Pedro Henrique não gosta de ver a mãe triste. Quando a flagra chorando, age rápido: envolve-a em um abraço, tenta chamar sua atenção para outra coisa.
– Vamos brincar? – perguntou ele dias depois da morte do pai, mostrando alguns carrinhos.
Insistiu no convite. Como ela não reagia, pediu:
– Eu tô tentando te fazer feliz, mas se você não brincar comigo não vai dar certo.
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A psicóloga Elusa Dalmoro, 42 anos, e o filho, de nove, formam uma família de dois desde outubro de 2013, quando Diogenes Zanolla, 48, também psicólogo, morreu em decorrência de um tumor no cérebro. O período de tratamento foi intenso para todos. Com o lado esquerdo do corpo paralisado após uma cirurgia, Diogenes teve de se locomover em cadeira de rodas, o que forçou adaptações na casa. Elusa e Pedro tiveram acompanhamento psicológico desde o diagnóstico. Sabia-se que o caso era grave e não havia possibilidade de cura. A notícia do óbito foi dada por Elusa.
– Lembra que a gente já conversou sobre o papai?
– Que o papai ia morrer?
– É, que o papai ia morrer. A mamãe acabou de vir do hospital.
– E o papai morreu?
Com quase seis anos à epoca, Pedro chorou, escondendo-se embaixo da mesa. Dali em diante, para surpresa da mãe, foram poucos os momentos em que o menino foi às lágrimas. "Ele não tem que falar, não tem que gritar?", estranhava Elusa. Em vez de motivar questionamentos sobre a morte, Diogenes surgia no discurso do filho em lembranças afetivas, como no momento em que comia pipoca ou jogava futebol. Na convivência com outras crianças, a ausência se tornou mais evidente: elas tinham um pai, e Pedro, não. Carente de contato com a figura masculina, ele aproveitava as visitas aos amiguinhos para brincar com os pais deles. Ao mesmo tempo em que manifestava saudade de Diogenes, cobrava a mãe:
– Você vai encontrar outra pessoa? Eu vou ter um pai substituto?
Queria saber como Elusa e Diogenes haviam se conhecido, entender o processo: de que maneira a mãe escolhera o pai? Tivera outros namorados antes?
– Tá bem, eu sei que talvez você tenha que testar para achar o certo – assentia.
– Uma hora vai aparecer – respondia ela.
Nos últimos três anos, Elusa deixou o filho à vontade a cada vez que se aproximava o Dia dos Pais. Por duas vezes, o tio de Pedro o prestigiou nas apresentações encenadas na escola. No ano passado, o menino não quis participar. O presente preparado nessas ocasiões sempre teve destinatário certo – a bola de futebol, a caneca decorada e o travesseiro de pescoço eram para Diogenes. No crematório onde estão as cinzas do pai, há mimos e cartões do filho depositados junto à urna.
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Elusa resiste a se apresentar como "viúva" – estranha a palavra, fica com a sensação de ser observada com piedade. Certa vez, na aula sobre recrutamento e seleção que ministrava em um curso de recursos humanos, pediu que os alunos lhe fizessem perguntas simulando uma entrevista de emprego. Não demorou para que alguém a questionasse sobre o estado civil. A revelação causou desconforto na turma, e Elusa aproveitou para discutir a relevância da pergunta nesse contexto:
– Interessa saber se a pessoa é casada, solteira, viúva? Isso a torna melhor ou pior para a vaga?
Cerimônias de casamento são difíceis de enfrentar. A algumas, deixou de ir, comparecendo apenas mais tarde, na festa. Em uma celebração recente, ela se emocionou ao lembrar do marido e, mais uma vez, constatar o óbvio: ele não estava ali para partilhar daquele momento feliz. Pedro, atento, entrou em ação. Pegou um copo e o mostrou à mãe, tentando animá-la:
– Olha aqui! Tem uma princesa!
Para Elusa, o mais complicado do papel de "pãe" é assumir a responsabilidade por todas as decisões referentes à vida do filho, ainda que não lhe falte o apoio da família. É preciso encontrar o equilíbrio entre o afeto e a cobrança, assumindo o desgaste dos confrontos necessários e desistindo de outros. Uma das preocupações mais frequentes se refere às muitas horas que o menino quer dedicar ao uso do tablet.
– Estou fazendo escolhas. Eu escolhi inclusive as discussões que vou ter com ele. Essa briga aqui, quero ter com ele ou não? Tento por outros caminhos, converso muito, dou alternativas – explica.
No final de 2016, Elusa e Pedro mudaram de endereço. A nova casa tem menos porta-retratos com fotos de Diogenes, que se faz presente também em referências mais sutis, perceptíveis apenas para os mais íntimos: uma escultura e uma vela do consultório onde atendia os pacientes, vasos com cactos e tulipas. Elusa diz ter vivido um processo de reconstrução após a morte e o luto, voltando a cuidar de si mesma e a se divertir. O balanço de tudo, revela, é positivo.
– Foi uma história linda. As pessoas perguntam se eu tenho culpa de não ter feito alguma coisa. Não tenho. Eu fui inteira dentro daquela relação, eu fui o meu melhor. Obviamente, eu não queria ter passado por tudo aquilo, mas eu me tornei uma pessoa melhor. As coisas agora têm pesos diferentes, dimensiono-as de uma forma diferente. E acho que isso me torna crítica, porque às vezes me incomodo com o peso que as pessoas dão para algumas coisas, penso: "Você não sabe o que é um problema, não sabe o que é sofrer".
Hoje Elusa sabe que quer, e vai ter, outra relação. E Pedro Henrique segue firme nas demandas.
– Sendo alguém legal, que brinque comigo, já tá bom. Não precisa ser bonito, mas também não quero que seja feio – descreve o garoto.
– Ufa! – fala Elusa, rindo.
– Tamanho não importa – ele segue. – Se for gordinho, tudo bem. Que seja esperto, que saiba no mínimo trocar uma lâmpada. Tem que ser colorado, como meu pai – sublinha, para protesto da mãe gremista.
Pergunto quem, afinal, vai selecionar esse novo namorado. Ele detalha:
– Ela escolhe e eu aprovo.