IMAGENS: ANDRÉ ÁVILA
AO DESCER DO ÔNIBUS
Vila Jardim, 22/4/2011 - Logo depois de descer de um ônibus na Avenida Protásio Alves, em uma noite de sexta-feira, uma jovem de 18 anos caminhava por uma rua na Vila Jardim quando teve o trajeto interrompido por um desconhecido. Ele deu um golpe no pescoço da moça e a arrastou para uma praça.
A jovem ainda tentou se desvencilhar, mas o homem imprimia mais força contra o seu pescoço. Sob uma árvore, ela foi violentada por quase uma hora. O agressor ameaçou machucá-la se ela o denunciasse. Ao fugir, levou os dois celulares e o cartão TRI da vítima.
Em quatro dos casos, não chegou a haver relação sexual forçada, mas desde 2009 a definição do que se considera estupro está ampliada no Código Penal
Apesar da ameaça, ela registrou a ocorrência e se submeteu a uma perícia na tentativa de comprovar o crime. O resultado do exame foi negativo, mas o laudo não é suficiente para descartar o abuso.
– Uma mulher que não seja mais virgem e que tenha tido uma relação recente, ou caso o estuprador tenha usado preservativo, praticamente não ficará com vestígio. Por isso, não haver a materialidade não significa que não tenha ocorrido o delito – explica Angelita Rios, médica-legista do Departamento Médico Legal (DML).
Em novembro de 2015, mais de quatro anos depois do registro do estupro, a delegacia enviou para a Justiça o inquérito sem indiciamento porque não houve testemunhas e os suspeitos nunca foram identificados.
DEPOIS DO BOTECO
Jardim Carvalho, 25/5/2013 – Ela conheceu o rapaz em uma tarde de sábado, em um boteco perto da Redenção. Sentaram-se à mesma mesa, compartilharam copos de cerveja e conversaram, até que ele a convidou para estender o programa na sua casa. Ela topou.
O que aconteceu depois transformou-se em um conflito de versões. A mulher diz que, ao chegarem ao local, ele a empurrou sobre a cama e impôs que ela "colaborasse" ou não voltaria para casa naquele dia. O homem afirma que transaram de comum acordo e que, ao fim, ela exigiu dinheiro – com a negativa, a mulher teria inventado a acusação de estupro.
Para a polícia, faltaram provas do abuso. Pesou na conclusão da investigação o fato de a mulher ter ido ao local voluntariamente e recordar-se somente de flashes, porque estava alcoolizada. O suspeito acabou indiciado por lesão corporal. Em outubro de 2015, o Ministério Público rejeitou a denúncia, e a Justiça acolheu o arquivamento do processo.
NA SAÍDA DA PADARIA
Rubem Berta, 4/6/2014 – Em uma quarta-feira à tarde, uma jovem voltava da padaria para casa no bairro Rubem Berta. Um Gol diminuiu a velocidade até que pudesse acompanhar os passos cada vez mais apressados da mulher. O carona lhe apontou a arma e avisou que, se ela corresse, atiraria. Assustada, a moça parou. Entrou no veículo, com a arma pressionando suas costelas.
Um dos agressores puxou os seus cabelos e beijou sua boca e seu pescoço. Outro levantou a blusa que ela vestia e afastou o sutiã. A dupla a levou para um mato, onde a jovem foi estuprada. Os agressores ainda roubaram as compras que ela trazia da padaria: um pacote de arroz, outro de açúcar, bergamotas e pães. Fugiram.
A vítima registrou boletim de ocorrência. Na delegacia, folheou um álbum de fotos de suspeitos que agiam na região. Identificou um homem de 25 anos, com passagens na polícia por roubo e invasão.
A polícia nunca localizou o suspeito, e a mãe dele disse desconhecer o paradeiro do filho. O criminoso responde ao processo por estupro e roubo. O segundo envolvido no crime nunca foi identificado.
ENGANADA POR UM ANÚNCIO
Centro Histórico, 8/4/2015 – À procura de um emprego na internet, uma mulher de 26 anos preencheu os seus dados pessoais em um site para concorrer a uma vaga em uma empresa de telemarketing. A resposta veio em seguida: deveria se encontrar com uma pessoa chamada Juliana no centro de Porto Alegre.
