Procurar a agulha no palheiro e usá-la para prever o futuro. Talvez essa seja uma representação mais lúdica, mas não menos verdadeira, do trabalho ao qual o sociólogo holandês Carl Rohde se dedica desde a década de 1990. Especializado em pesquisar e apontar tendências globais nos mais diversos mercados – indo do varejo à alimentação, passando por tecnologia e política –, ele é professor de trendwatching and innovation na China e uma das maiores referência no assunto.
Desde a criação de sua consultoria, batizada de Science of the Time, Rohde, 60 anos, segue à risca uma simples cartilha: todos os setores da sociedade fervilham novidade e é preciso analisar e filtrar essas informações para que a possamos nos dirigir da forma mais acertada para o futuro. O holandês atua com a colaboração de 4 mil trendwatchers, ou pesquisadores de tendências. Espalhados pelos seis continentes, esses profissionais ajudam o sociólogo ao seguirem sua metodologia de coolhunting, técnica de pesquisa que filtra o que é relevante em tempos de internet e hiperconectividade. Durante uma passagem por São Paulo para uma palestra na Mutant University, Rohde falou com GaúchaZH.
Como um trendwatcher trabalha e qual o propósito de antecipar tendências globais?
Um trendwatcher é um pesquisador de tendências. Existem diferentes tipos de profissionais nessa área, mas todos tentam prever de forma plausível quais tipos de "ingredientes" o futuro terá. São pessoas focadas no futuro e em novidades, que podem ser divididas em dois grupos. O primeiro é o dos que apresentam visões baseadas em experiências pessoais e, a partir disso, desenvolvem teses do que pode vir a ser relevante daqui para frente. O outro é o dos pesquisadores acadêmicos, no qual me incluo, e que fazem diversas pesquisas de referencial científico com um grande número de pessoas do mundo todo. Para isso, utilizo muitos parceiros e alunos, que costumo chamar de cool hunters (caçadores de tendências legais, em tradução livre).
Por favor, explique um pouco sobre o conceito de "coolhunting" que o senhor apresenta em suas palestras e estudos.
O mundo está mais competitivo do que nunca. Vivemos em uma sociedade globalizada em que qualquer pessoa com uma boa ideia e conexão à internet pode competir em uma escala global. Dessa forma, quem busca se posicionar no mercado mundial precisa antecipar o que o futuro trará, justamente para acessar esses conceitos e aplica-los da melhor forma possível em sua área. O que tenho feito é, dentro das universidades, dar ferramentas para que professores e alunos possam identificar essas oportunidades. Treino esses grupos dentro da minha metodologia, que chamo de coolhunting, e digo a eles: "Quero tornar vocês mais focados em inovação, mas para que isso aconteça preciso que você se torne um caçador de tudo o que é legal por ai". Eu uso a palavra "legal/cool" porque é um conceito que todo mundo entende: a moda tem um conceito de cool, assim como a tecnologia, e esse conceito é compreendido tanto em São Paulo quanto em Nova York. Então o que eu tenho é um exército de caçadores de coisas cool que estão procurando novidades em todos os lugares, todos os dias. Mas nem sempre são coisas consolidadas, muitas vezes são pequenas referências que estão surgindo e que tendem a se fortalecer no futuro. Trabalho com uma ideia de cool como sinônimo de tudo que é atrativo, inspirador, ou que tenha potencial.
Esse tipo de conceito e pesquisa pode ser aplicado em qualquer área da sociedade?
Sim. O termo é mais conhecido no mercado da moda, onde as empresas já fazem pesquisas antecipando tendências há alguns anos. Esse tipo de estudo pode ser direcionado para qualquer área: varejo, mercado de luxo, segurança da informação, internet das coisas (IoT), big data... Mas esses indícios de cool podem aparecer em todos os tipos de mercado. Apesar de ter começado no mercado fashion e ter se estabelecido amplamente por lá, você pode tentar prever o futuro em qualquer área de negócio.
Como surgem essas tendências e como devem ser analisadas?
Trabalho com uma base de 3 a 4 mil coolhunters em todo o mundo. Eles compartilham suas ideias comigo em um site, onde além de listarem as novidades que descobriram, também analisam as tendências apresentadas pelos outros pesquisadores. Dessa forma tenho um recorte significativo de pessoas diferentes interagindo e ranqueando novidades. Assim se torna fácil prever o que está surgindo. Muitas vezes temos coisas muito inovadoras no Brasil, mas que ainda são restritas a esse mercado. No Chile ou na Indonésia, o mesmo conceito que é visto como novidade no Brasil pode já ser algo amplamente absorvido, portanto, comum. O que meus pesquisadores fazem é analisar essas tendências e pensar de forma prática: de que forma isso que está surgindo em Nova York pode ser útil ao mercado brasileiro? Como podemos aplicá-la lá?
Eu uso a palavra "cool" porque é um conceito que todo mundo entende
Carl Rhode
Sociólogo
Por que as pessoas seguem tendências? É um comportamento natural e possível de rastrear?
