Chegou o 31 de março e, como ocorre desde quando eu era criança, as Forças Armadas celebram o dia em que foi derrubado o governo João Goulart, em 1964. Em alguns anos isso acontece com mais ênfase. Em outros, de forma discreta, como durante o período em que o país foi presidido por Dilma Rousseff, presa durante o regime militar.
A ordem do dia de 2021 foi escrita com comedimento. Ela é assinada pelo general Walter Braga Netto, escolhido há apenas dois dias como novo ministro da Defesa, em meio à maior crise institucional nas casernas em 50 anos. Como se sabe, ele substitui outro general, Fernando Azevedo e Silva, demitido pelo presidente Jair Bolsonaro.
Amigos de Azevedo dizem que isso aconteceu porque ele não aderiu com força à politização bolsonarista dos quartéis, tendo hesitado também em cogitar Estado de Defesa para garantir abertura de comércio em regiões onde governadores e prefeitos determinaram quarentena. Essas, dentre outras divergências.
O fato é que a saída de Azevedo foi seguida da demissão dos três chefes das Forças Armadas, que se solidarizaram a ele. Isso, além do impacto político, cria um problema prático na cúpula militar: a tendência de que, em efeito dominó, todos os principais cargos sejam mexidos. Uma instabilidade e uma politização que desagradam puristas.
A ordem do dia dá impressão de ter sido escrita para esfriar ânimos exaltados. Não há menção à palavra “comunismo”, por exemplo. Uma raridade, já que os militares sempre justificaram a derrubada de Goulart por sua proximidade a ativistas de esquerda e com regimes comunistas, como Cuba e China. Neste 31 de março de 2021, o ministro da Defesa explica os acontecimentos pela ótica da Guerra Fria, que envolveu a América Latina.
“Ela trouxe ao Brasil um cenário de inseguranças com grave instabilidade política, social e econômica. Havia ameaça real à paz e à democracia.”
Braga Netto diz que os brasileiros perceberam a emergência e pediram, nas ruas, que a escalada conflitiva fosse interrompida.
“As Forças Armadas acabaram assumindo a responsabilidade de pacificar o país, enfrentando os desgastes para reorganizá-lo e garantir as liberdades democráticas que hoje desfrutamos”, resume Braga Netto.
Ele faz questão de dizer que o mundo mudou, o Brasil mudou, inclusive com anistia aos exilados e pacificação. O ministro garante que Exército, Marinha e Aeronáutica acompanham as mudanças, estão cientes dos novos desafios (“questões ambientais, ameaças cibernéticas, pandemias”) e estão aí para garantir a Constituição. Quanto a 1964, Braga Netto dá a entender que faz parte do passado, não do presente.
“O movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil e assim deve ser compreendido.”
O recado, seja aos quartéis ou aos políticos que flertam com eles, parece ser: rupturas institucionais são coisa do passado.