O recente massacre terrorista em Nice escancarou um debate que vinha emergindo na França concomitantemente aos consecutivos ataques reivindicados pelo Estado Islâmico (EI) no país: como tratar na mídia e publicamente os autores dos atos terroristas. Em um recente editorial, o jornal Le Monde anunciou sua decisão de não mais publicar imagens reproduzidas de documentos de propaganda ou reivindicação do EI: "Após o atentado de Nice, não publicaremos mais fotografias dos autores de massacres, para evitar eventuais efeitos de glorificação póstuma". No dia seguinte, seu diretor de redação, Jérôme Fenoglio, precisou que a não publicação de fotos dos terroristas correspondia a "imagens de sua vida cotidiana" ou outras "muitas vezes feitas por eles mesmos, antes de passar à ação".
Para o antropólogo e psiquiatra Richard Rechtman, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS, na sigla em francês), o anonimato é a resposta adequada contra a propaganda jihadista. Segundo ele, é preciso decretar que estes "soldados" do EI morrerão no total esquecimento, para "criar a dúvida nos candidatos a mártir e fazê-los entrever o vazio de uma morte anônima". O psicanalista Fethi Benslama, da Universidade Paris-Diderot, apelou a um "pacto na mídia" para que seja mantido o anonimato dos terroristas, acusando o EI de se servir da comunicação como uma extensão do terror. Mesma demanda feita pelo filósofo Bernard-Henri Lévy. Uma petição "Pelo anonimato dos terroristas na mídia", que já conta com mais de 155 mil assinaturas, foi lançada no site change.org, condenando a revelação da identidade do "autor de massacres abomináveis" e indagando "Por que fazer dele um superstar?". A secretária de Estado encarregada do auxílio às vítimas do terrorismo, Juliette Méadel, anunciou a criação de um grupo de trabalho sobre a cobertura jornalística dos atentados, com propostas a serem apresentadas em setembro.
Para o jornalista David Thomson, especialista em jihadismo e autor do livro Franceses jihadistas, o "processo de heroicização se faz também no seio da jihadosfera", e seria apenas amplificado pela mídia de massa. Na sua opinião, o fato de difundir ou não o nome e a fotografia dos terroristas não tem nenhuma incidência sobre o ritmo dos atentados. Ao contrário, diz ele, "não publicar esses dados estimularia as teorias de complô já numerosas". Para Didier Péron, dirigente do Libération, sempre poderemos tapar os olhos com as mãos e, como as crianças, dizer a nós mesmos que, se não vimos o ato, não ocorreu ou teve menor impacto. Infelizmente, acrescenta, "é a realidade que nos convoca, e não me parece crível que, neste face a face, o rosto do inimigo, por comodidade ética ou prudência cidadã, seja atenuado ou simplesmente abolido". O debate promete continuar.
Memorial de luto
O pedestal da estátua da Place de la République, em Paris, no qual se impõe o bronze de Marianne, tornou-se um memorial de luto e de homenagens às vítimas dos atentados cometidos em solo francês, com velas acesas, grafites e uma variedade de objetos depositados por locais e turistas. Nesta semana, as autoridades começaram uma operação de limpeza do monumento, a primeira desde sua inauguração, em 1883, por meio do uso de jatos d’água e outras técnicas, que deverá durar até o próximo dia 11, para restituir seu aspecto original. Todo o material está sendo recolhido e fotografado por funcionários do Arquivo Histórico de Paris, e uma parte será exposta no Museu Carnavalet. A associação Geração Bataclan, hoje, busca recursos para financiar a construção de um memorial em frente à casa de espetáculos que foi um dos alvos dos terroristas nos ataques de novembro de 2015, que provocaram 130 mortes.
Na fila
Na última segunda-feira, uma extensa fila podia ser percebida às 9h30min na capital francesa. Não se tratava, no entanto, de alguma precipitação por conta da abertura de uma nova grande exposição em algum museu parisiense, mas da esfaimada curiosidade pela inauguração do primeiro estabelecimento em Paris da rede americana Five Guys, em Bercy Village (75012).
Trata-se, para quem não sabe, de um dos hambúrgueres preferidos do presidente americano Barack Obama, que já deixou a Casa Branca uma vez com seus seguranças em busca de um Five Guys nas proximidades. A rede pretende abrir mais duas filiais parisienses: até o final deste ano, em Champs-Elysées (75008), e em 2017, na estação Gare du Nord (75010).
Já dista o tempo em que o parisiense contava com orgulho sobre o dia em que o então presidente americano Bill Clinton pediu ao garçom uma Coca-Cola para acompanhar seu cassoulet na tradicional Brasserie Lipp, no bulevar Saint-Germain, e descobriu com espanto que o estabelecimento não servia o famoso refrigerante. Viu-se obrigado, então, a degustar um vinho Bordeaux.