Se vivo fosse, nosso saudoso Moacyr Scliar, falecido em 2011, teria cumprido 80 anos em 23 de março, quinta passada. Uma data redonda, embora tristíssima, não podia passar em branco – e, em evento na Livraria Cultura, foi lançado o volume Nossa Frágil Condição Humana (Companhia das Letras), organizado e prefaciado pela professora Regina Zilberman.
Autor de mais de 5 mil crônicas publicadas em Zero Hora e em veículos nacionais, Scliar foi um humanista de inquieta erudição e, por óbvio, homem de opiniões consistentes – e sempre disposto à conciliação. As 68 crônicas que compõem o livro, escritas entre 1977 e 2010 e que têm o judaísmo como mote, demonstram essas virtudes, que também eram naturais em sua ficção.
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Como considera Regina Zilberman, pode ser que Scliar não tenha sido o primeiro autor brasileiro a se valer da temática judaica em seus textos. Antes dele, o gaúcho Marcos Iolovitch, em 1940, lançou Numa Clara Manhã de Abril e, em 1956, o polonês-brasiliense Samuel Rawet publicou Contos do Imigrante. Foi Scliar, no entanto, a conferir uma abordagem mais robusta ao tema, valendo-se em muito da rica simbologia da tradição e, sobretudo, do humor e da ironia que garantiu a sobrevivência dos judeus como povo.
Consagrado logo no início de carreira com livros fabulosos como O Exército de um Homem Só ou A Guerra no Bom Fim, Scliar comoveu e divertiu leitores de todos os feitios e abriu caminho para que outros autores, como, entre outros, Bernardo Ajzenberg, Tatiana Salem Levy, Bernardo Kucinski, Michel Laub – e eu – pudéssemos nos valer do legado da tradição judaica. Scliar nos permitiu participar da literatura em sentido amplo, sem que fôssemos enredados por esquemas de “gueto”, por reducionismos fáceis ou por esquemas classificatórios.
Em Nossa Frágil Condição Humana, o leitor poderá encontrar ponderações sobre o judaísmo, claro, mas também sobre o quebra-cabeças da vida. Principalmente, encontrará essa vocação conciliatória que sempre buscou a solução mais justa, esquivando-se de queixas e acusações – vocação a que chamaríamos, sem favor, de sabedoria.