Na esquerda, 2009; na direita, 2019. Poderiam ter sido quaisquer outros anos, mas, como manda a aleatoriedade da internet, resolveu-se que em meados de janeiro deste ano que os usuários postariam fotos suas de 10 anos atrás e as comparariam com imagens atuais. Bastante simples, não? Mas a brincadeira viral tomou diversas proporções além da diversão misturada com nostalgia, incluindo considerações sobre a temática ambiental, brincadeiras com falta de dinheiro e peso, por exemplo, e até preocupações quanto ao uso inadequado, por parte das empresas de tecnologia, dessas informações publicadas voluntariamente pelos próprios usuários.
O desafio ganhou toda forma de adaptação, desde a simples comparação de idade até sua utilização como um gancho para comparação de artistas, políticos, locais e situações. O meme tornou-se um recurso para debates desde a evolução pessoal dos usuários até discordâncias políticas em sites como Facebook e Instagram.
Confira, a seguir, algumas das principais discussões levantadas pelo "desafio dos 10 anos" (ou #10yearchallenge, na hashtag do termo em inglês) e o que dizem especialistas sobre o assunto.
Desafio levanta debate sobre reconhecimento facial
A popularidade do desafio provocou debate por parte de especialistas em segurança da informação e proteção de dados pessoais. A consultora e autora de livros em tecnologias digitais norte-americana Kate O'Neill publicou questionamentos nas redes sociais e na mais importante revista de tecnologia do mundo, Wired, apontando até que medida as imagens publicadas não poderiam estar sendo usadas para "treinar" o sistema do Facebook que realiza o reconhecimento facial dos usuários.
Quando uma imagem é publicada, a rede social realiza essa identificação. Essa funcionalidade aparece, por exemplo, quando ela "sugere" a marcação do usuário ou de amigos em fotos. Anteriormente, apenas o usuário realizava tal marcação.
Se as fotos são postadas na linha do tempo e o Facebook vai fazer análise porque faz parte do algoritmo, então eles estariam se beneficiando
RENATO LEITE
pesquisador em privacidade e professor na consultoria DataPrivacy Brasil
Contudo, a plataforma passou a realizar esses "escaneamento" em toda as imagens e "avisar" a pessoa quando uma foto foi publicada. O argumento foi que o usuário tivesse maior controle sobre conteúdos relacionados a si circulando no site. Contudo, a implantação deste recurso gerou críticas. O Facebook reagiu e configurou a funcionalidade como uma opção que pode ser desativada pelo usuário.
O reconhecimento, mesmo com esse dispositivo de regulagem, é feito por meio de uma tecnologia que "aprende" como melhorar esse procedimento à medida que ela recebe mais dados ou mais fotos. Daí surgiu o questionamento de Kate e de outros especialistas acerca de como tais imagens de 10 anos atrás poderiam estar "alimentando" o banco de dados do Facebook e "treinando" seus sistemas.
— Isso pode acontecer. É uma métrica bem objetiva para os sistemas aprenderem. A grande dificuldade é fazer padrões universais e isso é um padrão objetivo, uma vez que possui anos definidos. Isso poderia ser utilizado para treinar esses sistemas — avalia o pesquisador em privacidade e professor na consultoria DataPrivacy Brasil Renato Leite.
Facebook emite posicionamento
Com a repercussão das dúvidas, o Facebook se posicionou sobre o assunto. "Esse é um meme criado pelos usuários das nossas plataformas e que viralizou espontaneamente. O Facebook não começou essa onda e o meme geralmente usa fotos que já estão no Facebook. Nós não ganhamos nada com esse meme (além de nos lembrar das tendências questionáveis de moda de 2009). Como lembrete, vale dizer que as pessoas no Facebook podem escolher se querem deixar o reconhecimento facial ativo ou não a qualquer momento", explicou a empresa, em nota.
Nós não ganhamos nada com esse meme (além de nos lembrar das tendências questionáveis de moda de 2009)
em nota sobre o assunto
Contudo, Leite diz que as fotos postadas pelos usuários, pelo tempo (10 anos atrás), não necessariamente estavam disponíveis ou haviam sido publicadas na rede social.
— Se as fotos são postadas na linha do tempo e o Facebook vai fazer análise porque faz parte do algoritmo, então eles estariam se beneficiando. Por mais que o Facebook diga que é iniciativa de terceiros, a questão chave é se realmente a empresa está utilizando as fotos para treinar os seus algoritmos com essas métricas — disse o professor.
Essa dúvida, acrescenta o especialista, levanta uma reflexão sobre a necessidade de mais transparência pela companhia em relação aos seus usuários para que estes saibam de que maneira suas imagens são usadas e para quais finalidades. Ele acrescenta que o impacto vai além dos próprios usuários, uma vez que os sistemas mapeiam inclusive pessoas fora da rede social quando uma foto é publicada, gerando uma identificação única, ou um "perfil fantasma".
E as empresas de tecnologia, lucram com isso?
Não demora, a moda passa, mas o que as empresas de tecnologia farão com as informações bastante específicas, incluindo datas e o processo pessoal de envelhecimento, nesses milhões e milhões de imagens? O que pode ser feito por quem estiver coletando esses dados? Nas próprias redes sociais, muitos usuários têm demonstrado preocupação, por exemplo, com a alimentação, feita pelas próprias pessoas, de sistemas de reconhecimento facial.
Que seja um alerta para como as pessoas estão lidando com as plataformas em relação às informações que elas possuem e quais usos elas fazem
VERIDIANA ALIMONTI
analista de políticas da organização mundial de direitos digitais Eletronic Frontier Foundation
A analista de políticas da organização mundial de direitos digitais Eletronic Frontier Foundation Veridiana Alimonti pondera que, independentemente de as empresas se beneficiarem ou não a respeito da brincadeira, a polêmica em torno do desafio foi benéfica por colocar em debate os riscos do reconhecimento facial.
Sua entidade, a EFF, realizou estudos apontando as ameaças, como o uso malicioso de dados biométricos, o compartilhamento sem transparência entre poder público e empresas privadas ou até mesmo prejuízo a pessoas por uma identificação errada de quem ela é.
Veridiana acredita que debates como esse podem ajudar o cidadão a ficar mais consciente de como disponibiliza suas informações em redes sociais como o Facebook.
— Se essa discussão chama a atenção para isso, que seja um alerta para como as pessoas estão lidando com as plataformas em relação às informações que elas possuem e quais usos elas fazem — disse.
Como fazer
Gostou da ideia e tem uma foto de 2009 para postar? O aplicativo Layout, ferramenta do próprio Instagram, ajuda a fazer a montagem. Siga o passo-a-passo na galeria abaixo para aprender a fazer o seu:
* Com agências