Na data marcada, dirigiu-se para o local indicado, mas não havia Juliana alguma. Quem apareceu foi um homem. Disse que Juliana estava em uma reunião e os encontraria em seguida. Enquanto isso, poderiam tomar um café.
O homem pediu que a candidata o acompanhasse até o escritório da empresa. No trajeto, surgiu uma segunda pessoa, que a abraçou e pressionou suas costas com um objeto. Teve a sensação de que era uma arma.
A dupla a levou até uma locadora. Ao fundo da sala, havia uma escadaria que dava acesso a um ambiente anexo. Tratava-se de uma sauna. Havia televisões transmitindo filmes pornográficos, homens caminhando seminus e banheiras encobertas pelo vapor.
Os homens que a raptaram lhe deram tapas e ordenaram que ficasse de cabeça baixa. Tiraram as suas roupas, colocaram-na de bruços e a violentaram.
Em seguida, ela sofreria um novo estupro. Dessa vez, consumado por seis homens em uma banheira. Depois, mais um abuso. Em uma tentativa desesperada de fuga, a vítima recebeu um soco no rosto e o aviso de que deveria estar à disposição dos agressores.
Ao fim, entregaram à mulher R$ 62 e a mandaram embora em uma lotação. Dentro do coletivo, ela conseguiu telefonar para o pai antes de desmaiar.
Nos dias seguintes, a vítima passou a receber mensagens de um número desconhecido. "Foi bom pra você?", dizia um dos recados. Do celular, também vieram fotos de suas filhas e o alerta de que sabiam a escola onde estudavam.
Quatro dias depois dos crimes, a vítima decidiu denunciar. A polícia começou uma investigação. Na sauna, foi localizado o homem que havia iniciado a agressão. Reconhecido pela vítima, ele foi recolhido ao Presídio Central em 16 de abril de 2015. Após dois meses, teve a liberdade provisória concedida.
O suspeito foi indiciado por estupro e favorecimento à prostituição. Ele está denunciado pelo Ministério Público e ainda não foi julgado pelos crimes que teria cometido.
PERSEGUIÇÃO
Navegantes, 24/9/2015 – Em uma movimentada avenida na Zona Leste, uma mulher passou a ser seguida por um homem. Pensou que fosse um assalto, então apertou o passo. Mas o agressor a alcançou. A mulher ofereceu a sua bolsa, o homem disse que era ela que ele queria.
A vítima caiu ao ser empurrada contra uma parede, e o homem saiu em disparada. Foi detido e agredido por gente que passava pela avenida, até a chegada dos PMs.
Preso, foi levado ao Hospital de Pronto Socorro (HPS) para tratar dos ferimentos que sofrera. Enquanto isso, a vítima seguia para a delegacia, onde comunicaria a denúncia.
A polícia indiciou o homem por estupro. Ele estava preso preventivamente pelo crime no Presídio Central, mas, em outubro do ano passado, teve a liberdade concedida e passou a cumprir uma medida cautelar. A Justiça não informou qual medida determinou no caso.
Diante de uma agressão que nem sempre deixa marcas visíveis, o ônus da prova é da vítima. Além disso, estupros costumam acontecer longe de testemunhas. Há mais estupradores impunes do que incriminados.
– As mulheres enfrentam muitas dificuldades quando procuram o serviço policial para fazer uma denúncia. Elas costumam ser desmotivadas a denunciar e questionadas sobre o comportamento que tiveram e que pode ter colaborado para que sofressem a violência. Sem dúvida, isso contribui para a impunidade penal, se pensarmos que a impunidade deve começar a ser analisada a partir do primeiro momento, da primeira notícia de um crime – reflete a socióloga Wânia Pasinato, especialista em políticas de enfrentamento à violência de gênero:
– Se a polícia não reconhece que houve um crime, não faz o registro e não instaura um inquérito com qualidade que reúna as provas necessárias, dificilmente irá além de um inquérito, dificilmente receberá uma denúncia e muito menos o caso seguirá para uma decisão judicial.
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