produtor é o francês Luc Besson, o diretor é o dinamarquês Vinterberg. O elenco principal de personagens russos é vivido pelo belga Matthias Schoenaerts, pela francesa Lea Seydoux, pelo sueco Max Von Sydow, pelo alemão August Diehl, pelo dinamarquês Magnus Millang e pelo austríaco Peter Simonischek. Uma exceção é Colin Firth, inglês, interpretando o comodoro da Marinha britânica que oferece ajuda nos trabalhos de resgate.
Tensão
O centro emocional da narrativa recai sobre o ótimo Schoenaerts, na pele do fictício oficial Mikhail Averin, e sobre Lea Seydoux, como sua esposa Tania. Já nas primeiras cenas dois elementos fundamentais são estabelecidos: Mikhail vive em uma Rússia que ainda assimila a decadência soviética. Ao mesmo tempo, ele faz parte de uma corporação em que o companheirismo é o recurso mais precioso. Com os salários atrasados, ele e um grupo de colegas vendem seus relógios de profundidade para garantir a festa de casamento de um deles. É depois disso que o grupo embarca na missão fatal.
Muitas foram as hipóteses para o que afundou o Kursk, um dos submarinos mais avançados do período soviético – algumas delas mentiras veiculadas pelo governo russo para justificar o fracasso do resgate ou para manter a Otan (aliança militar de potências ocidentais) longe do caso. O filme se apega aos relatórios oficiais, segundo os quais um dos mísseis que deveria ser disparado durante o exercício explodiu ainda no carregamento dos disparadores, provocando uma segunda explosão dos demais torpedos.
A partir daí, o filme alterna os tensos momentos no fundo do mar, com os sobreviventes lutando por mais tempo de oxigênio, e a angústia dos familiares na superfície. Vinterberg está em seu melhor na forma desapaixonada como vai acompanhando o desespero contido da tripulação, mas se permite ser melodramático quando enfoca a espera das famílias. Em que pese uma ou outra derrapada, o resultado é um drama devastador.