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A ausência da figura paterna não se resume aos números - na última década, 46,4 mil crianças foram registradas sem o nome do pai no Rio Grande do Sul. O levantamento é da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), realizado à pedido da reportagem. Por trás de cada ausência na certidão de nascimento, há uma história pessoal.
O relato a seguir foi enviado por uma leitora, através do Jornalismo de Engajamento. Usuários de GZH acessaram uma planilha e detalharam suas vivências em busca do reconhecimento de paternidade. Parte da audiência realizou o primeiro contato, porém desistiu de participar da conclusão da reportagem. Todos tiveram um argumento semelhante: não se sentiram à vontade para remexer ainda mais o passado.
Do 13º andar, na Avenida Borges de Medeiros, coração do centro de Porto Alegre, a administradora Andreza da Costa, 40 anos, sorri ao ajeitar o cabelo do filho, Bryan Gabriel Becker, 19. A relação carinhosa de ambos é inversamente proporcional ao tratamento que ela diz ter recebido do pai.
A rejeição que eu tive na infância me afeta até hoje. Me abala muito. Sempre quis fazer uma história diferente com meu filho.
ANDREZA DA COSTA
Administradora
— A rejeição que eu tive na infância me afeta até hoje. Me abala muito. Sempre quis fazer uma história diferente com meu filho. Na minha separação, batalhei muito para que ele não perdesse contato com o pai, que felizmente é muito presente — justifica Andreza.
Bryan Gabriel confirma.
— Estou sempre indo lá. Eu não imagino como seria viver sem os dois, como foi para a minha mãe — compara o jovem.
A história de Andreza e do seu pai biológico teve duas versões. Até os 10 anos de idade, a menina conviveu com uma mentira: ele teria morrido. Um dia, foi surpreendida com a presença de um estranho na casa da avó. Desviou o olhar da TV e viu o rosto que jamais havia encontrado nos álbuns de fotografia, frequentemente revirados a procura de semelhança.
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— Ele entrou na sala e ela disse: "este aqui é teu pai". O pai que eu procurava quando mexia nas coisas da minha mãe — relembra.
Por dois anos, o homem parecia querer conquistá-la através de presentes. Andreza admite que, no início, "foi o máximo", pois ganhava brinquedos "de encher os olhos". A garota aproveitava o tempo juntos para saber detalhes da nova família, com a esperança infantil de reuniões em datas futuras.
Mas logo as visitas se tornaram mais espaçadas. Semanais, mensais, até que ele deixou de comparecer, dois anos depois do reencontro. A culpa dessa segunda separação, recorda com pesar, foi atribuída à criança: ela o cobrava demais.
— Eu questionava: "tenho irmãos?". E ele respondia assim: "a minha família está lá. São meus filhos lá. Tu é aqui, com a tua mãe. Nunca vamos misturar essas histórias". Não sei o que é pior, crescer com a dúvida ou a reaproximação conturbada. Acho que isso me gerou mais trauma do que se não tivesse conhecido ele — desabafa.
Ela diz saber onde o pai vive e admite observá-lo pelas redes sociais, eventualmente. Não o procura, justifica, "para respeitar o distanciamento que ele quis". O único momento em que ligou para o homem foi quando descobriu estar grávida. Em vez de alegria, recebeu lamentos, e desde então desistiu da reaproximação.
A administradora reflete sobre o passado, diz que amadureceu e aos solavancos aprendeu como agir em casa. Afirma que o sofrimento serviu para não repetir os mesmos erros. E não deixa de desejar ter o pai mais próximo:
— Se meu pai me procurasse hoje, eu conversaria com ele, com certeza.
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