Se tivesse que definir a Holanda com uma palavra, seria tolerância. Isso vai muito além da questão de ser um país com mais liberdade em relação a festas, sexo e drogas. Ali, há gente de 170 nacionalidades que convivem em harmonia. Estão em sintonia com a natureza, aproveitando cada espaço de terra e preservando seus canais centenários. É um lugar atrativo para crianças, jovens e idosos.
Em nove dias em solo holandês, conheci pessoas de várias partes do país, com hábitos e estilos de vida diferenciados. Com um pouco mais de intimidade, é possível perceber que a cultura local é de respeito ao diferente e à diferença.
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A relações públicas de um hotel famoso riu da pergunta dos jornalistas estrangeiros sobre a possibilidade de usar tênis ou bermuda em um restaurante chique, três estrelas Michelin.
– Vestir? Como assim? Pode ir do jeito que quiser – respondeu a simpática RP.
Utrecht, cidade universitária
Quarta cidade mais populosa da Holanda, com mais de 335 mil habitantes, Utrecht fica a menos de meia hora de trem da capital ou 45 minutos de carro.
Em meio a um entrevero de bicicletas, levo mais de 10 minutos para avistar um carro. Em suas ruas estreitas, sigo no compasso do movimento rumo ao centro antigo. Havia poucos turistas – eram os jovens que se destacavam.
A cidade histórica fundada pelos romanos no ano de 47 é conhecida pela cultura e conta com mais de 70 mil estudantes universitários. Orgulha-se de abrigar a principal instituição de Ensino Superior do país, a Universidade de Utrecht, fundada em 1636, uma das mais reconhecidas da Europa.
É esse o motivo de os jovens se sobressaírem no cenário local, seja aproveitando o sol para ler à beira dos canais datados do século 14 ou exibindo performances variadas em festas que rolam em diferentes embarcações.
A melhor maneira de admirar a beleza da cidade é passear pela área do Oudegracht, percorrendo os ancoradouros ao longo dos canais, com suas margens rebaixadas e ocupadas por antigos galpões que, hoje em dia, são bares, restaurantes, cafés e lojas. Quem gosta de arquitetura e gastronomia pode fazer uma parada na cervejaria Oudaen, que ocupa um castelo cujas origens remontam ao século 13.
Entre os principais pontos turísticos de Utrecht, está a Torre Dom, em estilo gótico, com 112 metros de altura. Após vencer seus 465 degraus, admirar a vista serve para recuperar o fôlego. Construída no século 14, foi separada da catedral após um tornado em 1647. Mesmo que você não possa ver a torre, ainda vai ouvir um de seus 13 sinos medievais. O espaço é cenário para cerimônias de casamento.
Aos seus pés, está a Domplein, principal praça da cidade. Dali, abre-se uma série de avenidas longas para caminhar e explorar lojas, cafés, restaurantes, galerias e prédios antigos. Vale conhecer a Zeven Steegjes (Sete Ruelas), complexo poético de pequenas casas geminadas em ruas estreitas de paralelepípedo.
Utrecht também tem vários museus. Um deles é indicado a quem viaja com crianças: a Casa de Dick Bruna, onde está a coelhinha Miffy. O ícone holandês é célebre em muitos países, apesar de não ser tão conhecido entre brasileiros. Mais de 85 milhões de livros foram vendidos em todo o mundo.
À noite, vale percorrer as ruas a pé ou de bicicleta pelo Trajectum Lumen, expedição que conduz aos pontos históricos do centro por meio da iluminação dos monumentos. O trajeto poder ser feito em 90 minutos, começando perto da Estação Central, no Vredenburg, e terminando no Mariaplaats.
Roterdã, portuária e imponente
Segunda maior cidade da Holanda, com mais de 600 mil habitantes, Roterdã fica a uma hora de trem da capital, Amsterdã. Com um dos maiores portos do mundo, seu destaque é acima de tudo arquitetônico, sempre apostando em inovações e misturando clássico e contemporâneo. Parte da cidade foi destruída por um bombardeio em 1940, na II Guerra Mundial, e sua reinvenção virou referência no mundo.
