Na casa onde a dona de casa Elisangela Menchat, 41 anos, vive com o marido e dois filhos, um de 22 anos e a caçula de quatro, o celular está disponível e possui acesso à internet. A família mora na ocupação Steigleder, em São Leopoldo, no Vale do Sinos. Porém, o fato de ter o aparelho não diminui as dificuldades quando alguma situação cotidiana exige acesso à internet. Elisangela tem conhecimentos básicos. Usa o WhatsApp, se comunica com parentes. Mas, como ela mesma diz, “não sabe mexer muito no telefone”.
Quando a pandemia começou, a renda ficou prejudicada – o marido possui uma carroça de reciclagem, com a qual ela também auxilia, além de fazer bicos diversos. Por isso, a notícia do auxílio emergencial, oferecido pelo governo federal, foi um alento. Mas o primeiro obstáculo apareceu rápido: para fazer o cadastro no benefício, era preciso baixar um aplicativo.
– Ninguém lá em casa sabia fazer. Não entendo muito dessas coisas de mexer em celular. Tive que pedir ajuda – relata Elisângela.
A mão amiga surgiu na vizinhança. A auxiliar de serviços gerais Jaqueline dos Santos Rodrigues, 37 anos, faz parte da coordenação da ocupação.
Confiança
Acostumada a auxiliar os moradores do entorno com os mais diversos assuntos – da marcação de consultas à busca por emprego –, ela puxou para si também a responsabilidade de ajudar com os cadastros no auxílio emergencial. Baixou o aplicativo no seu celular – ela tem acesso à internet pelo sistema pré-pago, com renovação semanal de um pacote de dados – e estima que fez pelo menos 30 cadastros, incluindo o marido, um dos filhos e um genro de Elisangela.
– Eles chegavam aqui querendo saber onde tinham que ir pra se cadastrar, mesmo com a pandemia, porque é como estavam acostumados. Eu explicava que era pela internet, e muitos não tinham como fazer. Então, fazia tudo no meu celular. Algumas pessoas levavam o seu documento e o de algum parente. Depois, voltavam pra saber se tinham sido aprovados e pra pedir ajuda para tirar o dinheiro – conta Jaqueline.
A relação entre a líder comunitária e seus vizinhos é de confiança. Jaqueline mora na Steigleder há quase 15 anos. Desde o início, todos os anos, ela coloca em prática uma ação de Natal que recolhe cartinhas de crianças da comunidade e sai em busca de doações. Isso a fez conhecer praticamente todo mundo na região pelo nome.
– O pessoal tem a confiança de largar um documento pra mim e saber que não vai ser feito nada além do que eles pediram. É uma responsabilidade – diz.
Matrícula
Há alguns meses, Jaqueline conseguiu a doação de um computador. A máquina ficou na casa dela – o custo do plano de internet é dividido com um vizinho –, mas está a serviço de todos os moradores:
– Também não tenho muita experiência com computador, mas sou bem metida. Aprendi acessar o título de eleitor digital, checar o Bolsa Família, marcar consulta, ver se a pessoa continua ou não no auxílio emergencial...
Recentemente, Elisangela tentou fazer a matrícula da filha de quatro anos na Educação Infantil. Mais uma vez, parou na necessidade de fazer um cadastro pela internet.
– Entrei em contato com a central de matrículas pelo WhatsApp, mas me falaram que era tudo por aplicativo. Só pensei: “E agora?”. Pedi ajuda pra Jaqueline mais uma vez. Só assim consegui. Depois, ela ainda me ajudou a entrar em contato com a professora, que agora manda todas as atividades pelo Whats. Se não fosse a Jaque, minha filha não estava matriculada – finaliza.