É possível traçar o início de uma tendência. Com coolhunters espalhados pelo mundo fica simples rastrear o começo de uma novidade e prever se ela será aceita globalmente, entender se algo será grande na China, mas não no Brasil, por exemplo. É importante entender que essas mudanças não acontecem de uma hora para outra. São processos relativamente lentos, apesar da hiperconectividade do mundo. As pessoas tendem a imaginar que nós pegamos pequenos comportamentos e decidimos "ok, vamos tornar isso uma tendência global, vamos divulgar". Definitivamente não é assim que funciona. A sociedade tem total capacidade de decidir do que gosta ou não, ela não é tão influenciável quanto se imagina. Mas é claro que hoje em dia temos muitos formadores de opinião, sejam eles celebridades, jogadores de futebol ou até mesmo políticos. Eles naturalmente ditam tendências que as pessoas buscam assimilar e replicar: tanto em comportamento quanto nos produtos que promovem (roupas, gadgets, etc). Entretanto, se você olha para as tendências que surgem no mercado de inteligência artificial, computação de nuvem, ou engenharia genética, essas são mudanças que não tem nenhum apelo comercial, mas são tão ou mais relevantes para o futuro de inúmeros negócios quanto o que vemos repercutindo na mídia. As companhias que estão liderando esses setores merecem ficar no radar de todos nós, não só das grandes corporações, pois em breve os resultados dessas pesquisas podem mudar a forma como nos relacionamos em inúmeros aspectos.
Quais as principais tendências que estão surgindo no mundo?
A mais relevante que posso apontar no momento é comum a inúmeras companhias, marcas, serviços e produtos: o interesse em se envolver na vida das pessoas, gerando o que chamamos de "experiência do consumidor". Os consumidores não querem mais apenas comprar um produto, querem se envolver emocionalmente com ele e com a marca que ele representa. Então uma das maiores pesquisas de coolhunting que temos feito em uma escala global é essa de como envolver as pessoas e as marcas em experiências positivas. Isso tem mudado muito: o conceito de envolvimento não é novo, ele acompanha a evolução humana desde nossas primeiras sociedades. O que vemos hoje é a evolução desse engajamento. Buscamos decifrar as melhores formas de potencializar experiências em um mercado que é basicamente online. O que as marcas mais procuram hoje é encontrar a melhorar forma de se comunicar e criar conexões com as pessoas na internet. Dentro desse espectro, outras tendências surgem e se relacionam diretamente a isso, como por exemplo big data, internet das coisas, computação de nuvem... Esses são conceitos importantes que estão mudando a forma como nos relacionamos com as coisas e as pessoas.
No que a geração que nasceu depois da popularização da internet é diferente das anteriores?
Existem claras diferenças entre a forma como as pessoas consumiam tendências há 20 anos e como consomem hoje. Antes tínhamos apenas o mundo "real". O que temos hoje são dois mundos: o real e o virtual, esse mundo online e hiperconectado da internet. Se você quer envolver as pessoas agora, é impossível ignorar esse braço virtual. Os millenials, por transitarem de forma tão natural entre esses dois mundos, fazem com que as tendências e novidades se disseminem muito mais rapidamente. Para eles é natural: se um rapaz descolado no Brasil vê pela internet algo interessante acontecendo em Moscou, é claro que ele está muito mais apto hoje do que há 20 anos atrás para ir atrás dessa ideia e aplicá-la em seu dia a dia. Agora as coisas são muito mais velozes e globais.
Hoje o Brasil é referência para qual tipo de tendência global?
São Paulo é hoje uma das cidades mais diversas do mundo, o que é bom para o surgimento de novidades. Atualmente, o Brasil é referência principalmente no setor alimentício. Pesquisadores de todo o mundo vem até aqui para analisar o mercado e ver como os brasileiros consomem sua comida: de culinária local até produtos de grandes empresas. No mercado fashion não temos uma Gucci brasileira, por exemplo, mas o street fashion tem ganhado destaque pouco a pouco. Em setores chave, como internet das coisas e big data, o país tenta se manter competitivo, mas ainda não consegue se equiparar a gigantes como Nova Déli (Índia) e Xangai (China), por exemplo.
Como podemos nos tornar cada vez mais uma referência mundial em novas tendências?
O Brasil está passando por um período difícil, tanto em nível econômico quanto político, o que geralmente deixa as pessoas mais fechadas e menos aptas a investir em ideias ousadas. Isso também é uma tendência clara: se você está em um ambiente político-econômico fragilizado, você tende a ser mais conservador. Apesar disso, acho que a onda de conservadorismo está passando e o país começa a se abrir para um pensamento mais inovador, tanto nas áreas de educação e pesquisa quanto no mercado. Isso tende a se combinar para tornar o Brasil um líder no setor de experiências para o consumidor.
Por que é relevante se manter atento a tendências?
Se pensarmos em um nível individual, a primeira coisa que você precisa fazer é viver sua vida da melhor forma possível. A pesquisa de tendências não quer tornar as pessoas vítimas das novidades. Se você não está interessado em algo que tem se evidenciado no mundo, por favor, não se force a assimilar o conceito. Viva sua própria vida de acordo com o que acredita ser o melhor. Mas se você é curioso, quer tentar coisas novas e analisar se elas se adaptam ao seu estilo de vida, então olhe as tendências e os produtos que as organizações estão oferecendo por aí. Repito: faça isso apenas for se sentir empoderado como consumidor ou cidadão. Se você se interessa em moda, filtre o que funciona e aplique em seu dia a dia, se adapte e adapte as tendências a você. A ideia é criar um estilo de vida que absorva o melhor que está sendo oferecido sem tornar as pessoas vítimas da indústria.