Chegou o frio nesta ponta de Brasil que agora tem um motivo adicional para temer o inverno. É a época das doenças respiratórias, em que as emergências ficam lotadas. Pela manhã fez 9ºC em Porto Alegre. Tardes douradas para apreciar da janela, mas péssimo para um Estado que precisa desesperadamente de chuva. Nossa tempestade perfeita combina a pandemia com uma estiagem que abalou o agronegócio, único setor da economia que nos últimos anos teve sequência de bons resultados.
As previsões não poderiam ser mais sombrias. A combinação de tragédias pode fazer a economia do Rio Grande do Sul retroceder 10 anos. Só não estamos mais alarmados porque ainda nos resta a esperança de que a escalada de contaminações siga lenta para não provocar o colapso do sistema hospitalar. Até aqui, somos o 12º Estado em número de casos (2.447), um dado duvidoso porque ainda se testa pouco no país, e o 14º e ortes (91).
Quando o Ministério da Saúde divulgou o boletim da sexta-feira, com 751 mortes em 24 horas, lembrei de quando a Itália estava com números assim. Em 21 de março, foram 793. Naquele dia, se falava que o Brasil era a Itália e três semanas antes, com um agravante: a pobreza e as péssimas condições de vida nas favelas.
O vírus não escolhe classe social, mas no Brasil os pobres estão morrendo mais. Em Manaus, as ambulâncias do Samu não têm onde descarregar pacientes. No Rio, faltou luz em um hospital que não tinha gerador. Um jovem de 24 anos, com teste positivo para a covid-19, morreu por falta de oxigênio. O Brasil caminha para se tornar o epicentro do coronavírus no mundo. Aqui, o maior número de mortos e de contaminados está em São Paulo, mas o crescimento é mais rápido no Rio, onde já faltam vagas em UTIs e há leitos sem ocupação por falta de médicos e enfermeiros.
Mesmo com esse placar do terror e com várias capitais adotando lockdown ou regras mais restritivas do que as do Rio Grande do Sul, segue a pressão pela liberação das atividades que ainda estão proibidas. Neste sábado, sai o novo decreto do governador e as bandeiras de classificação de risco para cada região.
Ando sonhando coisas tão estranhas. Descobri que esse relato é mais frequente do que se poderia imaginar. Não sei se há interpretação psicanalítica para o pesadelo da noite passada. Eu dirigia por uma estrada de terra sem enxergar quase nada. Em uma bifurcação, fui parar numa estrada em construção que lembrava a Transamazônica dos anos 1970. Será medo do passado, por ter visto na véspera a secretária especial da Cultura Regina Duarte, relativizar a tortura? Será medo do futuro, esse estranho sonho de estar navegando às cegas? Óbvio demais.