Divertidas e excêntricas, as casas cubo, por exemplo, viraram atrações turísticas. São 38 unidades próximas ao porto Oude Haven e ao Mercado Público. Projetadas pelo arquiteto Piet Blom, em 1984, com uma inclinação de 45 graus e três andares, representam árvores de um bosque. É possível até alugar uma delas para passar a noite. Perto dali fica o Market Hall, mercado coberto com mais de cem espaços e oferta variada de comidas prontas e in natura, bebidas, flores e lembrancinhas.
Entre os museus, vale destacar o Kunsthal e o Boijmans Van Beuningen, localizados no Museumpark, que ostentam obras clássicas a contemporâneas. Este último reúne coleções de Franz Jacob Otto Boijmans (1767-1847) e Daniël George van Beuningen (1844-1955), além de um acervo que inclui mais de 140 mil peças de artistas como Monet, Rubens, Rembrandt e Da Vinci.
Para quem gosta de moda ou quer ir às compras, há opções nos sete dias da semana. De lojas famosas, do chique ao casual, do retrô ao futurista. Sempre é possível encontrar alguma peça única e acessível de designer em uma minibutique.
Kinderdijk: imperdíveis moinhos de vento
A 45 minutos de Roterdã e duas horas de Amsterdã, estão os 19 moinhos de vento de Kinderdijk. Construídos no século 18, ficaram em atividade até 1927 a fim de movimentar as águas de canais e represas para um reservatório e evitar enchentes. Aliás, controlar o nível das águas é uma preocupação constante no país, que está cerca de sete metros abaixo do nível do mar. Atualmente, há um sistema moderno de equipamentos para cuidar da drenagem.
Os moinhos foram reativados na II Guerra Mundial e aposentados nos anos 1950. Hoje, apenas dois seguem em operação, para demonstração aos visitantes. Os demais viraram residência. Desde 1997, são considerados Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
O local é uma delícia. Os canais, a paisagem bucólica e as ciclovias merecem exploração a pé, de barco ou bicicleta. Na primavera ou no verão, muita gente aproveita para nadar no canal. No inverno, segundo os guias, ele congela e vira pista de patinação.
Haia, cidade da realeza
Apesar de Amsterdã ser oficialmente a capital holandesa, toda a estrutura governamental fica em Haia, chamada de Den Haag em holandês. Localizada a 50 minutos de trem de Amsterdã, é a terceira maior cidade do país, com cerca de 500 mil moradores. Abriga a sede do governo, as embaixadas (mais de 180), os ministérios, o parlamento e o rei Guilherme Alexandre (a Holanda é uma monarquia constitucional parlamentar democrática).
Haia mistura a imponência dos prédios com ares de interior. Parada obrigatória dos turistas, o Paleis Noordeinde é o escritório do rei – às vezes, ele vai trabalhar de bicicleta. Apesar de o prédio não ser aberto ao público, o visitante tem acesso liberado ao jardim, utilizado para piqueniques em épocas de calor.
Cartão-postal, o Binnenhof, em estilo gótico, é um conjunto de prédios governamentais e sede do parlamento. Em datas importantes, a família real chega em carruagem dourada, o que causa frisson entre habitantes e turistas.
Quem gosta de experiências gastronômicas não pode deixar de comer o haring em uma tenda ao lado do Binnenhof. É o peixe mais popular do país e pode ser degustado cru em um pão com cebolas ou picles, ou, de uma forma mais original, segurando-o pela cauda.
Próximo dali, fica o museu Mauritshuis, casa do nobre e explorador dos mares Mauricio de Nassau, ex-governador do Brasil Holandês, que instalou capital em Recife. Um inspirado guia alardeia que foi Nassau quem colocou o Brasil no mapa.
