
Mês passado, entrou no sistema do Procon porto-alegrense o caso de uma noiva que havia comprado o vestido pela internet mas não recebera a encomenda até a data do casório. Irritada e sem conseguir contatar o vendedor, ela procurou ajuda no órgão de defesa. Na ausência de CNPJ ou nome do responsável, os atendentes reviraram o site para descobrir a quem responsabilizar.
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Custaram até desvendar o sinuoso negócio: o portal não representava um costureiro ou uma loja. O administrador utilizava fotos de um site chinês, recebia os pedidos das noivas e importava para o endereço delas. Ganhava uma comissão. Se o pedido desse errado - como deu -, a culpa seria dos chineses, e não do intermediário. E o cliente ficaria na mão.
- Situações como essa deslizam por lacunas do Código de Defesa do Consumidor. Os procons não conseguem multar ou advertir formalmente quem presta este serviço, já que não produz ou representa formalmente o fabricante - explica o diretor-executivo do Procon Porto Alegre, Cauê Vieira. Por essa razão, tem sido tão comemorado o avanço de dois projetos de lei (PL) que trazem o CDC aos novos tempos. Aprovados no final de outubro no Senado, os textos serão analisados pelos deputados e irão à sanção presidencial - se tudo correr bem, espera-se que passem a valer no primeiro trimestre de 2016.
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Criado no início dos anos 1990, o CDC não previa negócios pela internet ou o avanço das operações de crédito pessoal, o que acaba por obrigar quem tenha problemas junto a esses fornecedores a buscar Justiça comum. É tamanha a defasagem que os procons precisam recorrer a uma regulação referente à venda por catálogos para questionar falhas no comércio eletrônico.
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O primeiro PL prevê a responsabilização de sites que fazem mediação de negócios entre desconhecidos, eliminando o risco do jogo de empurra. Se um portal de compras coletivas oferecer descontos em um restaurante e o cliente tiver dificuldade de utilizar seu cupom, quem terá de devolver o dinheiro é o site.
A regulação também estende ao comércio eletrônico algumas regras que já valem para compras em lojas físicas, como o período de sete dias para arrependimento e o estabelecimento de uma central de atendimento ao cliente.
- As mudanças dão mais poder para o Procon solucionar rapidamente problemas que têm se tornado comuns em razão do avanço de compras online - aponta a diretora do Procon no Rio Grande so Sul, Flávia do Canto Pereira.
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Hoje, algumas pendengas se arrastam. O economista Cleiton Scarabelot Emídio tenta, há quase três meses, ser ressarcido pelo site de uma grande rede de varejo pela falha na entrega de seu pedido. Ele encomendou um painel e um suporte. Só veio o primeiro. Como uma coisa não servia sem a outra, vem buscando desfazer o negócio.
- Tentei contato pelo site, por telefone, e nada. Não tive escolha a não ser buscar ajuda do Procon, e mesmo assim está difícil de resolver - conta Cleiton.
Contratos com mais informações
Outro projeto que se encaminha para votação diz respeito aos empréstimos pessoais. Diante da alta dos juros e do aperto na renda, operações de crédito têm levado clientes e bancos a digladiarem em órgãos de defesa do consumidor e na Justiça.
No primeiro semestre, o Banco Central recebeu quase 19 mil reclamações de clientes referentes a taxas, tarifas e problemas no atendimento. Nos procons, as queixas são principalmente por dificuldade para renegociar pagamentos.
- Muitos clientes não fazem ideia do tipo de empréstimo que tomaram ou do tamanho da dívida, principalmente no consignado - observa Flávia do Canto Pereira, do Procon-RS. - Isso tem aumentando o superendividamento.
A atualização do Código de Defesa do Consumidor combaterá duas das razões que levam clientes ao caos financeiro, conforme especialistas em direito: falta de informações nos contratos e oferta de dinheiro sem levar em conta condições de pagamento do cliente.
- Bancos e financeiras terão de deixar mais claro nos contratos qual juro, encargo e condições de pagamento do empréstimo. Também serão responsabilizados se agravarem a dívida de alguém que já está em situação frágil - explica Cauê Vieira, do Procon porto-alegrense, onde duas das 10 empresas mais reclamadas são bancos.
A expectativa é de que as novas regras deem poder para que os procons exijam a renegociação de contratos e agilizem a resolução de conflitos. É o que esperam consumidores como Jeferson Silva dos Santos, 34 anos. Ele usou R$ 1 mil do limite da conta para consertar o carro e tentou renegociar o pagamento. Ouviu que seria impossível.
- Fui ao Procon por que o banco nunca mencionou as condições desta linha de crédito. Achei que poderia parcelar o pagamento - diz Jeferson, que há oito meses espera um acordo.
O repórter Erik Farina produz as matérias da série Encare a Crise.
