Silêncio, concentração e mãos ávidas sobre tabuleiros. Olhos com baixa visão também se movimentam. Este foi o cenário registrado no salão em que ocorreram as partidas da final da Copa Brasil de Xadrez para Deficientes Visuais 2022, na manhã deste domingo (4), no centro de Porto Alegre.
A disputa, que envolveu 22 jogadores totalmente sem visão ou com baixa visão, teve início na quinta-feira ( 1º) e foi concluída na manhã deste domingo. O número de competidores era 30, mas por problemas em rodovias do Paraná e de Santa Catarina, em função de chuvas, oito não conseguiram chegar.
A competição foi organizada pela Federação Brasileira de Xadrez para Deficientes Visuais e reuniu enxadristas classificados nas quatro etapas nacionais. Em função da pandemia, o encontro não era realizado havia dois anos.
Voltando ao cenário, no salão situado em um hotel no Centro, as mãos são os olhos. Com tabuleiros adaptados, os jogadores apalpam as peças — que têm pinos para ficarem fixadas e não saírem do lugar durante a análise com as mãos — e planejam o ataque.
Ah, outro diferencial: cada jogador tem um tabuleiro. Então, quem faz a jogada comunica ao concorrente, que vai posicionando as peças em seu próprio tabuleiro para depois fazer seu lance. Isso evita que quatro mãos percorram o mesmo tabuleiro, o que poderia confundir os competidores.
Já as casas pretas têm altura diferente das brancas e as peças têm suas cores identificadas pelo tato: uma delas pode ser mais áspera. O braile também ajuda: na borda do tabuleiro, ficam escritos em braile o número e a letra a que corresponde cada casa.
Transformador
E é neste universo que o estudante morador de Brasília Luiz Eduardo Fonseca Dorneles, 15 anos, está mergulhado desde os 10 anos. Quando tinha 11 anos, ele passou por Porto Alegre em uma etapa da Copa Brasil. Neste domingo, enfrentou o colega Felipe Bento, do Paraná, e a partida deu empate. Janaína Chaves Fonseca, mãe de Luiz Eduardo, conta que o jogo mudou a vida do filho cego, que tinha problemas em seguir regras e ter paciência:
— Ele teve um professor que moldava ele mais como pessoa do que como jogador.
Luiz Eduardo passa pela Capital a cada quatro meses para exames de rotina, já que foi em Porto Alegre que fez um transplante renal.
Já para Vinícius Ricei, 23 anos, o domingo foi de vitória. Bicampeão pan-americano, ele foi o grande vencedor da copa neste ano. Com baixa visão no olho direito e cego do olho esquerdo, ele usa tabuleiro sem adaptação. De São Paulo, conta que aprendeu a jogar na escola aos 10 anos e começou os treinos aos 14 anos.
— Treinei judô e natação, mas foi com o xadrez que me identifiquei. E agora é um momento de muita realização — comemorou o campeão.
Não menos satisfeito estava Oneide de Souza Figueiredo, diretor de programação e eventos da federação e derrotado pelo parceiro Olyntho Vitoria Meireles.
— Eu estava bem na partida, mas estou organizando o almoço que teremos depois para fazer as premiações. Estou com a cabeça aqui e lá — disse, bem-humorado.
Oneide, que é s servidor do Tribunal de Contas do Estado, explicou outra curiosidade do jogo: a gravação de cada jogada. Quem é cego, usa pequenos gravadores para registrar cada passo. Quem tem baixa visão, costuma anotar em papel. O registro é importante pois, depois, todas as transcrições vão para o computador e servem para mostrar o histórico e pontuação de cada jogador.
— O xadrez é um esporte milenar e atual, que desenvolve todos os sentidos, o raciocínio, a lógica, a postura, o comportamento — destacou Oneide.
Como representante da federação, Oneide fez ainda agradecimentos a apoiadores da competição: o Tribunal de Contas do Estado, o Exército e a Imobiliária Menino Deus.