Os apreciadores de arte vão se encantar com exposições temporárias e permanentes. Neste local, encontrarão obras clássicas de Rembrandt, como A lição de anatomia de Dr. Nicolaes Tulp, e de Johannes Vermeer, como Moça com brinco de pérola – considerada a "Monalisa holandesa".
O Gemeentemuseum Den Haag, museu municipal de Haia, guarda o maior acervo mundial de Piet Mondrian, um dos pioneiros da arte abstrata, com várias peças impressionantes como o Victory Boogie Woogie, sua última e inacabada obra, inspirada em Nova York. Um dos guias do museu afirma que a tela está avaliada em R$ 80 milhões.
Uma das atrações que agrada principalmente as crianças é o Madurodam, parque de miniaturas com réplicas das principais cidades e atrações holandesas, como praças, casas de queijos, campos de tulipas, obras do delta e museus. Algumas reproduções são interativas e imitam com perfeição o girar dos moinhos, o vaivém dos trens e o passeio dos barcos pelos canais.
Se quiser curtir um jantar ao entardecer, há vários restaurantes na orla da praia de Scheveningen, que fica a uns três quilômetros do centro de Haia.
Delft, terra da porcelana azul e branca
Entre Roterdã e Haia, a uma hora de trem de Amsterdã, fica a simpática e encantadora Delft, terra da porcelana azul e branca, produzida desde o século 17. Inspirada na porcelana chinesa, a Delft Blue tornou-se popular entre as famílias mais abastadas da Europa, que exibiam suas coleções em concorridos jantares e chás da tarde.
A cidade já abrigou 33 fábricas, mas agora tem apenas uma, a Royal Delft, fundada em 1653. Quem tem uma queda por artesanato pode visitar o local e acompanhar ao vivo todo o processo de fabricação do produto.
A cidade é destaque por ser a terra natal de Johannes Vermeer, que morou ali até morrer, em 1675. O seu túmulo está na Oude Kerk, igreja erguida em 1246. A construção também é atração por outro motivo: sua torre é torta, lembrando a de Pizza, na Itália.
Algumas das principais obras de Vermeer estão expostas no museu de Prinsenhof, que seria a reprodução de uma casa da rua onde ele morava. Outra parada obrigatória, Mark é uma grande praça com destaques arquitetônicos como a antiga prefeitura e a Nieuwe Kerk, igreja construída em 1496. Sua torre tem mais de cem metros de altura e, de lá, pode-se ter uma vista deslumbrante da região.
Delft é uma cidade para caminhar, andar de bicicleta e passear pelos canais. Nas manhãs primaveris, é possível observar jovens universitários tomando café no marco das janelas, vovós lendo jornais em sacadas de charmosos asilos e fazer compras nas exuberantes lojas de doces ou em bancas de flores e frutas.
Queijo e cerveja
Os holandeses não têm uma culinária própria que valha a pena exaltar. Basicamente, comem batatas (fritas, de preferência), vegetais e carnes em geral, mas têm restaurantes com gastronomia internacional – de indianos, chineses, surinameses e turcos a italianos e mediterrâneos.
O destaque é a produção de queijo. Vale a pena provar e até trazer de lembrança o gouda e outros queijos típicos da região. Os feitos com leite de cabra, ovelha ou vaca são harmonizados com diferentes tipos de cervejas holandesas e belgas. São encontradas diversas marcas de ales (de alta fermentação, como ipa e stout) e de lagers (com baixa fermentação, como pilsen).
É recomendado também, como lanche ou sobremesa, o stroopwafel (waffle holandês), recheado com uma espécie de melaço. Há ainda outras variedades de recheio, como baunilha e caramelo. Excelente quando acompanhado de um cafezinho ou de um chá.
*A jornalista viajou a convite de Holland Alliance, KLM e aeroporto Schiphol