A morte de Marta Avelhaneda Gonçalves, 14 anos, foi a consequência mais grave dos casos de bullying registrados em escolas do Rio Grande do Sul. Os nove alunos que presenciaram a briga entre Marta e uma adolescente de 12 anos na Escola Estadual Luiz de Camões, em Cachoeirinha, no dia 8 de março, revelaram em depoimento à polícia que havia uma divisão de grupos dentro da turma e que as duas colegas acabaram integrando lados opostos.
O nome da jovem apontada como responsável pela morte não será revelado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente, que orienta a preservação da identidade de adolescentes envolvidos em atos infracionais.
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O bullying teria começado logo no primeiro dia de aula de Marta. Um grupo de meninas, que incluía a adolescente de 12 anos, teria apontado para ela com xingamentos: "Gorda! Balão!". Marta passou a medir força verbal com as colegas. Nada do que ocorreu entre elas foi revelado aos pais ou professores. A diretora Fani de Oliveira mal conhecia a aluna nova.
No segundo dia, a professora que deu as duas primeiras aulas percebeu que as meninas estavam agitadas e observou que Marta parecia calma. Durante a troca de período, outro desentendimento veio à tona. Um menino teria chamado a adolescente de 12 anos de "feia", e uma amiga dela teria respondido que "havia gente pior". Marta entendeu que a indireta teria sido para ela.
A adolescente acusada pelo MP saiu da sala para checar qual seria a próxima aula, já que o professor demorava a chegar. Segundo relato dos alunos, Marta teria dado uma rasteira nela assim que a garota retornou à sala. Ela teria caído e ficado embaixo de Marta, no chão. A partir daí, os alunos tiveram dificuldades de visualizar o que aconteceu, pois Marta era maior e os cabelos de ambas estavam soltos.
Uma testemunha disse que viu a adolescente acusada empurrando Marta com um movimento que parecia um soco. Outros alunos viram uma terceira colega puxar Marta de cima da rival na tentativa de apaziguar a briga. O que se viu em seguida foi Marta caindo e passando mal, e a outra menina levantando do chão. A luta corporal foi rápida e não durou mais do que um minuto. Os alunos se assustaram e correram para chamar um professor.
O primeiro profissional de saúde a chegar foi uma auxiliar de enfermagem do posto de saúde vizinho à escola. Ela encontrou um professor tentando fazer massagens cardíacas, aproximou-se e logo constatou que a jovem não tinha mais pulso. Nesse momento, a turma já havia sido retirada da sala. A técnica não percebeu lesão aparente ou marcas de sangue. O socorrista do Samu apareceu minutos depois e repetiu os procedimentos de primeiros socorros por cerca de meia hora, mas a tentativa de salvá-la foi em vão. Marta chegou morta ao hospital.
Uma das alunas disse em depoimento que a colega envolvida na briga teria confessado a ela que apertou o pescoço de Marta e que pediu segredo. Em sua defesa, a adolescente de 12 anos negou a versão da colega e disse que não encostou no pescoço de Marta. Ela relatou que apanhou e que pediu socorro, mas que os alunos demoraram a intervir. Quando uma das amigas interrompeu a briga, Marta teria caído no chão passando mal e vomitado um chiclete.
– Não peguei (no pescoço), porque estava embaixo (dela). Quando ela me deu a rasteira, colocou meus braços para trás, nas costas. Eu só me debatia porque não conseguia encostar nela. Durou um minuto, eu acho. Foi muito rápido. Não cheguei a falar nada para ela, só me debati e pedi socorro. Mas todo mundo só ficou olhando. Até que uma amiga falou: "Separa" – disse a adolescente à reportagem de ZH.
O que a Justiça determinou
Com base na investigação e na necropsia que encontrou uma fratura no osso hioide (que fica no pescoço), coagulação hemorrágica interna e sinais de asfixia, o laudo pericial concluiu que a morte foi decorrente de asfixia mecânica por esganadura.
Em 31 de março, a promotora de Justiça Maria Rita Noll de Campos apontou a adolescente de 12 anos como responsável pelo ato infracional equivalente a homicídio qualificado por asfixia. Em entrevista coletiva, a promotora destacou o fato de a adolescente suspeita não ter reagido com emoção à morte da colega e defendeu que a internação provisória seria a melhor forma de repreendê-la educativamente e impedi-la de persuadir os colegas durante a fase processual.
Na primeira semana de abril, a juíza Vanessa Caldim dos Santos, da 4ª Vara Criminal, aceitou a representação do MP e determinou a internação provisória por 45 dias na Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase). Como a adolescente não foi encontrada, o processo está suspenso enquanto o MP faz buscas de novos endereços.
Na única entrevista que deu à imprensa, a adolescente conversou com ZH acompanhada da mãe, dos avós, de uma tia e do advogado de defesa Marcos Vinicius Barrios. Ela negou a agressão e narrou os dois dias de convivência com Marta. A mãe se mostrou abalada com o envolvimento da filha na morte e apreensiva com a possibilidade de ela entrar no sistema socioeducativo (na ocasião, a juíza ainda não havia pronunciado a decisão). Após o episódio, a adolescente não voltou para a escola, nem o irmão mais velho – que acabou sendo hostilizado pelos colegas na unidade onde estudava. A mãe contou que teve o carro apedrejado.
– Estou muito sentida pela mãe da Marta, sei que ela deve estar me odiando, mas queria dar um abraço nela, sinto a dor que ela deve estar sentindo – lamentou a mulher.
Desde então, a adolescente de 12 anos integra a Ficha de Comunicação de Aluno Infrequente (Ficai) do Rio Grande do Sul e é procurada pela Justiça.