1) Vai haver guerra?
É o que o mundo se pergunta. Na verdade, já há uma guerra: cruel, sanguinária como todas as guerras e, em boa parte desconhecida de nós todos porque pouquíssimos jornalistas independentes conseguem entrar neste momento na Síria e trabalhar livremente. O risco de sequestro é altíssimo, além, é claro, da possibilidade de se ser preso pelo regime. Estamos falando de uma das mais duras ditaduras do Oriente Médio. Então, quando as pessoas se perguntam se haverá guerra, estão querendo dizer se haverá uma guerra envolvendo atores internacionais, como Estados Unidos e Rússia. A resposta é não. Ou, pelo menos, não neste momento. Tudo indica que o ataque de EUA, Reino Unido e França foi pontual, a exemplo do realizado em abril do ano passado, porém, bem mais amplo e simbólico - uma vez que os alvos se encontravam perto da capital Damasco, bastião do regime de Bashar al-Assad.
2) Os ataques vão continuar?
Possivelmente. Neste sábado, a embaixadora dos EUA na ONU disse que os americanos estão prontos para realizar novas ofensivas. Trump considerou “missão cumprida”. Referia-se aos alvos desta missão da sexta-feira. Foram atingidos. Mas ao usar a expressão “Missão cumprida” foi infeliz. O termo foi usado pelo ex-presidente George W. Bush em 2003 para comemorar o suposto fim da Guerra do Iraque. Ela durou pelo menos mais 10 anos, se é que se pode dizer, ainda hoje, que acabou.
3) Logo depois do ataque de sexta-feira, afirmei aqui, na coluna, que a paz do Oriente Médio — e, por tabela, do mundo — dependeria da resposta da Rússia. Pois bem, a resposta foi apenas verbal. O Kremlin considerou a ofensiva uma agressão. Tentou aprovar uma resolução no Conselho de Segurança das Nações Unidas condenando o ataque, mas perdeu. Apenas China e Bolívia votaram com os russos. Oito votaram contra e quatro se abstiveram. Eram necessários nove votos para a condenação. Todos esses lances mostram que a Rússia está atuando no campo da retórica e dentro das regras da diplomacia. A opção militar não está na mesa por enquanto. Putin é muito mais inteligente que Trump. Não entrará nessa com ações para uma guerra total. Por vários motivos, mas cito dois bem simples: primeiro, foi eleito há pouco com 77% dos votos, ou seja, está com a popularidade em alta. Não precisa fazer a guerra para alavancar apoio interno. Sabemos que presidentes inventam conflitos quando estão a perigo. Trump está precisando jogar mais para a torcida interna neste momento do que o colega russo. Para o americano, a ofensiva serviu para mostrar ruptura em relação aos russos — envolvidos na até agora não explicada influência na eleição americana e, quem diria, a favor do republicano. Trump marca posição de distanciamento em relação a Putin. O segundo motivo pode parecer banal, mas não pode ser desprezado. Em dois meses, haverá Copa do Mundo na Rússia. Em um país em guerra? Não. Putin não é bobo.
4) Afinal, as supostas armas químicas foram destruídas?
Não se sabe. Os EUA comemoraram a eliminação de alvos nos arredores de Damasco e em Homs, mas disseram que Al-Assad escondeu parte de seu arsenal. É um discurso, infelizmente, conhecido: em 2003, o governo Bush invadiu o Iraque alegando que o regime de Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa que nunca foram encontradas. Ao dizer que Al-Assad escondeu parte de seu arsenal, pode estar deixando, nas entrelinhas, aberta a hipótese que servirá de argumento para novos ataques. Vale lembrar: especialistas internacionais estavam em campo na Síria à procura de evidências do uso de armas químicas pelo governo Al-Assad no sábado passado. Eles nem conseguiram concluir seu trabalho e ainda não há resultados. Aliás, as supostas provas do governo francês de que houve um ataque com arsenal proibido também não apareceram.
5) E Al-Assad? Cai ou não cai?
Minha aposta é que não agora. O ditador sírio é bem diferente de outros que tombaram por conta dos ventos da Primavera Árabe. É mais forte, tem mais apoio e um exército mais preparado do que qualquer outro governo que caiu — tunisiano, egípcio ou líbio, por exemplo. Só cairá se Putin quiser. O que não se pode duvidar. Mas enquanto obedecer às ordens do Kremlin e guardar com segurança as bases russas em seu país, permanecerá no poder.